Cobrando o governo Leite
Atingidos pelas enchentes no campo e nas cidades cobram governo Leite
Ato em frente ao Piratini reuniu manifestantes de diversas regiões do estado e exige diálogo com o governo estadual para reconstrução e justiça socioambiental
Por Marcelo Menna Barreto / Publicado em 15 de maio de 2025

Os participantes seguiram até a Praça da Matriz, em frente ao Palácio Piratini,
onde exigiram diálogo com as autoridades estaduais. Foto: Igor Sperotto
Um ano após as enchentes que devastaram o Rio Grande do Sul, movimentos sociais do campo e da cidade marcharam em Porto Alegre nesta quinta-feira, 15, para denunciar o abandono das populações atingidas e exigir do poder público ações concretas de reconstrução, reparação e justiça socioambiental. A atividade foi organizada pelo Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), Federação dos Trabalhadores e Trabalhadoras na Agricultura Familiar do Rio Grande do Sul (Fetraf-RS) e Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST), contando com a presença de cerca de mil representantes de diversas regiões do estado.
Com concentração em dois pontos — o Largo Zumbi dos Palmares e o Largo Glênio Peres —, os participantes seguiram até a Praça da Matriz, em frente ao Palácio Piratini, onde exigiram diálogo com as autoridades estaduais.
Antes da chegada ao Piratini, houve uma parada estratégica em frente à sede da Superintendência do Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA) no estado. Lá, foram recebidos por uma comitiva do governo federal vinda de Brasília especialmente para a ocasião.
A comitiva foi formada pelo secretário-executivo do MDA, Eric Souza Moura (representando o ministro Paulo Teixeira, em missão oficial com o presidente Lula no exterior), o coordenador-geral de Crédito Rural à Agricultura Familiar da pasta, José Henrique da Silva, e o presidente da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), Edegar Pretto.
Governo Federal anuncia medidas para a agricultura familiar gaúcha
Fruto das negociações realizadas em Brasília pelas entidades organizadoras da mobilização, a comitiva do governo federal anunciou um pacote de medidas emergenciais e estruturantes voltadas à agricultura familiar, duramente atingida pelas enchentes no estado.
Entre as principais ações anunciadas estão:
• Ampliação do número de acessos ao Proagro e retomada da cobertura integral do valor do financiamento;
• Consideração do risco do próprio agricultor como critério, reduzindo custos para quem mantém boa conduta no programa;
• Criação de um comitê para discutir a implementação do Programa Desenrola Rural 2, voltado à renegociação das dívidas da agricultura familiar;
• Elevação do limite do Manual de Crédito Rural para renegociação de dívidas de 8% para 20%;
• Contratação, até 4 de junho, de todos os projetos habitacionais já cadastrados no sistema, além da previsão de nova chamada pública e ampliação para as faixas 2 e 3;
• Operacionalização do Pronaf B pela Caixa Econômica Federal;
• Investimento de R$ 35 milhões para compra de sementes pelo Programa de Aquisição de Alimentos (PAA).
O coordenador da Fetraf-RS, Douglas Cenci, avaliou positivamente o anúncio. “Há tempos estamos negociando com o governo federal essas medidas. Apresentamos a pauta, demonstramos a importância, e o governo compreendeu a necessidade. Ainda temos mais por avançar, mas, diante do contexto econômico que nosso país vive, entendemos que os passos dados são de extrema importância. Precisamos agora que o governo do estado faça sua parte”, afirmou.
Sementes para agricultura familiar para atingidos da enchente
Durante a reunião, o presidente da Conab, Edegar Pretto, anunciou a abertura do sistema para a compra e doação de sementes, atendendo a uma demanda urgente das organizações. A ação será realizada pela modalidade “Compra com Doação Simultânea” do PAA e visa fortalecer a retomada das lavouras camponesas afetadas pelas enchentes e pela instabilidade climática.
“Essas sementes serão usadas para reforçar os plantios. É uma mão amiga do governo federal, que neste momento incentiva o agricultor familiar a produzir mais comida, dando as condições e ofertando as políticas públicas para aumentar a produção de alimentos para o consumo interno. E, com isso, baratear o preço nas prateleiras dos supermercados”, destacou Pretto.
A Conab começa a receber, a partir deste dia 15, propostas de agricultores e organizações interessados em fornecer sementes, mudas e materiais propagativos por meio do sistema PAANet. O prazo se estende até 20 de junho. O orçamento total da ação, repassado pelo Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome (MDS), é de R$ 35 milhões.
Além das sementes, a Conab também anunciou a doação de mil kits de alimentos a famílias atingidas pelas enchentes, sobretudo em áreas afetadas por barragens. Cada kit contém arroz, feijão, melado, macarrão e farinha de milho, totalizando 17 quilos de alimentos por unidade.
Pautas estruturantes e justiça socioambiental

Entre as principais demandas levantadas pelos movimentos estão moradia digna, segurança alimentar, reconstrução da infraestrutura pública e apoio à agricultura familiar. Segundo dados do MAB, das 25 mil moradias prometidas pelo governo estadual, apenas 1.620 foram entregues até agora — o que representa apenas 6,5% da meta. Nesse ritmo, seriam necessários 15 anos para que todas as famílias fossem reassentadas.
“Atingidos ainda não sabem nem se terão moradia definitiva”, afirmou Tatiane Bezerra Paulino, dirigente do MAB no RS. Ela denuncia que a maior parte das famílias segue sem respostas básicas. “Há muitos passivos não resolvidos, tanto no meio urbano quanto no rural. As pessoas ainda não sabem sequer se estão cadastradas para receber moradia definitiva.” Tatiane também criticou a falta de critério unificado entre os municípios para o reconhecimento dos atingidos: “Faltou uma padronização. Em Lajeado, se o telhado foi levado, você não é considerado atingido. Já em Estrela, o critério é outro.”
Para o frei Sérgio Görgen, do MPA, a exclusão da agricultura camponesa das políticas públicas é histórica e continua vigente. “Estamos afirmando para o governo que há um público da agricultura camponesa que ainda não acessou as políticas públicas e que precisa acessar”, disse. Ele defende a criação de um Fundo Nacional de Apoio à Agricultura Camponesa, mais acessível do que o Pronaf, e com foco na agroecologia. “Esse modelo é benéfico para todos: produz alimentos saudáveis, protege o meio ambiente e combate a pobreza no campo.”
No meio urbano, a situação também é alarmante. O coordenador do MTST no RS, Fernando Campos, denuncia o agravamento da crise habitacional e a falta de políticas estruturadas para enfrentá-la. “O negacionismo tem sido uma fábrica de sem-tetos”, afirmou. Como resposta emergencial, o movimento realizou a ocupação Maria da Conceição Tavares, em um prédio público ocioso no centro da capital. “Reciclar um prédio é garantir moradia digna e, ao mesmo tempo, proteger o meio ambiente. É não empurrar as pessoas para a periferia sem acesso a serviços”, explicou.
Fernando também criticou a condução da revisão do Plano Diretor de Porto Alegre, acusando a prefeitura de agir em conluio com o setor imobiliário. “Há um lobby e um compromisso da Prefeitura com o setor imobiliário. Estão descumprindo o Estatuto da Cidade e o Estatuto das Metrópoles.”
“A luta dos atingidos é por muito mais do que reconstrução física. É por dignidade, por justiça, por direito à vida plena em um ambiente seguro e saudável”, afirmou Tatiane. Os movimentos aguardam resposta do governo estadual para uma reunião emergencial ainda nesta semana. Em Brasília, representantes também pressionam o governo federal por medidas cada vez mais robustas e participativas.
Governo do Estado recebe agricultores atingidos com frieza

Se a recepção à nível federal foi calorosa e com notícias consideradas boas para o movimento, o mesmo não verificado à nível estadual. Ao contrário de 60 pessoas representando cada um dos municípios na sede do MDA, apenas cinco integrantes da caminhada foram admitidas na recepção feita no Piratini pelo vice-governador Gabriel Souza (MDB).
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