Defasagem do Ensino Médio
Defasagem do Ensino Médio vem do Fundamental 2
Relatório "Excelência com Equidade" analisou problemas da última etapa da Educação Básica
POR: Flavia Nogueira
O Ensino Médio sofre com a defasagem dos conhecimentos dos alunos que chegam a essa última etapa da Educação Básica, com os problemas na formação continuada dos professores e com a evasão dos alunos. Essas são apenas algumas das conclusões do mais novo relatório “Excelência com Equidade”.
O estudo “Excelência com Equidade no Ensino Médio: a dificuldade das redes de ensino para dar um suporte efetivo às escolas” foi realizado pelo Interdisciplinaridade e Evidências no Debate Educacional (Iede) em parceria com a Fundação Lemann, Instituto Unibanco e Itaú BBA. A série de estudos “Excelência com Equidade” teve início em 2012, com o mapeamento dos anos iniciais do ensino fundamental. A partir de 2015, passaram a ser estudados os anos finais.
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“Grande parte dos alunos chega ao Ensino Médio com uma grande defasagem de aprendizado e isso vem do Ensino Fundamental 2”, diz Ernesto Martins Faria, diretor-fundador do Interdisciplinaridade e Evidências no Debate Educacional (Iede).
Para Ernesto, essa defasagem é um problema grave já que é preciso lembrar que o Ensino Médio é a última etapa da Educação Básica e os alunos precisam sair dele com uma base de conhecimentos para exercer a cidadania.
“Depois do Ensino Médio não tem mais nenhuma educação formal obrigatória. As escolas precisam trabalhar um leque de conhecimentos minimamente adequados para esses alunos viverem bem em sociedade e poder ir para o mercado de trabalho”.
No estudo os pesquisadores trabalharam com um nível de exigência de proficiência dos alunos adequado ao nono ano do Ensino Fundamental.
“Nossa exigência em relação aos patamares de aprendizado foi 275 pontos em Língua Portuguesa e 300 pontos em Matemática (nível de proficiência de alunos na Prova Brasil 2017). E isso é considerado adequado para o nono ano do Fundamental e não para o Ensino Médio”, explica Ernesto.
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A pesquisa também usou como critério escolas que atendem alunos de baixo nível socioeconômico, de 1 a 3, de acordo com a classificação de 2015 do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), taxa de aprovação de, no mínimo, 95%; resultado igual ou acima da média nacional nas provas objetivas do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem 2017); resultado igual ou acima da média nacional na prova de reação do Enem; média igual ou superior a 500 pontos em todas as quatro grandes áreas avaliadas pelo Enem.
Ernesto explica que, se os pesquisadores se guiassem apenas pelo Enem, deixando Prova Brasil e Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) de fora, eles ficariam com um problema nas mãos relacionado à defasagem.
“Se a escola trabalha de uma forma muito intencional para ter bons resultados no Enem, então ela pode ter um olhar que gere mais desigualdades na escola. O Enem exige que o aluno tenha um nível de conhecimento básico para, de fato, poder resolver pelo menos a maioria ou boa parte das questões. Você não vai ter muitas questões do Enem ligadas a conhecimentos do Ensino Fundamental. Se uma escola foca demais no Enem, ela pode ser excludente com alguns alunos, que tem um desenvolvimento muito mais básico”, explica.
Sem excelência
O estudo afirma que “todo o processo de seleção e análise de indicadores das escolas públicas que atendem alunos de baixo nível socioeconômico foi bem sintomático: não possuímos excelência com equidade no Ensino Médio”.
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“Um dado claro que ilustra essa situação é que nenhuma escola nesse perfil atingiu 600 pontos de média nas avaliações objetivas do Enem, uma pontuação longe de ser considerada alta. Já de acordo com o Saeb, nenhuma escola consegue garantir 70% dos alunos com aprendizado adequado nas duas disciplinas avaliadas. Em Matemática, especificamente, a grande maioria não consegue garantir sequer 50% com aprendizado adequado”, informa o relatório.
Das 5.042 escolas elegíveis, 100 atingiram os indicadores de qualidade propostos pelo estudo, sendo que 82 são de tempo integral. Dentro desse universo, quatro estados despontaram na lista, com os maiores números de escolas: Ceará (55), Espírito Santo (14), Goiás (7) e Pernambuco (7). A partir daí, iniciou-se o estudo em profundidade de escolas desses estados.
Os pesquisadores também apontaram que, se já foi difícil localizar um número expressivo de escolas com bons resultados nos anos finais do Ensino Fundamental, no Ensino Médio seria uma tarefa quase irrealizável. Então, eles tomaram a decisão de investigar escolas que “trabalham para garantir um bom nível de aprendizagem aos alunos, mesmo que ainda não estejam em um patamar em que possam receber a qualificação de excelência, e realizam ações efetivas para o bom fluxo escolar (diminuição da reprovação e do abandono)”.
Ernesto Martins Faria afirma que o problema do abandono e evasão foram questões graves encontradas pelos pesquisadores.
“Entendemos que é preciso ser um papel do Ensino Médio trabalhar para minimizar o abandono e depois uma evasão. E acredito que é preciso ter um olhar forte em relação a minimizar a reprovação. Trabalhamos essas questões de forma forte porque reprovar um aluno com 15 ou 16 anos é quase expulsar o aluno da escola”, explica.
O diretor do Iede afirma que esses já são problemas grandes vindos do Ensino Fundamental 2.
“Você tem um problema da evasão que não tem dono, onde os alunos terminam o nono ano do Fundamental e não se matriculam no Ensino Médio, e você não sabe quem é responsável por isso, se é a escola do Ensino Fundamental 2 ou se é a escola de Ensino Médio – a dificuldade é quando tem a transição de rede, quando o nono ano está na rede estadual fica mais fácil, senão é mais complicado.”
Formação continuada
O estudo observou nas escolas visitadas que, no geral, a relação das secretarias de Educação com as escolas é pautada pelo monitoramento de indicadores. Mas falta suporte pedagógico em uma questão muito importante, a formação continuada dos professores, principalmente em áreas específicas.
“Em algumas regiões, as últimas formações em História e Geografia datam de dez anos atrás. Nas escolas visitadas no Espírito Santo, há relatos de que as formações são dificultadas pela distância entre os municípios e pela dificuldade de deslocamento na região. Mais comumente, as redes realizam, no início do ano, uma formação sobre temas ligados ao currículo integral (principais conceitos e pilares do modelo e ações inerentes ao currículo, como a disciplina Projeto de Vida). Eventualmente, essas formações envolvem também aspectos das áreas de Linguagens e Matemática. Mas, mesmo nessas duas áreas tradicionais, a carga horária e a periodicidade das formações, em geral, se mostram insuficientes”, informa o relatório.
E, de acordo com o diretor do Iede “a oferta de mais formações tem um impacto em resultados de aprendizagem”. E alerta: existe um problema de falta de conhecimento pedagógico específico.
“Ensino de Matemática é um grande desafio, não só a pouca oferta de formação continuada. Os técnicos pedagógicos das secretarias nem sempre dominam as competências que precisavam dominar”, diz.
E esse problema aumenta conforme se avança pelas fases da Educação Básica.
“Esse aumento de complexidade em relação às habilidades, somado a outras questões socioemocionais dos alunos, fazem com que o Ensino Fundamental 2 e o Ensino Médio sejam muito mais difíceis de você garantir professores bem capacitados, bem formados em relação ao Fundamental 1, no qual tratamos de habilidades e competências bem menos complexas.”
https://novaescola.org.br/conteudo/18388/defasagem-do-ensino-medio-vem-do-fundamental-2