Carta em defesa da Escola do Campo

Carta em defesa da Escola do Campo

CARTA DA UNIVERSIDADE FEDERAL DA FRONTEIRA SUL/CURSO INTERDISCIPLINAR EM EDUCAÇÃO DO CAMPO, EM DEFESA AO NÃO FECHAMENTO DA ESCOLA ESTADUAL DE ENSINO FUNDAMENTAL ANTONIO BURIN, A EDUCAÇÃO PÚBLICA E AS ESCOLAS DO CAMPO

Educação do Campo, Direito Nosso e Dever do Estado!

A Universidade Federal da Fronteira, Campus Erechim/RS e o Curso Interdisciplinar em Educação do Campo: Ciências da Natureza, vêm a público manifestar seu posicionamento contrário ao fechamento da Escola Estadual de Ensino Fundamental Antonio Burin, assim como repudia os constantes manifestos de fechamento de escolas públicas municipais e estaduais, em especial as localizadas no campo. Configura-se um descaso total para com os povos do campo e com a educação pública, da parte do Estado do Rio Grande do Sul, na gestão deste governo, quando este anuncia o fechamento de centenas escolas públicas e a nucleação de turmas que inviabilizam as escolas, para na sequência serem fechadas. Outrossim, sabemos, que esta é só mais uma ação política atrelada à hegemonia do capital que atinge a classe trabalhadora, que vive os efeitos cotidianos da crise estrutural do sistema de produção e a extinção de direitos historicamente conquistados.


A Constituição Brasileira em vigor, estabelece que a educação é direito de todos e dever do Estado e da família, sendo entendida como obrigatória, gratuita e direito público subjetivo (artigos 205 e 208), sendo que ninguém, muito menos o Poder Público constituído, que é demandado a oferecer educação pública, pode cercear este direito. Reiterado o direito constitucional à educação, a Educação do Campo, luta de mais de duas décadas dos Movimentos e Organizações Sociais do Campo, juntamente com os próprios Sujeitos do Campo, (agricultores/as familiares, camponeses, indígenas, assentados/as e acampados/as da Reforma Agrária, quilombolas, pescadores, trabalhadores sazonais, comunidades tradicionais, entre outros povos, que compõem a diversidades deste país), cansados de verem seus direitos negligenciados, forjam o direito

à Educação do Campo, a qual dentre outros princípios assegura o direito à escolarização próxima ao lugar onde vivem e trabalham, ou seja, uma educação que esteja em sintonia com as especificidades, a cultura, o trabalho, o modo de vida e o local de moradia de seus sujeitos.

Desta forma, pode-se dizer que desde a década de 1990, a Educação do Campo vem se materializando de forma a se territorializar em nosso país. Muito contribuiu para que essa condição se consolidasse, a elaboração de uma legislação que ampara e legitima o direito a universalidade da educação, desde suas especificidades. Dentre a mesma, podemos citar a Resolução CNE/CEB Nº 1 /2002 que institui as Diretrizes

Operacionais para a Educação Básica nas escolas do Campo, qual ressalta: “a educação infantil e os anos iniciais do ensino fundamental serão sempre oferecidos nas próprias comunidades rurais, evitando-se os processos de nuclearização de escolas e o deslocamento das crianças”.

O Decreto Nº 7.352/2010 que dispõe sobre a Política Nacional de Educação do Campo e sobre o Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária, em seu artigo 2º - Dos princípios da Educação do Campo – reitera o respeito a diversidade do campo em seus aspectos sociais, culturais, ambientais, políticos, econômicos, de gênero, de raça e de etnia. O art. 7º garante: o desenvolvimento e manutenção da política pública da

educação do campo em seus sistemas de ensino, sempre que o cumprimento do direito à educação escolar assim exigir, os entes federados assegurarão. O art. 2º, parágrafo único - referencia à identidade da escola do campo, sendo: "definida pela sua vinculação às questões inerentes à sua realidade, ancorando-se na temporalidade, saberes próprios dos estudantes, na memória coletiva", que sinaliza o futuro e a esperança de proporcionar um desenvolvimento sustentável para o campo, principalmente através da agroecologia e do
fortalecimento dos sujeitos que nele ainda permanecem.

Voltando-se para o contexto do Estado, cabe também referendar a Resolução Nº 342, de 11 de abril de 2018/CEEd, que ampara-se no "art. 11, inciso III, item 1, e inciso XIX, da Lei nº 9.672, de 19 de junho de 1992, e nos termos do Parecer CNE/CEB nº 36, de 04 de dezembro de 2001, Resolução CNE/CEB nº 1, de 03 de abril de 2002, Resolução CNE/CEB nº 2, de 28 de abril de 2008, Decreto nº 7.352, de 04 de novembro

 e 2010, Parecer CNE/CEB nº 13/2012, de 10 de maio de 2012, Resolução CNE/CEB nº 8, de 20 de novembro de 2012, Resolução CNE/CEB nº 5, de 22 de junho de 2012, Resolução CEEd nº 329/2015, Parecer CEEd nº 545, de 22 de julho de 2015, Parecer CEEd nº 0001/2018, de 14 de março de 2018, Resolução CEEd nº 340, de 21 de março de 2018, Indicação CEEd nº 43, de 04 de novembro de 2015, e normas complementar" que institui às Diretrizes Curriculares da Educação Básica nas Escolas do Campo e estabelece condições para a sua oferta no Sistema Estadual de Ensino no Estado do Rio Grande do Sul.

Salienta-se outra concisa conquista da Educação do Campo, a Lei nº 12.960, de 27 de março de 2014, que insere no artigo 28 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) parágrafo único, o item que trata do fechamento de escolas rurais, indígenas e quilombolas. Passa a exigir para tanto, a manifestação de órgão normativo dos Sistemas de Ensino, Conselhos Municipais de Educação ou Conselho Estadual de Educação, a
partir do pertencimento da instituição no sistema de ensino. A lei também estabelece que a comunidade escolar deverá ser ouvida e a Secretaria de Educação deverá justificar a necessidade de encerramento das atividades das escolas, como medida que precede o fechamento. No Estado do Rio Grande do Sul, temos a Resolução nº 329/2015 que trata da cessação de escolas do Campo, Indígenas e Quilombolas, a qual ratifica e amplia a manifestação para mais de uma dezena de órgão relativos à escola, bem como de diagnóstico dos impactos e manifestação da Comunidade (art. 15B – III).

Ressalta-se ainda o papel do Comitê Estadual de Educação do Campo, um Fórum institucional de debate que acompanha e apoia a construção da política e das ações referentes à Educação do Campo no Estado do Rio Grande do Sul, instituído pelo Decreto Estadual 49.861/2012, alterado pelo Decreto 50.536/2013.


Diante disso tudo, cabe a indagação, como pode o governo do estado ignorar a legislação já produzida? Estas escolas estão amparadas pela legislação, tanto estadual como federal. Portanto, não pode o próprio governo ser displicente em relação a esta legislação, negando o direito conquistado dos povos do campo! Isso nos dá a certeza que este governo está agindo de forma indevida, a revelia desconsiderando a legislação vigente.

Antes de fechar a escola, a comunidade tem o direito de se manifestar, para tanto, sabemos que a comunidade Coan está mobilizada pelo não fechamento de sua escola. Ressalta-se ainda o trabalho pedagógico exemplar desenvolvido na escola, incrementados com projetos educativos e recursos didáticos, que tornam a escola uma referência em termos de aprendizados, de pertença e na relação orgânica com sua

comunidade.

Por tais argumentos e, em consonância com a legislação, declaramos nosso apoio à luta da Comunidade Coan, ao CPM da escola, ao Conselho Escolar, pais, mães, estudantes, bem como o Grupo de Idoso Vale do Paca, que lutam, como Sujeitos de Direito pelo não fechamento de sua escola e por manter Viva a sua Comunidade.


Não entraremos aqui na questão do transporte escolar, sabemos que os municípios colocarão as crianças e jovens dentro de ônibus e os levarão diariamente para escolas localizadas nos centros urbanos, e somos sabedores também que em muitas situações isso representa horas de viagem, o que vai contra a legislação, e uma condição de total desrespeito às crianças e adolescentes que fere inclusive o Estatuto da Criança e

Adolescente (ECA). Corroboramos com a campanha organizada, em 2011, pelo Setor de Educação do Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra, dizendo com eles: "Fechar e Escola é Crime", pois, se trata de uma violação ao presente e ao futuro de milhares de crianças filhos e filhas de trabalhadores do campo

O fechamento de escolas rurais, numa perspectiva de contenção de gastos e por motivos administrativos caracteriza a negligência do Estado. Num país onde há milhões de analfabetos, significa a negação do direito ao acesso à educação das populações rurais brasileiras, significa privar milhares de pessoas do direito à escolarização e ao ensino que contemple e se efetive na realidade rural, como parte fundamental de sua

cultura. Da mesma forma, os vários os retrocessos sofridos nestes últimos períodos, em especial com o congelamento dos investimentos em políticas sociais, a descaracterização de programas como o Pronera, a falta de investimento na educação pública em geral e no ensino superior, a descaracterização dos cursos de Licenciatura em Educação da Campo na modalidade de alternância, não nos eximem de fazer a luta e exercer nosso papel como universidade pública, gratuita e comprometida com os povos do campo e com os
trabalhadores em geral. Participaremos e multiplicaremos iniciativas concretas para com estes sujeitos, que visem a construção de um movimento consciente, emancipador, onde o conhecimento, a ciência e tecnologia estejam a serviço da vida em todas as suas formas de manifestação.

Cientes de que construiremos a história, reafirmamos nosso compromisso com as lutas históricas da classe trabalhadora, especialmente junto as populações do campo, reforçando a luta em defesa a uma educação pública de qualidade, concebida a partir da tríade campo-educação-política pública, enquanto direito social básico e universal e DEVER do Estado. Sabemos que a luta pelo não-fechamento da escola passa pelo

sentido construído junto à realidade que a cerca, tendo como centralidade o vínculo com o trabalho e a agroecologia, bem como o movimento pedagógico que desencadeia o planejamento interdisciplinar, coletivo, compreendido como um movimento educativo que vai além da escola, envolvendo a comunidade, criando e recriando estratégias de formação humana e de auto-organização.

Sendo assim, a Universidade Federal da Fronteira Sul (Campus de Erechim/RS) em consonância com o Movimento "Por Uma Educação do Campo", protagonizado pelo Fórum Nacional da Educação do Campo (FONEC) e pelas Articulações da Educação do Campo do Estado do Rio Grande do Sul e da Região Sul, bem como na ação estratégica do seu Curso Interdisciplinar em Educação do Campo: Ciências da Natureza, que forma professores comprometidos com esta causa, ratifica seu compromisso com o acesso ao ensino público, gratuito e socialmente referenciado aos povos do campo, atuando em defesa à resistência das escolas do campo, indígenas e quilombolas e no auxílio ao cumprimento da legislação que assegura este direito, colocando-se a inteira disposição para atuação no fortalecimento das ações já realizadas e na promoção de outras iniciativas, que promovam a sustentabilidade, num trabalho coletivo, desde e com os sujeitos locais, que fortaleça a escola quanto aos seus objetivos sociais de ensinar e formar seus sujeitos.


Educação do Campo é direito conquistado.


Nenhum direito a menos!Curso Interdisciplinar em Educação do Campo:


Ciências da Natureza - Coordenadora Adjunta   Universidade Federal da Fronteira Sul/Erechim


Direção do Campus

 

Erechim, 04 de novembro de 2019




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