Debate do PISO em 2014

Debate do PISO em 2014

ATUALIZAÇÃO DO DEBATE DA CNTE SOBRE O

PISO SALARIAL PROFISSIONAL NACIONAL

DO MAGISTÉRIO PÚBLICO DA EDUCAÇÃO BÁSICA - PSPN

 

1. Introdução


Ao longo do processo de implementação do PSPN, desde 2009, a Lei Federal 11.738 tem sido objeto de múltiplos ataques e interpretações por parte dos gestores públicos, além de ser solenemente ignorada por outra parte significativa desses agentes.


Vencida a batalha judicial da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN) nº 4.167, proposta pelos governadores que saíram derrotados do processo no Supremo Tribunal Federal (STF), ainda hoje os/as trabalhadores/as em educação são obrigados a fazer greves e mobilizações nacionais, estaduais e municipais para cobrar a correta e imediata aplicação da Lei do Piso, que estabelece patamar mínimo aos vencimentos iniciais da carreira de magistério com formação de nível médio na modalidade Normal, bem como um limite mínimo de 1/3 da jornada máxima de 40 horas semanais às atividades extra- classes dos/as professores/as.


Em abril de 2013, levantamento feito pela CNTE junto aos sindicatos filiados mostrou que a maioria dos estados não cumpria a Lei do Piso na integralidade. Alguns observavam o vencimento, outros só a jornada com hora-atividade e houve aqueles que não cumpriram nenhum dos requisitos.

Outra questão conflituosa diz respeito ao “achatamento”, pelas administrações públicas, dos planos de carreira do magistério, com a diminuição da diferença salarial entre os vencimentos por níveis de formação do/a educador/a (desestimulando a qualificação profissional), a compressão entre as classes e níveis das tabelas salariais, a supressão ou diminuição de quinquênios, triênios, biênios e as vantagens devido ao tempo de serviço prestado pelos trabalhadores à administração.


Em nível nacional, para além da controversa interpretação da decisão do STF acerca da primeira atualização do piso (a CNTE defende o ano de 2009 e o MEC aplicou em 2010), há ainda a polêmica sobre o parecer da Advocacia Geral da União (AGU) a respeito da fórmula de cálculo do percentual de reajuste do piso, considerando o crescimento pretérito do valor per capita do Fundeb, ao contrário do que determina a Lei. Além disso, há o gravíssimo problema das estimativas irreais dos custos anuais por aluno, afetando não só a perspectiva de atualização do piso do magistério, mas comprometendo também a organização das redes de ensino com demandas baseadas em estimativas de receitas do Fundo da Educação Básica, às quais se somam os demais recursos constitucionalmente vinculados à educação.


Dada a heterogeneidade da luta dos/as trabalhadores/as em educação nos estados e municípios em relação ao cumprimento da Lei do Piso (pois cada realidade impõe uma estratégia diferente de enfrentamento da conjuntura), é preciso atualizar o entendimento da CNTE sobre a controversa questão da correção do piso do magistério, refletindo sobre os polêmicos rebaixamentos das estimativas do valor per capita do Fundeb e indicando formas de enfrentamento desse debate junto às administrações públicas ou mesmo na esfera judicial.

 

  1. O que diz o art. 5º da Lei 11.738?


Encerrada a fase de questionamentos da ADIN 4.167, no STF, o artigo que determina o critério de atualização do piso tornou-se o centro da disputa entre gestores e trabalhadores em educação. Duas questões pautam o embate: a data da primeira correção do valor do piso e a forma de aplicação do percentual de reajuste com base no custo aluno do Fundeb para os anos iniciais do ensino fundamental urbano.


Diz a Lei:

Art. 5º  O piso salarial profissional nacional do magistério público da educação básica será atualizado, anualmente, no mês de janeiro, a partir do ano de 2009.


Parágrafo único.  A atualização de que trata o caput  deste artigo será calculada utilizando-se o mesmo percentual de crescimento do valor anual mínimo por aluno referente aos anos iniciais do ensino fundamental urbano, definido nacionalmente, nos termos da Lei no 11.494, de 20 de junho de 2007. (g.n)


A primeira questão a ser destacada refere-se ao momento de incidência da correção do piso, visto que o artigo supracitado não foi alvo da ADIn 4.167, mas tão somente da segunda ação judicial interposta por governadores em 2012 (ADIn 4.848), ainda sem julgamento de mérito no STF. Para a CNTE, a primeira correção do valor do piso deveria ter ocorrido em janeiro de 2009, a fim de se evitar perdas no poder de compra da categoria. O texto da Lei é claro e a decisão cautelar da ADIn 4.167, embora tenha conferido “interpretação conforme” ao art. 3º, caput da Lei 11.738, silenciou sobre o critério da correção, previsto no art. 5º, o qual, frise-se, não foi alvo de inconstitucionalidade.

Diz o acórdão da cautelar do STF:

 “Decisão: O Tribunal deferiu parcialmente a cautelar para fixar interpretação conforme ao artigo 2º, da Lei nº 11.738/2008, no sentido de que, até o julgamento final da ação, a referência do piso salarial é a remuneração; deferiu a cautelar em relação ao § 4º do artigo 2º; e deu interpretação conforme ao artigo 3º para estabelecer que o cálculo das obrigações relativas ao piso salarial se dará a partir de 01 de janeiro de 2009 (...)”. (g.n)


Com relação à interpretação do STF ao art. 3º da Lei 11.738, para a CNTE, ela se aplica ao comando do art. 8º da norma, que diz: “Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação. Brasília, 16 de julho de 2008.” (g.n). Diferente do que interpretaram os gestores, a decisão do STF não se volta para a correção do valor real do piso para o ano subsequente (2009), previsto no art. 5º da Lei. Ela visou, sim, atender ao pedido dos governadores, evitando o prejuízo financeiro decorrente de ações de cobrança dos/as professores/as, que tiveram o piso salarial aprovado em julho de 2008 e, até dezembro daquele ano, não receberam o vencimento à luz da Lei Federal. Pela Lei, os valores eram devidos a partir de 16/7/08, portanto, havia expectativa sobre a cobrança dos valores retroativos, o que o STF decidiu evitar, delimitando a vigência do piso (e não necessariamente do valor nominal de R$ 950,00) a partir de 1º de janeiro de 2009, por precauções orçamentárias. Além do que, para 2009, os orçamentos públicos tiveram tempo suficiente para prever o piso com o valor atualizado.


A CNTE não vê polêmica nesse entendimento, embora os gestores insistam em ignorá-lo, na tentativa de impor aos trabalhadores a aceitação de um ano sem reajuste no valor do piso, aprovado pelo Congresso Nacional em bases já rebaixadas. Não resta dúvida de que a questão deverá ser resolvida nos tribunais, incorporando o crescimento percentual per capita do Fundeb (consolidado) referente aos anos de 2007 e 2008, que foi de 24,54%, seguindo o critério adotado pelo MEC, ou no mínimo a inflação de 2008.


Quanto ao critério de atualização do piso (referente ao custo aluno mínimo do Fundeb para os anos iniciais do ensino fundamental urbano), o MEC alegou, em parecer posteriormente ratificado pela AGU, que o método de aplicação do custo aluno para fins de correção do piso não poderia ser o mesmo definido pela Lei 11.494 (Fundeb), pois este se baseia em estimativas de arrecadação que podem variar ao longo do exercício. Na mesma esteira, levantou dúvidas sobre quais exercícios deveriam ser tomados como parâmetro para apurar o percentual de crescimento: se aqueles anteriores ao exercício do reajuste ou o que engloba a variação para o próprio exercício em que se dará o reajuste. Para o último caso, o MEC alegou que haveria o uso de índices Conselho Nacional de Entidades da CNTE baseados nas estimativas, que se não se confirmassem dariam prejuízo aos entes federativos sem recurso para honrar o pagamento.


À luz dessas ponderações, o MEC recebeu o aval da AGU para fixar o percentual de atualização do piso com base no crescimento do valor per capita do Fundeb nos dois anos anteriores, ao arrepio da Lei, pois não cabe à administração pública inovar sobre a interpretação das leis, sobretudo quando há clareza sobre o seu entendimento – muito embora o MEC tenha alegado dúvida sobre a leitura do parágrafo único do artigo 5º da Lei 11.738.


O caso em questão exigiria do MEC, no mínimo, medida mais salutar: a adequação da Lei do Piso no Congresso Nacional, com os parlamentares convencidos de seus argumentos. Além do que, a Lei conferiu, nitidamente, um sentido autoaplicável ao percentual de correção, que deve ser o mesmo do Fundeb, praticado de forma prospectiva, ou seja, na vigência do exercício fiscal em que o percentual foi divulgado, a fim de resguardar os princípios da adequação orçamentária e da correspondente alocação de recursos para as despesas públicas. Nesse contexto, compete ao Executivo Federal, de acordo com o art. 4º da Lei 11.738, complementar os recursos de estados e municípios, quando necessário, inclusive no caso dos erros crassos cometidos em estimativas de receita do Fundo, como veremos adiante.


Se há problema em vincular o reajuste do piso a estimavas de arrecadação, na Lei, também é verdade que o MEC não deixou de utilizar valores estimados de custo aluno, quando o correto seria trabalhar com dados consolidados. Estes, por sua vez, exigiriam alteração na Lei a fim de transferir o período de correção do piso para maio, pois a consolidação do Fundeb ocorre todo mês de abril. Outro problema na interpretação do MEC: não há relação entre despesa e receita, pois nada garante que a arrecadação do ano seguinte será suficiente para arcar com o piso calculado no período anterior. Não obstante essas questões, a partir de 2009, a crise mundial que afetou as receitas tributárias, aliada aos limites impostos pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) – que estimula toda sorte de maquiagem de informações dos entes federados para postergar qualquer aviso à Fazenda Nacional sobre a ultrapassagem dos gastos com a folha de pagamento –, fragilizou as estimativas de arrecadação do Fundeb, o que não havia ocorrido nem na vigência do Fundef (Fundo do Ensino Fundamental).


O problema com as previsões de arrecadação não afetou apenas a forma de definir o critério de reajuste do piso, mas tem comprometido a credibilidade do Fundeb e criado falsa expectativa e desconfiança na categoria, que alicerça suas lutas salariais nas informações oficiais do MEC e do Tesouro Nacional.


Desde 2012, após o episódio que culminou no reajuste do piso em 22,22%, as estimativas de arrecadação e de custo aluno fechadas nos meses de dezembro pela STN e MEC, referência para a atualização do piso, passaram a atender mais às pressões de governadores e prefeitos, uma vez que a previsão de tributos, naquela altura do ano, pode ser mais precisa dado o alto percentual da receita efetivamente arrecadada e depositada nas contas do Fundeb de estados e municípios.


Para a CNTE, caberia ao órgão responsável pelas previsões – Secretaria do Tesouro Nacional (STN) – monitorar as receitas e evitar desvios de conduta de prefeitos e governadores que informam expectativas superiores à capacidade de arrecadação para burlar a legislação – a LRF. E a STN tem toda condição de exercer um controle rígido, pois detém sistema de informação avançado sobre a arrecadação dos entes da federação, monitorando dívidas e contingenciamentos para o superávit primário.


Nos últimos dois anos, nas datas em que foram publicadas as portarias rebaixando o custo aluno para a correção do piso, a CNTE dispunha da informação, nos sites da STN e do Banco do Brasil, confirmando a arrecadação acima da divulgada pelos órgãos do governo. E isso é grave! Se é verdade que a expectativa de receita havia caído (comparar colunas 2 e 4 da tabela 1) em relação às previsões anteriores – as quais se basearam em informações incorretas e atenderam a objetivos controversos de expectativa orçamentária das três esferas de governo (federal, estadual e municipal) –, também é verdade que a queda era menor que a anunciada oficialmente (ver coluna 6 da tabela 1) . E a CNTE, em vão, tentou dissuadir o MEC sobre essa conduta (que passamos a denominar de maquiagem contábil, que não é tão fácil de ser provada em tempo hábil, em decorrência das expectativas de ajustes nas contas do Fundeb de um ano para outro, que o Tesouro Nacional demora cerca de quatro meses para consolidar).


A título de exemplo dessa prática, que compromete a credibilidade do Fundeb e serviu de argumento para alterar o critério de reajuste do piso, vejamos a tabela abaixo, com informações de previsão de custo aluno (C-A) e seus impactos no piso salarial do magistério, além do percentual consolidado de crescimento per capita do Fundeb, responsável por projetar o valor real do piso.

Ta b e l a 1

 

ANO

(1)

Expectativa inicial de crescimento do C-A (%) * (2)

Expectativa

inicial do valor do piso
(3)

Crescimento do C-A anunciado

pelo MEC (%) (4)

Valor do piso

Praticado pelo MEC

(5)

C-A

consolidado do Fundeb

(6)

Valor real do piso

(7)

 

2009

19,23

R$ 1.132,69

------

R$ 950,00

 

---

R$ 950,00

 

2010

15,93

R$ 1.313,13

7,86

 

R$ 1.024,67

4,63

 

R$ 993,99

2011

21,71

R$ 1.598,21

15,84

 

R$ 1.187,00

24,67

 

R$ 1.239,20

2012

21,24

R$ 1.937,97

22,22

 

R$ 1.451,00

20,69

 

R$ 1.495,59

2013

20,17

R$ 2.328,50

7,97

 

R$ 1.567,00

9,43

 

R$ 1.636,78

2014

13%

R$ 2.631,20**

8,32

 

R$ 1.697,37

10,6%***

 

R$ 1.810,27

 

*A CNTE entende ser esse o percentual definido pelo art. 5º da Lei 11.738 para atualização anual do piso, que possui aplicação prospectiva (para o ano em que foi publicado o percentual do crescimento per capita do Fundeb). Em contrário senso, o parecer do MEC/AGU define o critério de reajuste baseado no crescimento percentual do custo aluno de dois anos anteriores (ver coluna 4).


**Considerando a primeira atualização a partir de 2010, conforme defende o MEC, o valor do piso por esse critério de reajuste seria de R$ 2.206,81 em 2014.


***A ser confirmado em abril de 2014.


ATENÇÃO: A diferença entre o piso estimado e o consolidado, desde 2010,

e em se confirmando o crescimento de 10,6% em 2013, é da ordem de 6,65%

(comparar colunas 5 e 7 da tabela 1). Esse é o percentual que, na pior das hipóteses, deve ser acrescido ao piso do magistério, levando-se em consideração

o parecer do MEC/AGU.


CUIDADO!

O MEC pode alegar que as diferenças do custo aluno estimado foram depositadas nas contas dos estados e municípios à época dos respectivos ajustes contábeis (todo mês de abril), fato que não exime o Ministério de ter ajustado, ano a ano, o valor do piso com base nos dados consolidados e à luz do critério definido pela AGU.


FRISE-SE!

As projeções iniciais para o reajuste do piso nos anos de 2013 e 2014 foram muito acima das efetivamente realizadas, fato que poderia ter sido evitado, senão no momento da calibragem da estimativa inicial – sobretudo com projeções mais factíveis à luz do crescimento do PIB –, ao menos durante os respectivos exercícios contábeis que, desde o primeiro trimestre, já indicavam uma arrecadação menor do que a estimada inicialmente.

 

3. As propostas para alteração do critério de atualização do piso


Em 2012, depois de o piso ter sido corrigido em 22,22% e após a Comissão de Finanças e Tributação da Câmara dos Deputados ter aprovado em caráter terminativo, em 06/12/2011, o PL 3.776/08, que limita o reajuste do piso ao INPC – resultado este que a CNTE conseguiu impedir temporariamente que fosse à sanção presidencial, por meio de recurso assinado por mais de 80 parlamentares pedindo a apreciação da matéria em plenário da Casa, os/as trabalhadores/as em educação foram chamados para negociar a mudança do critério de correção do piso, um debate atualmente sustentado em quatro propostas: três dos gestores e uma da CNTE (construída com o apoio da Campanha Nacional pelo Direito à Educação e Undime), nenhuma oficializada até o presente momento, exceto a do INPC.


Embora parte dos gestores tenha feito uma inflexão à proposta do INPC – que não garante ganho real ao piso –, muitos outros, especialmente aqueles capitaneados pela Confederação Nacional dos Municípios (CNM), mantêm pressão sobre o Congresso Nacional para derrubar o recurso que impede a utilização imediata do INPC como fator de correção do piso. Em dezembro de 2013, uma Comissão de prefeitos coordenada pela CNM pressionou o presidente da Câmara dos Deputados para colocar o recurso em votação – o qual, se rejeitado, leva o PL 3.776/08 diretamente para a sanção –, mas o parlamentar, na semana seguinte, em audiência com a CNTE, estendeu o prazo, para que a sociedade apresente formalmente uma proposta intermediária de reajuste que gravite entre o custo aluno e o INPC.


Durante o processo de negociação das propostas de reajuste, os governadores acataram em parte a sugestão formulada pela CNTE, porém desprezando o crescimento nominal das receitas do Fundeb. Para eles, é aceitável a reposição do INPC e mais 50% do crescimento real (descontada a inflação) das receitas do Fundo dos dois últimos períodos, porém, para a CNTE, essa proposta não contempla a previsão de atualização do piso em patamares sustentáveis para o cumprimento da meta 17 do Plano Nacional de Educação, a qual prevê equiparar em seis anos a renda média dos/as professores/as de nível básico das escolas públicas com as demais categorias profissionais com o mesmo nível de escolaridade.


Os cenários para a atualização do piso, com base nas propostas até então debatidas para alteração do art. 5º da Lei 11.738, são os seguintes:


Ta b e l a 2

ANO

(1)

INPC

(2)

CRITÉRIO DO

SALÁRIO MÍNIMO (3)

PROPOSTA DOS

GOVERNADORES

(4)

PROPOSTA DA CNTE

(5)

2010

6,46

9,68

9,04

11,09

2011

6,08

6,86

12,32

15,55

2012

6,19

14,13

10,20

13,23

2013

5,56

9,00

6,94

10,04

2014

5,5*

6,78

7,32*

10,10*

*Previsões.

OBS:

  1. Para 2013 e 2014, a melhor proposta de atualização do piso é a da CNTE.
  2. A proposta da CNTE mantém-se mais estável no período e garante maior segurança aos/às trabalhado res/as em momentos de menor crescimento econômico.


Pontos considerados na proposta da CNTE:


» Atualização do piso mediante a aplicação do INPC do ano anterior + 50%

do crescimento consolidado da receita nominal do Fundeb de dois anos anteriores.


» Transferência do período de atualização do piso para maio, a fim de contemplar os valores consolidados da receita do Fundeb.


» Publicação do percentual de atualização do piso por meio de ato normativo do Ministro de Estado da Educação, para que não haja dúvida quanto

ao percentual a ser aplicado anualmente.


» Garantia de que todos os estados e municípios que comprovarem incapacidade de pagamento do piso na carreira recebam a suplementação da União, e não apenas os contemplados com recursos federais ao Fundeb. Deve-se, no entanto, estabelecer parâmetros de gestão educacional para compor o regulamento previsto no art. 4º da Lei 11.738, a exemplo do número de profissionais por estudantes nos sistemas de ensino (zona urbana e rural).

 

4. Aplicação da jornada de trabalho com período “extraclasse” (§§ 1º e 4º do art. 2º da Lei 11.738)

 A Lei do Piso determinou limites para a jornada de trabalho do/a professor/a, tanto do ponto de vista da quantidade máxima de horas destinadas à contraprestação remuneratória do piso, como da composição estrutural do trabalho docente, dividindo esta última parte em atividades de interação com os estudantes e atividades extraclasse.


Infelizmente, por questões meramente financeiras, ambos os preceitos legais têm recebido interpretações restritivas por parte dos gestores públicos, as quais acabam comprometendo a valorização profissional dos/as educadores/as e, consequentemente, a qualidade da educação.


Iniciemos com o preceito da Lei que fixa a jornada máxima de trabalho do professor/a:


Art. 2º, § 1º O piso salarial profissional nacional é o valor abaixo do qual a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios não poderão fixar o vencimento inicial das Carreiras do magistério público da educação básica, para a jornada de, no máximo, 40 (quarenta) horas semanais. (g.n)


Sob a ótica gramatical, ao introduzir a expressão, no máximo, a Lei deixou de vincular o piso nacional à jornada expressa de 40 horas. É possível, desde que compatível com as finanças públicas e com o projeto pedagógico de estados e municípios, ter o piso como referência para jornadas inferiores às 40 horas semanais. O que não pode é vincular o PSPN a uma jornada superior ao teto legal – e nisso a norma é taxativa –, sem pagar horas-extras.


Como forma de resguardar o patamar mínimo de valorização do magistério, tanto no sentido de orientar a possível complementação da União prevista no art. 4º da Lei 11.738, como em respeito às inúmeras jornadas de trabalho praticadas pelos entes federados abaixo da referência máxima de 40 horas, o legislador previu no § 3º do art. 2º da Lei do Piso a incidência do valor nacional no mínimo proporcional à jornada máxima de 40 horas semanais. Ou seja: nada impede de os entes federados estabelecerem vencimentos iniciais para as carreiras do magistério no valor do piso, ou acima deste, para jornadas abaixo de 40 horas semanais. O que não pode é remunerar o/a profissional do magistério abaixo da proporção mínima definida pela Lei. Diz o preceito legal, em comento:


Art. 2º, § 3 o Os vencimentos iniciais referentes às demais jornadas de trabalho serão, no mínimo, proporcionais ao valor mencionado no caput deste artigo. (g.n)


Importante registrar que a Lei preocupou-se em respeitar as diversas realidades nacionais, que contam com vencimentos e jornadas diferenciadas no âmbito dos estados e municípios. Ao fixar o piso para determinada referência mínima, a Lei não impossibilitou que os entes federados avançassem na valorização de seus profissionais da educação, podendo ser utilizados parâmetros de valores e jornadas mais significativos que o definido nacionalmente – que ainda encontra-se aquém do necessário para garantir o vínculo do/a professor/a numa só escola.


Em suma: a norma do piso não é taxativa em relação a uma jornada de trabalho específica; não admite vincular o valor nacional à jornada semanal superior a 40 horas (exceto pagando horas-extras); e a proporcionalidade serve de garantia para o cumprimento do padrão mínimo remuneratório, em especial por meio de eventual complementação da União aos entes federados.


Neste sentido, o protagonismo dos sindicatos é decisivo para avançar na luta pela valorização da categoria por meio de carreiras mais atrativas.


4.1. O trabalho extraclasse


O julgamento da ADIN 4.167, em caráter preliminar (dezembro de 2008), tinha suspendido a aplicação desse dispositivo da Lei, mas o julgamento de mérito (abril de 2011), que nesse ponto terminou empatado (5 a 5, com o ministro Dias Tóffoli julgando-se impedido por ter atuado anteriormente no processo na qualidade de Advogado Geral da União), fez com que o dispositivo da Lei fosse julgado constitucional, porém sem eficácia erga omnis. Essa condição um tanto esdrúxula imposta pelo regimento do STF, que julga uma lei constitucional mas não ordena sua aplicação imediata a toda administração pública, concede aos entes federados a prerrogativa de aplicar a Lei, e, por outro lado, aos sindicatos, de questionarem na justiça local a sua eventual não aplicação pela administração pública. No último caso, inevitavelmente, a matéria acabará retornando num futuro breve ao STF, momento em que o Tribunal terá novamente a oportunidade de pacificar a questão em julgamento do denominado Recurso  Extraordinário.


Não obstante a pendenga judicial, do ponto de vista pedagógico, o período de trabalho extraclasse mantém-se em consonância com o art. 67, V da Lei 9.394, de 1996 (LDB), que prevê na jornada de trabalho dos profissionais do magistério

período reservado a estudos, planejamento e avaliação” . A Lei do Piso, por sua vez, complementa a LDB, definindo o tempo mínimo para essas atividades (1/3 da jornada do/ professor/a, independente do tamanho da carga horária), e, recentemente, o Parecer CNE/CEB nº 18/12, homologado pelo Ministério da Educação, passou a orientar a aplicação desse dispositivo legal nas redes de ensino de todo o país.


Dentre as dificuldades encontradas pelos sindicatos da educação para garantir a efetividade desse dispositivo da Lei do Piso, ao menos duas questões merecem destaque: a pirotecnia dos sistemas de ensino em querer transformar a hora-aula em hora-relógio, e a burla em computar os horários de recreios e os intervalos entre aulas no período de trabalho extraclasse dos/as professores/as.


Sobre a diferença entre “hora-relógio” e “hora-aula”, inúmeros pareceres da Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação, dentre eles os de nº 5/1997; nº 38/2002; nº 2/2003; nº 23/2003; nº 8/2004; nº 15/2007; nº 18/2012, são unânimes em considerar suas diferenças sob os aspectos frisados no Parecer CNE/CEB nº 5/1997, conforme transcrição abaixo:


“.... É de se ressaltar que o dispositivo legal (art. 24, inciso I da LDB sic) se refere a horas e não horas-aulas a serem cumpridas... O artigo 12, inciso III da LDB e o artigo 13, inciso V falam em horas-aulas programadas e que deverão ser rigorosamente cumpridas pela escola e pelo professor. Já o artigo 24, inciso I obriga a 800 horas por ano e o inciso V do mesmo artigo fala em horas letivas. O artigo 34 exige o mínimo de quatro horas diárias, no ensino fundamental. Ora, como ensinam os doutos sobre a interpretação das leis, nenhuma palavra ou expressão existe na forma legal sem uma razão específica. Deste modo, pode ser entendido que quando o texto se refere a hora, pura e simplesmente, trata do período de 60 minutos. Portanto, quando obriga ao mínimo de “oitocentas horas, distribuídas por um mínimo de duzentos dias de efetivo trabalho escolar”, a lei está se referindo a 800 horas de 60 minutos, ou seja, um total anual de 48.000 minutos... Ao mencionar a obrigatoriedade da ministração das horas-aulas, a lei está exigindo (artigos 12, incisos III e 13, inciso V) que o estabelecimento e o professor ministrem as horas-aulas programadas, independente da duração atribuída a cada uma. Até porque, a duração de cada módulo-aula será definido pelo estabelecimento de ensino, dentro da liberdade que lhe é atribuída, de acordo com as conveniências de ordem metodológica ou pedagógica a serem consideradas. O indispensável é que esses módulos, somados, totalizem oitocentas horas, no mínimo, e sejam ministrados em pelo menos duzentos dias letivos. ” (g.n)


Também o Parecer nº 8/2004 é bastante elucidativo na distinção entre os conceitos de “horas” adotados pela LDB. Diz o referido Parecer:


 “ A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional estabelece a distinção entre hora e hora–aula. A hora é uma indicação precisa da vigésima quarta parte do dia, calculada com referência a dois períodos de 12 horas ou a um período único de 24 horas e se remete aos acordos internacionais celebrados pelo Brasil, pelos quais a hora é constituída por 60 minutos... O direito dos estudantes é o de ter as horas legalmente apontadas dentro do ordenamento jurídico como o mínimo para assegurar um padrão de qualidade no ensino e um elemento de igualdade no país.Já a hora-aula é o padrão estabeleci do pelo projeto pedagógico da escola, a fim de distribuir o conjunto dos componentes curriculares em um tempo didaticamente aproveitável pelos estudantes, dentro do respeito ao conjunto de horas determinado para a Educação Básica, para a Educação Profissional e para a Educação Superior.” (g.n)

Na mesma esteira, reforça o Parecer CNE/CEB nº 15/2007:


A obrigatoriedade da ministração das aulas determina que a escola e o professor ministrem as aulas programadas, independentemente da duração atribuída a cada uma, pois a duração de cada aula será definida pelo sistema de ensino ou pela própria escola, no seu projeto político-pedagógico, dentro dos limites de sua autonomia. Essas aulas somadas devem totalizar oitocentas horas no mínimo, ministradas em, pelo menos, duzentos dias letivos.” (g.n)


Desta forma, claro está que a posição do Conselho Nacional de Educação é de que a hora-aula, que deve ter o seu tempo fixado preferencialmente pela escola – à luz do projeto político pedagógico – não precisa necessariamente ser igual à hora-relógio de 60 minutos. O importante é que a soma das horas-aulas e dos demais tempos escolares, a exemplo do recreio (como será visto adiante), não fique abaixo das 800 horas (relógio) anuais compreendidas em pelo menos 200 dias letivos.


Em relação à tentativa dos gestores em computar as atividades de recreio na jornada extraclasse do/a professor/a e os intervalos das aulas em que o/a docente se desloca entre uma sala de aula e outra – num claro objetivo de economizar recursos públicos em detrimento da qualidade da educação e da valorização dos profissionais, vale destacar os apontamentos de dois pareceres do Conselho Nacional de Educação, que não apenas rechaçam as referidas interpretações forçosas da Lei (pois trabalho extraclasse refere-se a períodos para elaboração de aulas, correção de provas e trabalhos, reuniões pedagógicas ou mesmo para formação profissional dos/as educadores/as, como determina o art. 67, V da LDB regulado pelo Parecer CNE/CEB nº 18/2012), mas corroboram o entendimento de que o recreio, em especial, é um momento de socialização escolar e que se constitui em atividade eminentemente de interação dos estudantes, sob a coordenação de docentes e dos demais trabalhadores escolares.


Somente sob essa perspectiva do acompanhamento supervisionado, é que o recreio pode ser computado nas 800 horas de efetivo trabalho escolar. Eis o que dizem os pareceres:


CNE/CEB nº 5/1997:


“... As atividades escolares se realizam na tradicional sala de aula, do mesmo modo que em outros locais adequados a trabalhos teóricos e práticos, a leituras, pesquisas ou atividades em grupo, treinamento e demonstrações, contato com o meio ambiente e com as demais atividades humanas de natureza cultural e artística, visando à plenitude da formação de cada aluno. Assim, não são apenas os limites da sala de aula propriamente dita que caracterizam com exclusividade a atividade escolar de que fala a lei. Esta se caracterizara por toda e qualquer programação incluída na proposta pedagógica da instituição, com frequência exigível e efetiva orientação por professores habilitados. Os 200 dias letivos e as 800 horas anuais englobarão todo esse conjunto.”


Parecer CNE/CEB nº 2/2003:

“O recreio escolar não só aparece na literatura universal, como faz parte das boas e más lembranças de todos os que já frequentaram escola. Momento de gloria ou de horror, oportunidade de conquistar fama ou de passar vergonha, o período de recreio, mesmo quando tranquilo ou até monótono, tem muita importância na formação da personalidade dos alunos” (...)

“ No conjunto da legislação vigente fica claro que a jornada obrigatória de quatro horas de trabalho no Ensino Fundamental (e Médio sic) não corresponde exclusivamente às atividades realizadas na tradicional sala de aula. São ainda atividades escolares aquelas realizadas em outros recintos, com frequência dos alunos controlada e efetiva orientação da escola, por meio de pessoal habilitado e competente , referidos no Parecer CNE/CEB 05/97 que, no seu conjunto, integram os 200 dias de efetivo trabalho escolar e as 800 horas, mínimos fixados pela Lei Federal 9394/96.

O fato do recreio ser considerado “efetivo trabalho escolar” não é um entendimento novo. Já foi adotado quando da implantação da Lei 5.692/71 e o CFE, no Parecer 792/73, de 5-6-73, concluiu: ‘o recreio faz parte da atividade educativa e, como tal, se inclui no tempo de trabalho escolar efetivo (...)

A Lei, acertadamente, dá às Escolas a responsabilidade de administrar seu pessoal.  Incluindo-se aí, evidentemente, o pessoal docente, cabe à Escola administrar seu pessoal da forma que melhor atenda o cumprimento de sua Proposta Pedagógica, inclusive para cumprimento integral dos dias letivos e da Carga Horária.

Sem essa liberdade, ficaria difícil para as Escolas assegurarem o cumprimento dos dias letivos e da Carga Horária previstos no inciso I do Artigo 24 da LDBEN.

Outro aspecto: a Escola tem a liberdade de elaborar sua Proposta Pedagógica que dá o rumo de todo o desenvolvimento do processo ensino e aprendizagem. À vista do exposto, a Câmara de Educação Básica encaminha aos órgãos gestores dos sistemas de ensino as seguintes orientações:

1ª.) A Proposta Pedagógica da Escola é a base da Instituição Escolar, no desenvolvimento do processo ensino-aprendizagem.

2ª.) A Escola, ao fazer constar na Carga Horária o tempo reservado para o recreio, o fará dentro de um planejamento global e sempre coerente com sua Proposta Pedagógica.

3ª.) Não poderá ser considerado o tempo do recreio no cômputo da Carga Horária do Ensino Fundamental e Médio sem o controle da frequência. E, a frequência deve ser de responsabilidade do corpo docente. Portanto, sem a participação do corpo docente não haverá o cômputo do tempo reservado para o recreio na Carga Horária do ano letivo dessas etapas da Educação Básica...” (g.n)

Em síntese: os pareceres transcritos indicam que o recreio faz parte da jornada de trabalho da escola, desde que acompanhado pelos professores (e demais trabalhadores escolares), sendo, portanto, parte integrante da jornada  do/a professor/a de interação com os estudantes, visto que o tempo extraclasse deve ser dedicado a atividades próprias de preparação de aulas, de correção de provas e trabalhos, de reuniões pedagógicas e de formação profissional continuada. Já o intervalo entre aulas é mero tempo de deslocamento dos/as professores/as entre salas de aula e que também serve para a reposição mínima das energias físicas dos profissionais, ao menos para se hidratarem, sendo ainda mais forçoso inclui-lo no rol de atividades extraclasses, sobretudo à luz dos conceitos conferidos pelo art. 67, V da LDB e pelo Parecer CNE/CEB nº 18/2012 a esse período de trabalho do/a professor/a.

 

5.Indicativos para a luta

Tendo em vista a jornada de lutas de 2014, que se inicia no período de 17 a 19 de março com a Greve Nacional dos/as trabalhadores/as da educação básica, é importante considerar, além das pautas específicas de cada localidade, os seguintes pontos para as negociações com os governos, federal, estaduais municipais, sem prejuízo de outros:


» Em âmbito do MEC, negociar a reposição dos percentuais de custo aluno (consolidado) não aplicados ao piso (aproximadamente 6,65%).


» Nos estados e municípios, o mesmo deve ser requerido pelos sindicatos aos gestores locais. Porém, nas redes estaduais, o calendário eleitoral impõe restrições a ganhos reais nos salários dos servidores após 5 de abril (180 dias antes das eleições), muito embora o piso tenha jurisdição nacional, podendo dessa forma ser reajustado em patamares acima da inflação.


» Caso não aja acordo com os gestores, a CNTE e seus sindicatos podem ingressar com ações judiciais – ADPF em nível nacional e ação de cobrança nos estados – para requerer a diferença dos valores que foram efetivamente depositados nas contas do Fundeb e que deixaram de ser contabilizados para fins de atualização do piso.


» No caso de ações judiciais, deve-se cobrar o reajuste do ano de 2009 (24,54% em referência ao parecer do MEC/AGU ou 19,32% pelo método da Lei 11.738, ou ainda, na pior das hipóteses, 4,11% do INPC – todos eles com impactos prospectivos até 2014), além dos percentuais previstos e consolidados do Fundeb (colunas 2 e 6 da tabela 1), de forma alternativa.


» Do ponto de vista da luta social e sindical, a CNTE e seus sindicatos filiados continuarão cobrando a ampliação dos recursos públicos para a educação pública, a vinculação de pelo menos 10% do Produto Interno Bruto para a educação pública, na próxima década, bem como a destinação das riquezas do petróleo para a valorização dos profissionais da educação e a qualidade da educação pública.


» Além da luta pela integral, imediata e correta aplicação do piso do magistério, no país, a CNTE e seus sindicatos mantêm a pauta pela aprovação, no Congresso Nacional, das Diretrizes Nacionais de Carreira e do Piso Salarial Profissional Nacional para todos os Profissionais da Educação.

PNE pra valer, já!


Brasília, 19 de fevereiro de 2014

Conselho Nacional de Entidades da CNTE

 

 




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