Condições de escolas cumprirem normas

Condições de escolas cumprirem normas

Entidades questionam condições de escolas cumprirem normas para retorno das aulas


Professores preveem dificuldades para manter normas de distanciamento entre as crianças da educação infantil | Foto: Giulia Cassol/Sul21


Luís Eduardo Gomes

Publicado no Diário Oficial no dia 5 de setembro, o Decreto 55.465, que regulamenta o retorno às aulas presenciais no Rio Grande do Sul, traz como principais exigências para as escolas poderem abrir as portas estarem em regiões classificadas como bandeira amarela ou laranja no modelo de distanciamento controlado por ao menos duas semanas, o estabelecimento de um Centro de Operações de Emergência em Saúde para a Educação (COE Local) interno à instituição e a observação das normas sanitárias previstas pela Secretaria Estadual de Saúde.

O decreto é vago em quais seriam essas normas, delimitando essencialmente que as aulas sejam retomadas com um limite de 50% de capacidade de salas de aulas, mas remete a dois documentos anteriores que já haviam delimitado protocolos a serem seguidos. O primeiro deles é o Decreto 55.240, publicado ainda em maio, que estabeleceu uma série de medidas permanentes que devem ser observadas durante o período de enfrentamento da pandemia do coronavírus e que também valem para instituições de ensino. Este decreto traz obrigatoriedades mais gerais, como o uso de máscaras por trabalhadores e usuários, observação do distanciamento social com redução da capacidade de atendimento e afastamento de mesas, necessidade de higienização de superfícies de toque, disponibilização de álcool gel e afastamento das atividades por ao menos 14 dias de funcionários que apresentarem sintomas de contaminação pela covid-19, entre outras medidas.

Contudo, é o segundo documento, a Portaria Conjunta da Secretaria Estadual da Saúde e da Secretaria Estadual da Educação, publicada em 8 de junho, que trata dos protocolos sanitários específicos para instituições de ensino. Este documento determina que os centros de operação deverão ser criados a nível estadual, regional, municipal e local, internamente em cada instituição, sendo formados por representantes da direção, da comunidade escolar ou acadêmica e da área de higienização.

De acordo com a Portaria, cada COE-E Local tem a responsabilidade de elaborar Plano de Contingência para Prevenção, Monitoramento e Controle do Novo Coronavírus, que deverá informar quais serão os procedimentos operacionais padrão da instituição; quais serão as medidas voltadas para alunos e funcionários que estejam nos grupos de risco; quais serão as medidas para identificação de casos suspeitos e confirmados e como a instituição irá proceder em relação a esses casos; como irá ser feita a promoção, orientação e fiscalização do uso de equipamentos de proteção individual (EPIs); quais serão as medidas de higienização e sanitização de ambientes e quais serão as medidas de higiene pessoal e distanciamento social.

A Portaria ainda explicita uma série de medidas práticas que as instituições devem adotar, como suspender a realização de excursões e atividades esportivas presenciais; de orientações que devem ser repassadas para o quadro funcional e os estudantes, como orientá-los a higienizar regularmente os aparelhos celulares com álcool 70%; de práticas de limpeza que devem ser adotadas, como higienizar ao menos uma vez por turno as superfícies de uso comum; e de readequações de espaços físicos, como organizar as salas de aula para que seja respeitada a distância mínima de 1,5 m entre pessoas com máscara e de 2 m entre aqueles sem. Para receberem autorização para retomar as aulas presenciais, as escolas devem elaborar o plano de contingência, cujo modelo previsto na portaria, de 20 páginas, determina que a instituição deve apresentar quem será o responsável, qual será a metologia e quais materiais serão necessários para o cumprimento de cada medida prevista.

A Secretaria Estadual da Educação informa que as instituições de ensino, sejam elas municipais, privadas ou estaduais, só podem retornar às aulas presenciais quando tiverem seus Centros de Operações de Emergência em Saúde para a Educação (COEs) devidamente constituídos e seus planos de contingência elaborados. Segundo a Seduc, até o momento, mais de 500 escolas estaduais já constituíram um COE Local.

O que entidades pensam sobre o retorno

Foi o Decreto 55.465 que determinou que o retorno das aulas presenciais no Estado poderia ocorrer a partir da última terça-feira (8), pelo ensino infantil. Segundo as regras, apenas escolas de algumas regiões do Estado estavam aptas, como na região de Caxias do Sul, devido à questão das bandeiras, embora ainda haja uma série de municípios que não formaram seus COEs e de escolas que também não criaram seus centros internos e que não elaboraram o plano de contingência.

Por enquanto, as aulas ainda não foram retomadas na rede estadual, uma vez que o ensino infantil no sistema público é de responsabilidade municipal, mas a previsão é que o ensino médio retorne no dia 21 de setembro, sendo seguido pelos anos finais do ensino fundamental (28 de outubro) e, por último, pelos anos iniciais do ensino fundamental (12 de novembro).

Para a vice-diretora do Centro de Professores do Estado (Cpers), Solange Carvalho, os protocolos do governo traçam um cenário “ideal” para o retorno às aulas, mas que terá muita dificuldade de ser implementado na prática.

“A gente sabe que o governo do Estado sempre demora muito para enviar as verbas para as escolas, muitas vezes atrasa essas verbas, e os protocolos vão exigir, no mínimo, cinco mil contratados de recursos humanos e servidores para fazer a sanitização. Além disso, tem um problema, metade da turma vem, metade da turma não vem. Então, a professora vai preparar uma aula presencial e uma aula virtual. Ou então aqueles que são do grupo de risco, eles ficarão em casa e vão preparar aula virtual e, para os outros, que tiverem aula presencial, quem dará aula? Ou seja, não tem condições de voltar as aulas, os protocolos são muito difíceis de serem cumpridos, principalmente num período que tá todo mundo com medo”, afirma. “Só que se a prática demonstrar que não vai funcionar, vamos ter o custo de vidas. Porque não se sabe se esses protocolos chegarão. Tem escolas que não têm álcool gel, não têm papel higiênico, não têm merenda, às vezes as janelas estão quebradas ou não abrem. Enfim, com toda essa precariedade de estrutura, o governo quer mandar as crianças e os trabalhadores para dentro da escola, e ainda tem que se responsabilizar pelo não contágio. Tem que estar atento e alerta para não haver o contágio do aluno e o seu próprio contágio”.

Ela ainda avalia que os protocolos colocam muitas responsabilidades de fiscalização sanitária sobre professores e sobre as direções das escolas, pois caberá a eles cuidar do distanciamento entre os estudantes, o do uso correto das máscaras e evitar que haja contato, entre outras medidas. “Ou seja, vai passar mais tempo como um agente disciplinar, cuidando da questão da segurança, e ainda acaba sendo responsável, porque tem que verificar se tem febre ou não. E aqueles que são assintomáticos?”, questiona.

A Seduc diz que, para o retorno das aulas presenciais, o Estado irá dispor de um investimento na ordem de R$ 270 milhões para aprendizagem, capacitação, aquisição de equipamentos de proteção e materiais de desinfecção e contratação de professores e profissionais de apoio (serventes e merendeiras). Diz ainda que está em tramitação o processo de aquisição de Chromebooks para professores da rede estadual e que eles serão disponibilizados gratuitamente para os educadores como ferramenta de suporte para elaboração das Aulas Remotas.

Já na rede municipal de Porto Alegre, que poderia estar apta ao retorno do ensino infantil, ainda há a vedação em razão do retorno da Capital à bandeira vermelha nesta semana. A Prefeitura anunciou que começará a debater protocolos para construir o modelo de retomada das atividades educacionais em Porto Alegre a partir desta sexta (11).

Contudo, Luís Fernando de Fraga Silva, diretor do Sindicato dos Municipários de Porto Alegre (Simpa), avalia que a dificuldade das escolas municipais cumprirem os protocolos exigidos começa pela estrutura física das instituições. “Em primeiro lugar, a grande maioria das escolas têm salas pequenas, onde atendem 15 crianças e possivelmente não tenham como manter o distanciamento de dois metros”, diz.

Além disso, questiona sobre a possibilidade de protocolos serem cumpridos pela própria natureza das interações entre as crianças da educação infantil. “Como é que tu vai manter, na educação infantil, crianças sem se agarrarem, sem pegarem coisas umas das outas e colocarem na boca? As crianças interagem com o professor e a professora, estão sempre abraçando, estão sempre se tocando. Então, dificilmente vai ter um protocolo que permita isso. Crianças com até cinco anos de idade não vão conseguir ficar com as máscaras, elas vão tirar as máscaras, uma vai pegar da outra. Elas colocam brinquedos na boca. Como é que vai se dar essa interação? Essa é grande dificuldade”, diz. “Agora, se a gente for para o ensino fundamental, vai acontecer a mesma coisa. Adolescentes se agarram, se abraçam. Nós vamos ter vidros separando cada classe e cada carteira? Como vai ser isso aí? As salas de aula no município não têm um tamanho adequado, pelo contrário, grande parcela tem um tamanho reduzido e na educação infantil é muito pior. E o governo municipal não criou um grupo de estudo anteriormente para planejar essa volta”.

Silva defende que poderiam ter sido feitas readequações estruturais das escolas durante o período de fechamento, mas que acabaram não ocorrendo. Cita, por exemplo, o fato de que as salas de aula, em geral, têm as portas voltadas para o corredor e que poderiam ter sido feitas obras para que as portas fossem voltadas para o pátio. “É importante que se volte as aulas? É. Mas dentro de um protocolo que dê conta de muitas coisas que não foram discutidas com a sociedade”, diz.

Diante das incertezas na rede pública, a tendência é que as primeiras instituições a retomarem as atividades — e o que já vem ocorrendo nos municípios em que há liberação — sejam aquelas do ensino privado. Talina Romano, vice-presidente do Sindicato Intermunicipal dos Estabelecimentos de Educação Infantil do Estado do Rio Grande do Sul (Sindicreches), não vê os protocolos previstos na Portaria e nos decretos como um grande desafio para as escolas privadas.

“De forma, geral, as escolas privadas já têm nas suas rotinas diárias muito do que o protocolo nos determina. O que acontece é uma potencialização em nível de higiene e alguns cuidados que anteriormente a gente não tinha. Vou te dar um exemplo: febre. A gente tem que verificar a temperatura da criança na entrada da escola, assim como dos colaboradores. Aqueles que precisam utilizar do transporte público, a gente vai ter que solicitar que eles façam a troca de roupas porque o transporte público é um local muito insalubre”, diz.

Ela avalia que a limitação de capacidade a 50% das turmas também não será um impeditivo porque as escolas já sofreram uma grande perda de alunos em relação ao início do ano. “Naturalmente, vamos ter menos alunos. Essa perda foi comprovada através de pesquisa. Estamos falando de 60% de perda. Eu penso que uma normalização só vai se dar a partir de 2021 e, olha, não vai ser no primeiro semestre”, diz

Talina, que é proprietária de uma escola de ensino infantil, destaca ainda que, para evitar o registro de surtos após o reinício das aulas, o sindicato está orientando seus membros a conscientizarem suas comunidades escolares de que o retorno às aulas não significa o fim do período de respeito ao distanciamento social.

Ela avalia que ainda há muito receio dos prefeitos de retomarem as aulas nas redes municipais, como visto na mobilização da Federação das Associações de Municípios do Rio Grande do Sul (Famurs), que têm se posicionado de forma contrária ao retorno, mas que eles podem inclusive ser “encorajados” pelo retorno das escolas privadas. Por outro lado, reconhece que ainda há muitos municípios que não organizaram seus COEs, o que impede o retorno de todas as redes.

“Não é porque a gente vai voltar a trabalhar que podemos fazer churrasco com amigos ou encontros e aglomerações, a gente vai ter que manter o distanciamento social depois do retorno também. E as famílias também estão sendo conscientizadas desse formato, porque se preservar o distanciamento, como eles vêm fazendo, faz com que essa criança seja protegida e a família do lado seja protegida e assim consequentemente. É uma rede de proteção. Isso é conscientização da comunidade escolar e a gente vem fazendo”, afirma.

Já Cecília Farias, diretora do Sindicato dos Professores do Ensino Privado do RS (Sinpro-RS) ainda vê com preocupação o retorno das aulas na rede privada. “Nós consideramos que não é o momento em função da estabilidade dos casos ter se dado num patamar muito alto. Consideramos que é um erro iniciar agora, porque é possível que tenhamos uma piora na situação de contágio em função da volta das escolas. É preciso considerar que a volta das escolas não é a mesma coisa que o comércio e outros serviços, porque mesmo no comércio a possibilidade de atendimento é reduzida. As pessoas passam pouquíssimo tempo, por exemplo, numa loja, num supermercado, numa sapataria ou numa padaria. Agora, na escola, existe a permanência. Então, mesmo que haja um número menor de alunos, vai haver aglomeração”, afirma.

Ela avalia que a decisão por iniciar pelo ensino infantil foi tomada pelo fato de que crianças pequenas dificilmente apresentam sintomas de covid-19, mas pontua que elas também podem ser transmissoras, mesmo quando assintomáticas. “A nossa preocupação é com essas idas e vindas da casa para a escola, da escola para casa, que possa essa criança ser o transmissor desse vírus”, diz.

Cecília também expressa preocupação com o cumprimento das etapas previstas na Portaria por parte das escolas e dos municípios. “Nós sabemos que algumas escolas não formaram esse COE, porque aí precisam passar os protocolos de início para o COE municipal. E nós também sabemos que muitos municípios ainda não têm um COE municipal, inclusive, até poucos dias atrás, não existia aqui em Porto Alegre, o que é uma situação muito inusitada. Então, para onde vão esses planos elaborados pelas escolas? Nós ficamos sabendo que vão diretamente para a secretaria de educação do município, mas não é o que diz a legislação, ela diz que esse planejamento sanitário vai para os COEs, que reúnem diversas representações de segmentos. Então, no município, vai ser só a secretaria de educação dizer se pode ou não iniciar? Vai avaliar os protocolos? Nos parece muito temeroso”, diz Cecília, acrescentando ainda que o sindicato teme que, em casos de surtos, as direções acabem sendo responsabilizadas pelas consequências.

 

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