Como funciona o Fundeb
Fundeb: como funciona este financiamento da educação básica?
31 de maio de 2019
Criado em 2007, o fundo de manutenção e desenvolvimento para a educação básica representa uma grande conquista, mas encerra sua vigência em 2020. Novos caminhos são discutidos para que não seja extinto
Uma grande poupança coletiva – da ordem do bilhão – cujo destino garantido por lei é o investimento na educação básica pública nas redes estaduais e municipais do Brasil. Esse é o Fundeb, Fundo de Manutenção e Desenvolvimento para a Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação.
O montante, que para este ano deve chegar a R$ 156 bilhões, é utilizado de acordo com algumas regras específicas (veja tabela abaixo) e deve contribuir para aumentar a qualidade e a equidade da educação em todas as modalidades de ensino, de creches e pré-escolas à Educação de Jovens e Adultos (EJA).
Criado em 2007, numa ampliação do Fundef, que tratava apenas do Ensino Fundamental, o Fundeb é um marco na educação, uma vez que contribui para diminuir as desigualdades de recursos entre as redes de ensino de modo a assegurar que cada região tenha um investimento mínimo garantido.
Municípios e estados que arrecadam menos impostos per capita, e/ou têm muitos alunos matriculados na rede pública, ganham mais dinheiro para investir na educação básica. Nos últimos anos, nove Estados foram beneficiados pelos recursos federais: Alagoas, Amazonas, Bahia, Ceará, Maranhão, Pará, Paraíba, Pernambuco e Piauí.
Dessa forma, estados e municípios têm segurança financeira para expandir o número de matrículas e cumprir responsabilidades educacionais. Os Municípios concentram esforços na Educação Infantil e nos anos inicias do Ensino Fundamental; já os Estados, nos anos finais do Ensino Fundamental e no Ensino Médio.
O Fundeb não é o único mecanismo de financiamento da educação básica, mas está entre os sete temas importantes para a educação de 2019 a 2022 do Educação Já, movimento encabeçado pelo Todos pela Educação.
O quesito Financiamento também sugere ações como revisão da distribuição de recursos federais relacionados à alimentação escolar e transporte, aumento da organização e transparência de gastos educacionais, aumento do investimento por aluno na educação básica e incentivo da distribuição de tributos para melhorar a política de aprendizagem.
Fundo coletivo
O cofre do Fundeb é abastecido por um conjunto de 27 fundos (correspondentes aos Estados Brasileiros mais o Distrito Federal). Cada um, por sua vez, é formado por parte dos recursos arrecadados via impostos, como o ICMS (Imposto sobre Circulação de Bens e Mercadorias). Além disso, o Governo Federal complementa com mais 10% do valor total dos fundos estaduais.
“A complementação da União representou um avanço na legislação, uma vez que deu credibilidade ao compromisso do Governo Federal de se responsabilizar por uma porcentagem do valor do fundo, ainda que pequena”, defende Andressa Pellanda, coordenadora executiva da Campanha Nacional pelo Direito à Educação.
Por ser vinculado à arrecadação tributária, o montante do fundo que financia a educação básica sofre influência de variações da economia.
Estudo do Todos pela Educação revela que o fundo coletivo corresponde a pelo menos 50% do valor anual gasto por estudante em 4.810 municípios, sendo a maioria da região Nordeste. Em mais de 1.000 desses, a participação do Fundeb chega a 80%.
Mais alunos, mais dinheiro
Uma série de critérios coordena o repasse de recursos, entre elas as exigências de financiamento de cada modalidade de ensino (creche em tempo integral, por exemplo) e, principalmente, um valor mínimo estabelecido por aluno, chamado de Valor Aluno/Ano (VAA).
“O dinheiro vai aonde o aluno está”, explica Mariza Abreu, consultora na área de educação do Todos pela Educação e da Confederação Nacional dos Municípios.
Com variação a cada ano, de acordo com as flutuações da economia, o VAA em 2018 foi de R$ 3.016,67. Ou seja, esse foi o menor valor por estudante distribuído pelo Fundeb (por meio da complementação dos 10% da União) para Estados e Municípios. A previsão deste ano é um aumento para R$ 3.238,52.
Olhando somente para o VAA fica fácil perceber a discrepância dos investimentos se não existisse o Fundeb, como descreve a consultora Mariza: “Em 2015, o Valor Aluno/Ano no Maranhão, sem a complementação da União, teria sido de R$ 1.900. Com o aporte, foi para R$ 3.200. Já em São Paulo, que não recebe complementação, o Valor Aluno/Ano foi de R$ 6.000”.
Como apontou o Nexo, o Brasil gasta o mesmo volume de recursos, em termos de percentual do PIB, do que países como Áustria, França, Suécia e Reino Unido. Mas ainda está muito atrás no investimento da educação per capita, uma vez que temos uma população de 48,4 milhões de estudantes, . Além disso, por aqui o investimento na universalização da educação é recente: começou apenas nos anos 90.
“O valor estabelecido por aluno hoje está muito aquém do necessário para garantirmos um padrão mínimo de qualidade do ensino. Investimos de 3 a 5 vezes menos que o necessário”, aponta Andressa Pellanda. A Campanha Nacional pelo Direito à Educação propõe outra forma de calcular o valor mínimo ideal.
Caminhos possíveis para a mudança
Na época de sua criação, o Fundeb foi vinculado à Constituição Federal de forma transitória, com período de vigência de 14 anos. Ou seja, tem data para acabar e ela está se aproximando: 31 de dezembro de 2020.
“Felizmente, o entendimento geral é de que é preciso dar continuidade ao Fundeb, tornando-o permanente na Constituição, mas existem muitas discussões sobre deixá-lo como está ou torná-lo mais distributivo de forma a melhorar a equidade da educação brasileira”, aponta Mariza Abreu.
São três as posições mais significativas no debate que se estabelece hoje. Todas partem de uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC), mas se diferenciam, principalmente, em relação ao peso de 10% da complementação da União:
– PEC 15/2015, com tramitação na Câmara dos Deputados e que propõe um aumento para 30% da complementação da União;
– PEC 65/2019, apresentada no Senado e que propõe que a contribuição aumente para 40%;
– Debate promovido pelo Todos pela Educação propõe uma contribuição entre 15% e 20%, dada a grave situação econômica que vivemos, e foca na indicação das fontes de onde sairá o dinheiro via arrecadação federal.
“Para o novo fundo funcionar ele precisará de uma lei de regulamentação, então o ideal é que a Proposta de Emenda Constitucional seja aprovada até dezembro deste ano para que a lei seja discutida ao longo de 2020”, alerta Mariza.
Entenda como funciona o financiamento da educação básica no Brasil
Com sinal vermelho ligado no que diz respeito ao financiamento da Educação, é importante entender de onde vêm os recursos que mantém a política de ensino no país. O Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), por exemplo, é um dos mais importantes instrumentos de sustentação da educação básica. Aprovado em 2006, fruto da luta do movimento social, a validade do Fundeb é somente até dezembro de 2020, o que precisa ser revisto com urgência.
Neste momento, há propostas em tramitação no Congresso Nacional com a intenção de perenizar o Fundeb. São elas, a PEC 24/2017, PEC 65/2019 e PEC 15/2015, esta última já está sendo analisada pela Comissão Especial na Câmara dos Deputados, as duas primeiras estão no Senado Federal. Caso não se aprove a sua ampliação ou perenização, a educação básica estará em sérios riscos, pois estados e municípios não têm autonomia financeira para arcar com os custos. Se a União não aportar o principal, a educação pública será uma mera lembrança, antes mesmo que consigamos a tão sonhada qualidade.
O que diz a Constituição
O financiamento da Educação, a partir da Constituição Federal (CF) de 1988, passou a sofrer menos intempéries, visto que o legislador garantiu o mínimo necessário, ou seja, 18% para a União e 25% para Estados e Municípios.
Além disso, no artigo 211, parágrafo primeiro, está dito que “ A União organizará o sistema federal de ensino e financiará as instituições de ensino públicas, federais e exercerá, em matéria educacional, função redistributiva e supletiva, de forma a garantir equalização de oportunidades educacionais e padrão mínimo de qualidade do ensino mediante assistência técnica e financeira aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios.”
O que significa isso de fato? 18% e 25% sobre o que?
A CF estabelece em seus artigos de 157 a 162, que o sistema tributário deve ser partilhado pelas esferas de governo, visto que no Brasil é o governo federal quem mais arrecada. Desta forma, parte da arrecadação da União é transferida para Estados e Municípios e parte da arrecadação dos Estados é transferida aos Municípios. Esses repasses são feitos para diminuir o impacto das grandes diferenças de arrecadação e para aumentar o poder de investimento de Estados e Municípios, levando em consideração que a União arrecada aproximadamente 70% dos tributos, os Estados perto de 25% e os Municípios em torno de 5%.
Sistema tributário e Educação
No Brasil há três categorias de tributos: impostos, taxas e contribuições. Os impostos são muito importantes, pois, por meio deles, o governo obtém recursos que custeiam quase todas as políticas públicas. As taxas são tarifas públicas cobradas para fornecimento de algum serviço, tal como documento, ou segunda via de certidões e passaportes, por exemplo. As contribuições de melhoria são cobradas do contribuinte que teve, por exemplo, seu imóvel valorizado por alguma benfeitoria. E as contribuições sociais e econômicas, de competência da União. As sociais são para cobrir gastos da Seguridade Social e as econômicas para fomentos de certas atividades econômicas.
Para o cálculo dos 18% garantido para a União custear a educação, são computados apenas os impostos, conforme estabelecido pelo parágrafo 212 da CF, que diz que a União aplicará nunca menos de 18% e os Estados e Distrito Federal e os Municípios, nunca menos que 25% da receita resultante dos impostos e transferências constitucionais. E, ainda neste mesmo artigo, está dito que o ensino fundamental terá o acréscimo da contribuição social do salário-educação, recolhidos pelas empresas (a emenda 53 de 2006 modificou isso, acrescentando as outras etapas de ensino).
A fórmula de cálculo é a seguinte: só após os repasses obrigatórios para os fundos de participação de Estados e Municípios (FPE e FPM), e depois, dos Estados para os Municípios, é que as porcentagens são retiradas do bolo restante. Isso ocorre para não haver dupla contabilização.
Os recursos transferidos são destinados à Manutenção e Desenvolvimento do Ensino (MDE), conforme o disposto no artigo 212 da CF, regulamentado pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira (LDB). As atividades suplementares, tais como merenda, uniformes, dinheiro direto na escola são financiados com outros recursos administrados pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), com recursos provenientes, dentre outras fontes, do salário-educação, recolhido pela União, que repassa uma parte para Estados e Municípios.
O que significa a Manutenção e Desenvolvimento do Ensino (MDE)? O que está dentro disso?
Apesar de vaga, a expressão MDE diz respeito a ações específicas, que focam diretamente o ensino. Ações estas especificadas pela LDB, artigo 70. São elas:
- Remunerar e aperfeiçoar os profissionais da educação;
- Adquirir, manter, construir e conservar instalações e equipamentos necessários ao ensino (construção de escolas, por exemplo);
- Usar e manter serviços relacionados ao ensino tais como aluguéis, luz, água, limpeza etc.
- Realizar estudos e pesquisas visando o aprimoramento da qualidade e expansão do ensino, planos e projetos educacionais.
- Realizar atividades meio necessárias ao funcionamento do ensino como vigilância, aquisição de materiais…
- Conceder bolsas de estudo a alunos de escolas públicas e privadas.
- Adquirir material didático escolar.
- Manter programas de transporte escolar.
Outras fontes de financiamento
Além dessas receitas, há outras fontes, tais como o salário-educação, que é recolhido das empresas, sobre o cálculo de suas folhas de pagamento. Essa receita é dividida entre União, Estados e Municípios. Quem arrecada a contribuição é o INSS, que fica com 1% a título de administração e repassa o restante para o FNDE, que desconta 10% e divide os 90% da seguinte forma:
A União fica com um terço dos recursos mais os 10% do FNDE. Os outros dois terços dos 90% ficam com Estados e Municípios, em razão direta ao número de matrículas de cada ente federado, de acordo com o censo escolar do ano anterior.
Além do salário-educação, o FNDE possui verbas oriundas de outras contribuições sociais. O Fundo desenvolve alguns projetos importantes, por exemplo: Programa Dinheiro Direto na Escola (PDDE), Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), Brasil Alfabetizado, Apoio ao Atendimento à Educação de Jovens e Adultos (Fazendo escola/PEJA) e Programa Nacional de Apoio ao Transporte Escolar (Pnate).
Fundeb em risco
Os fundos – o Fundef, criado em 1996 para manutenção e desenvolvimento do ensino fundamental, e o Fundeb, substituindo o anterior a partir de 2007 e visando à educação básica como um todo – representam uma tentativa de racionalização do gasto educação. Podemos dizer que além da vinculação de recursos, conforme explicado acima, há a subvinculação.
A transição do Fundef para o Fundeb significou o aumento da complementação da União aos fundos estaduais, de R$ 492 milhões, em 2006, para cerca de R$ 14 bilhões, em 2019. Neste ano, estima-se um aporte total para o fundo de aproximadamente R$ 150 bilhões, sendo a principal fonte de recursos para a educação básica no Brasil.
Como sempre houve um subfinanciamento da educação, ao Fundeb foram acrescidos novos recursos, como os oriundos do IPVA, por exemplo, que ampliou o financiamento, mas ampliou também o número de alunos atendidos, não equacionando, ainda, a questão do sub-financiamento.
O cálculo do Fundeb também é feito de acordo com o número de matrícula na educação básica pública de acordo com os dados do último censo escolar, feito anualmente. Dividi-se o montante pelo número de matriculados para se obter o valor aluno e em seguida repassar aos Estados e municípios a parte que cabe a cada um. Aqueles que não atingirem o valor mínimo por aluno deverão ter complementação da União. Já se verificou que a União, em muitos momentos, subdimensiona o custo por aluno para não ter de efetuar a complementação para os diversos estados que não conseguiriam atingir o piso.
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