Combate às fake news
Redes integradas no combate às fake news na corrida eleitoral
Diante das ameaças ao processo eleitoral em 2022, especialistas defendem iniciativas conjuntas e participação coletiva na luta contra a desinformação. Entendimento é de que fontes confiáveis têm papel crucial para o exercício democrático e, portanto, serão essenciais.
O combate à disseminação de informações falsas é um dos maiores desafios das autoridades e da sociedade civil atualmente, e a busca de ferramentas para esse fim tem ocupado o centro do debate público nos últimos anos. A discussão ganha contornos mais preocupantes quando as fake news, cuja divulgação é considerada crime (leia O que diz a lei), entram no campo da política. Umberto Eco, escritor e comunicador italiano, chamou de "máquina de lama" as artimanhas em nome da desinformação e as perigosas consequências delas.
Impedir a propagação de dados falsos em meio à disputa eleitoral é um dos pilares necessários para a realização de um pleito limpo, em outubro. No entanto, a definição de fake news não engloba apenas conteúdos inverídicos. O juiz Hilmar Raposo Filho, coordenador de fiscalização da propaganda eleitoral no Tribunal Regional Eleitoral do Distrito Federal (TRE-DF), destaca outros aspectos enganosos que complementam o fenômeno. "Quanto mais rebuscado for o conceito, menos útil ele será. Fake news, basicamente, é uma notícia desencontrada da realidade e que manipula informações verdadeiras. É preciso entendê-la não apenas como falsa, mas, também, como manipulada", enfatiza.
O magistrado defende que, na linha de frente contra a desinformação e aliada à defesa da democracia, deve estar sempre a busca pelos fatos. "O combate (às fake news) precisa ser feito a partir dos dados e do conhecimento de verdades estabelecidas, como a rigidez do processo eleitoral. Temos certeza do nosso trabalho e da retidão desse processo", sustenta o juiz, em referência aos questionamentos sobre a segurança dos pleitos no Brasil.
Além disso, a guerra contra as informações falsas deve passar pelo acompanhamento das propagandas no período de corrida eleitoral. Por determinação do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o TRE-DF montou um grupo de trabalho com o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) para controle dos conteúdos dessas publicidades. A Corte ainda selou acordos com as forças de segurança da capital do país para uso de drones nas eleições deste ano, para monitoramento de possíveis irregularidades. "Fizemos um convênio com as polícias Civil e Federal. E buscamos, também, o Corpo de Bombeiros Militar", completa Hilmar Raposo.
Procurada pela reportagem, a Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal (SSP-DF) informou que deu início às tratativas para atuação das forças no pleito de 2022. "A SSP-DF realizou a primeira reunião entre representantes desse setor na Câmara dos Deputados, no Senado, no Supremo Tribunal Federal, no Tribunal Superior Eleitoral e no Tribunal Regional Eleitoral, para prevenir e orientar sobre possíveis crimes ou delitos virtuais nas eleições", informou a pasta, em nota.
No combate às fake news, o Ministério Público do DF vai agir por meio das promotorias de Justiça Eleitoral, que podem apurar e protocolar processos criminais envolvendo condutas deliberadamente adotadas para difusão de dados falsos com fins eleitorais. Ao Correio, a instituição destacou que focará nas plataformas digitais: "Considerando que as redes sociais têm sido o meio mais usado para propagação de desinformação, o MPDFT conta com a atuação do Núcleo Especial de Combate aos Crimes Cibernéticos (Ncyber) na prestação de apoio técnico para a identificação e responsabilização de eventuais agentes envolvidos nessas condutas", detalhou, em nota.
Enfrentamento
Apesar de reconhecer as iniciativas de combate à desinformação, Leonardo Barreto, doutor em ciência política e especialista em comportamento eleitoral, cobra uma articulação nacional permanente. "Temos algumas movimentações, como checagens feitas pelos jornais, campanhas de conscientização e medidas de autorregulação (definidas) pelas próprias plataformas. Mas tenho dúvidas quanto à capacidade da Justiça Eleitoral em fazer essa fiscalização, que depende muito da boa vontade das empresas", pondera.
Leonardo cobra divisões de trabalho específicas contra a desinformação, inclusive nas forças de segurança, com a preconização de processos investigativos. "(É preciso ter) articulação com as plataformas (midiáticas) para criar mecanismos de prevenção e de desativação rápida (das publicações não verdadeiras), além de acertar protocolos para rastrear os divulgadores. Temos um cenário de muitas iniciativas sem coordenação, sem, necessariamente, divisão de competências por fiscalização. E isso torna a vida dos agentes públicos mais difícil. (Hoje,) há uma sensibilização maior e um conjunto de iniciativas, mas isso não conseguiu (conter o problema)", completa.
Com ações específicas contra a desinformação desde as eleições de 2020, o TSE criou, neste ano, o Programa Permanente de Enfrentamento à Desinformação e a Assessoria Especial de Enfrentamento à Desinformação, com atuação em três vertentes: "Um eixo informativo, para trazer informação que dispute, no ambiente informacional, com a desinformação; um eixo de capacitação, para desenvolver resiliência do eleitorado em entender como funciona o fenômeno da desinformação; e o terceiro eixo, de resposta, para contrapor as desinformações".
O programa da Corte tem 154 colaboradores, entre representantes do Legislativo, do Judiciário, de plataformas digitais e integrantes da academia. "Sem participação maciça, inclusive dos demais agentes da sociedade, fica difícil o enfrentamento (ao problema). O foco do TSE é estabelecer parcerias e ferramentas para que todos façam parte do processo de combate à desinformação", completou o tribunal, em nota.
Mídias sociais
O uso da tecnologia na batalha contra as fake news é apoiado por Alex Rabello, professor de proteção de dados no Ibmec Brasília. O especialista cita como exemplo a capacidade de softwares e hardwares para impedir a criação e a divulgação de conteúdos falsos. "Uma das soluções inclui o monitoramento de pessoas que gostam de disseminar essas informações. As redes sociais, hoje, conseguem identificá-los. Outro ponto é de as empresas e agências de comunicação criarem (ferramentas para) a verificação de veracidade, checarem as fontes envolvidas e evitarem a proliferação (de inverdades)", sugeriu.
O professor lembra que o monitoramento da fonte de publicações compartilhadas em meios digitais é simples de ser feito: "Todas as comunicações, independentemente de serem fake news ou não, podem ser rastreadas, mesmo em modo anônimo. Acham que criar contas falsas para disseminar desinformação deixa as pessoas anônimas, mas isso não é verdade. As polícias Civil e Federal têm mecanismos para descobrir a origem disso", ressaltou Alex.
Atualmente, as mídias sociais concentram boa parte das iniciativas em defesa de um processo democrático sem ameaças. As medidas — que incluem parceria com o TSE, identificação e banimento de perfis por meio de inteligência artificial, alertas sobre a importância das fontes oficiais e links com redirecionamento para sites confiáveis — têm se mostrado bem-sucedidas. O Correio procurou as principais plataformas de comunicação digital para conhecer as iniciativas de combate à desinformação adotadas por elas.
Mais perto da data da votação em primeiro turno, a Meta, responsável pelo Facebook, Instagram e WhatsApp, vai instituir o Centro de Operações para Eleições, a fim de acelerar o tempo de resposta a possíveis interferências à integridade do pleito. Especialistas vão monitorar, em tempo real, potenciais violações de políticas nas plataformas. Além disso, a empresa tem derrubado anúncios digitais sobre automação e disparo de mensagens pelo WhatsApp.
O TikTok informou que disponibiliza, na aba "Descobrir" ou por meio de busca, informações confiáveis sobre o processo eleitoral. Os vídeos relacionados às eleições são identificados com uma etiqueta que direciona para outra página, com dados verdadeiros. As diretrizes da rede também preveem a remoção de conteúdos enganosos que possam causar danos a processos cívicos.
A Google e o YouTube priorizam, nas ferramentas de busca, informações produzidas por fontes oficiais e por veículos de comunicação. "Também enfrentamos esse problema removendo de nossas plataformas conteúdos que violam nossas políticas, como anúncios que incentivam as pessoas a não buscar tratamento médico ou que afirmam que substâncias nocivas fazem bem à saúde. Não permitimos desinformação que possa provocar riscos reais nem alegações falsas de que fraudes, erros ou problemas técnicos generalizados ocorreram nas eleições presidenciais do Brasil em 2018", detalharam as duas empresas, em nota conjunta enviada ao Correio. "Quando localizamos um conteúdo que viole essas políticas, agimos rapidamente para removê-lo. Nosso trabalho ainda inclui reduzir a propagação de conteúdo duvidoso."
Ação conjunta
Fake news é crime, quem comete pode ser preso e sentir a força punitiva do Estado Democrático de Direito. É fundamental que as instituições públicas, não somente a Justiça Eleitoral, cumpram seu papel constitucional e estejam atentas às condutas de indivíduos e grupos mal intencionados, bem como às posturas de candidatos desonestos. Mais do que isso: é importante que o combate às fake news seja visto não apenas como caso de polícia e de competência do sistema de justiça. É imprescindível que a sociedade se conscientize e exerça sua função de controle social.
O fortalecimento da democracia e do processo eleitoral exige que os cidadãos contribuam na fiscalização das eleições e dos candidatos. Quem concorre se valendo da disseminação de notícias falsas, compele as autoridades a uma ação enérgica e exemplar. Desbaratar redes e tecnologias a favor desse tipo de crime é o desafio às instituições policiais e penais brasileiras e internacionais, que não devem prescindir da ajuda de toda a sociedade.
Welliton Caixeta Maciel, professor de Antropologia do Direito na UnB, pesquisador do Núcleo de Estudos sobre Violência e Segurança (NEViS/CEAM/UnB) e do Grupo Candango de Criminologia (GCCrim/FD/UnB).
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Fonte: Tribunal Superior Eleitoral
O que diz a lei
Denunciação caluniosa com finalidade eleitoral é crime, passível de instauração de investigação policial, de processo judicial, de investigação administrativa, de inquérito civil ou ação de improbidade administrativa. A pena, que prevê reclusão de dois a oito anos e multa, é aumentada quando o agente usa de anonimato ou nome falso.
Fonte: Lei Federal nº 13.834/2019