Crises econômicas e revoltas populares
Ao quebrar país, Bolsonaro cavará sua própria cova?
Um gráfico instigante relaciona as crises econômicas com revoltas populares e quedas de governo. Declínio pós-2014 já é o mais intenso em pelo menos 6 décadas. Ao aprofundá-lo com volta do “ajuste fiscal”, capitão brinca com fogo…
OUTRASMÍDIAS Por EcoDebate Publicado 02/12/2020
Por José Eustáquio Diniz Alves, no EcoDebate
Existe uma correlação entre as crises econômicas e sociais e as mudanças políticas no Brasil. Os governos tendem a ter uma continuidade quando a economia vai bem e tendem a ser derrotados quando a economia vai mal.
O gráfico abaixo mostra a relação entre a renda per capita brasileira e a renda per capita mundial (segundo dados em poder de paridade de compra do Projeto Maddison 2020) no período de 1956 a 2020. Nota-se que, depois da inconsequente renúncia de Jânio Quadros em 1961, a economia brasileira entrou em recessão, a renda per capita brasileira caiu para 70% da renda global e gerou uma crise econômica que possibilitou a derruba de Jango e o golpe militar de 1964.
Depois do período de reformas, entre 1964 e 1967, a economia brasileira entrou em uma fase de rápido crescimento e chegou a ter 1,2 vezes a renda global (20% maior) em 1980. Isto possibilitou que houvesse uma sucessão de governos militares no período. Mas com a crise de 1981/1983 o regime militar começou a perder as bases de sustentação e o MDB elegeu a maioria dos governadores em 1982 e houve o grande movimento das diretas-já em 1984. O movimento foi derrotado, mas Tancredo Neves ganhou as eleições indiretas de 1985, derrotando o candidato da ditadura militar.
Com a morte de Tancredo Neves, o vice José Sarney assume o governo e termina o mandato com uma inflação de mais de 80% ao mês. Sarney e o PMDB são derrotados nas urnas nas primeiras eleições diretas pós regime militar. A Chapa do PMDB nas eleições de 1989, que contava com a maioria dos governadores e prefeitos do país e com dois nomes de destaque da política nacional, Ulisses Guimarães e Waldir Pires, obteve apenas 3,2 milhões de votos (4,7% do total).
Fernando Collor, o presidente eleito em 1989, joga o país na recessão e sofre o impeachment em 1992. O presidente Itamar (que era vice de Collor) e o ministro FHC lançam o Plano Real em 1994 e o PSDB ganha as eleições do mesmo ano. O governo FHC aprova a emenda da reeleição, vence as eleições de 1998 e fica no poder até 2002. Mas com a crise cambial de 1999 e com o apagão energético de 2001, FHC e o PSDB perdem as eleições presidenciais de 2002.
Lula e o PT surfam na onda do superciclo das commodities ganham a eleição de 2006, navegam com certa tranquilidade na crise de 2009 (chamada de “marolinha”) e conseguem eleger Dilma Rousseff em 2010. A renda per capita brasileira voltou para o nível de 1,2 vezes a renda per capita global e a presidenta Dilma foi reeleita em 2014. Mas com a severa crise econômica de 2015 e 2016 (além de outros fatores políticos) houve o impeachment da presidenta.
A renda per capita brasileira voltou a ficar abaixo do nível da renda per capita mundial e a crise econômica possibilitou uma virada da política brasileira rumo à extrema-direita, com a eleição do capitão Jair Bolsonaro em 2018.
Mas com a emergência sanitária provocada pela covid-19 a economia brasileira – que já não estava bem – entrou na maior recessão da história, com grande queda da renda per capita. O governo, empurrado pelo Congresso, lançou mão do auxílio emergencial, possibilitando amenizar o alto nível de desemprego. O governo Federal ganhou algum fôlego, mas, mesmo assim, foi derrotado fragorosamente nas eleições municipais de 2020.
As políticas macroeconômicas geraram o maior déficit fiscal de todos os tempos, impulsionaram um grande crescimento da dívida pública e provocaram um grande desemprego no país. As perspectivas não são boas para 2021, ainda mais com a possibilidade de uma 2ª onda do surto pandêmico.
A derrota eleitoral de Donald Trump nos EUA é uma confirmação que é muito difícil garantir uma sucessão política em um cenário de perda do poder aquisitivo da população. A vitória de Joe Biden nos EUA vai deixar o presidente brasileiro sem apoio internacional. Sem aliados fortes, interna e internacionalmente, ficará muito difícil para o governo brasileiro administrar a crise econômica, social, ambiental e sanitária.
O Brasil tem batido todos os recordes de piora do déficit público e da dívida pública, sem resolver os problemas sociais e ambientais.
A crise fiscal é séria e o país tem uma projeção bastante negativa em relação às alternativas para garantir a execução orçamentária de 2021.
O governo tem administrado mal a emergência sanitária e existe uma demora inédita no Congresso Nacional para votar a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) para o próximo ano, assim com as restrições impostas pelo teto de gastos. Existe um alto risco de que, a partir de 1º de janeiro de 2021, a máquina pública seja interrompida por falta da aprovação da LDO, em plena 2ª onda da pandemia do coronavírus. Existe uma bomba relógio já ligada.
Voltando à nossa experiência histórica. O que o gráfico acima sugere é que toda vez que há uma significativa queda na renda per capita brasileira há um forte incentivo à mudança política, que pode ocorrer pela via do voto ou pela via do impedimento político de acordo com as regras constitucionais.
A faísca para mobilizações de massa ou para uma crise política pode vir de qualquer parte. Por exemplo, o assassinato de João Alberto Freitas nas dependências de um supermercado em Porto Alegre gerou protestos em todo o país contra o racismo e a violência policial. A visita do presidente da República a Macapá, após de 19 dias de apagão no Amapá, gerou protestos e gritos de “Fora Bolsonaro”. Por conta de fatos inesperados é que se diz que o futuro está aberto e a conjuntura pode trazer surpresas em 2021 ou, no máximo, em 2022.
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