Conheça as classes multisseriadas
Várias séries em uma mesma turma: conheça as classes multisseriadas
Por Maria José Vasconcelos
Rede estadual do RS conta com cerca de 2 mil classes do tipo
A retomada das aulas na rede pública de ensino, após as curtas férias de julho no RS, mobiliza as escolas, praticamente, num mesmo formato e calendário, apesar das peculiaridades de contexto e alunado. É o caso de escolas como as do campo, indígenas ou quilombolas, que ainda carecem de um olhar específico para o atendimento de suas demandas. Inclusive, considerando que grande parte delas atua com turmas multisseriadas, que congregam, em uma mesma sala de aula, estudantes de anos diferentes.
Capacitação adequada e abordagem de temas do interesse dessas comunidades, recursos materiais e humanos ou oferta de transporte escolar que contemple alunos que residem distante da escola são alguns dos desafios a serem enfrentados, especialmente com os recentes dados do Ideb 2023 (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica), que indicam defasagens escolares no país e no Estado.
A partir da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB/1996), a formação de turmas com mais de um nível de ensino foi institucionalizada e contribui para o cumprimento do direito de acesso à educação, promulgado na Constituição Federal (1988). Mas podemos identificar benefícios e fragilidades neste modelo.
A professora Valéria Labrea, da Faculdade de Educação da Universidade Federal do RS (Ufrgs), em Porto Alegre, explica que, dependendo da forma e situação em que o recurso da multisseriação é aplicado, “pode ser muito legal ou pode ser algo que talvez torne uma escola já precarizada mais precarizada ainda”. Afirma que um fator determinante é a capacitação conferida aos docentes. “Uma professora que tem formação na área pode trabalhar com aquilo que a gente chama de metodologia de projeto, ou seja, as aprendizagens vão surgir a partir de uma questão, um problema, alguma coisa que vai ser pensada a partir da realidade daquelas crianças.”
Assim, se uma classe multisseriada com alunos de 6° e 7° ano, por exemplo, têm interesse em saber como funciona a mecânica de uma bicicleta, a professora pode explorar, de diferentes maneiras, o assunto, também aplicando ao universo da temática conteúdos previstos na Base Comum Curricular para os respectivos anos. E, nesse processo, todos aprendem uns com os outros. “Existem vários estudos que apontam que, quando você aprende com seus pares, esse conhecimento tende a enraizar”, complementa Valéria. Se a tarefa é construir uma horta na escola, exemplifica, “algumas crianças podem fazer cálculos, enquanto outras separam as sementinhas. Tudo junto e misturado”.
Entre os benefícios pedagógicos da multisseriação – que pode também estar presente em projetos pontuais da escola – ressalta questões como a prática de trabalho em equipe, empatia e entendimento do outro.
Por outro lado, quando o docente não tem capacitação alinhada à multisseriação, a situação é outra. “Sem preparo, o professor vai dar uma lista de atividades de Matemática, enquanto outro aluno está trabalhando Português. Eles não estão cooperando entre si, não estão aprendendo juntos, mas disputando uma atenção e um tempo que, na verdade, vai ser muito mal distribuído”, comenta Valéria. “Nesse caso, a multisseriação deixa de ser justificada por uma razão pedagógica e acontece porque há uma ausência da ação do Estado.”
Escola de Pinhal
A Escola Estadual de Ensino Fundamental de Pinhal, em Bom Retiro do Sul, funciona na modalidade de Educação do Campo e totalmente com turmas multisseriadas. Atende a comunidade de Pinhal e de outras localidades que ficam no caminho do ônibus que chega à escola, incluindo alguns alunos do centro urbano, que fica cerca de 7 km distante. Possui Ensino Fundamental completo, do 1° ao 9° ano, totalizando 40 estudantes, e sendo voltada à valorização da cultura do campo. A diretora Patrícia Gasperin revela que, a partir de consulta à comunidade local e da região, foram identificadas demandas, como retorno do turno integral (fechado pela Secretaria Estadual da Educação em 2017/2018 e hoje atuando apenas pela manhã); ampliação dos estudos, com a oferta dos ensinos Médio e de Jovens e Adultos (EJA); e transporte que contemple as necessidades escolares da região, pois hoje é uma linha de coletivo fixo que chega até a escola. Em busca de maior atenção às particularidades, neste ano será formalizada uma pesquisa mais ampla, visando ampliar e qualificar o ensino oferecido. A forma de multisseriação adotada na Escola de Pinhal reúne professores dos anos iniciais (1°, 2° 3°) numa turma, e outras, com alunos de 4° e 5°, de 6° e 7°; e de 8° e 9° ano. Para garantir um currículo diferenciado e identidade camponesa, Patrícia reforça que é importante contar com especialistas, como orientador e supervisor escolar, assim como manter apoio pedagógico adequado.
Uma das dificuldades que percebe é a falta de encontros com escolas do campo da região ou mesmo as da rede estadual, que permitiriam interação, enriquecimento e troca de experiências de ensino. E lembra que o trabalho docente em multisseriadas requer planejamentos diferenciados, conforme o ano de estudo e o alunado, bem como avaliações e práticas diversas.
FONTE: