Democracia e respeito à Constituição

Democracia e respeito à Constituição

A democracia se faz com respeito à Constituição

O  Estado de Direito é uma conquista importante da sociedade contra regimes autoritários. A sua ascensão no século XVIII remonta o período da Revolução Francesa e da Independência Americana, que deram origens às primeiras constituições criadas por um Poder Constituinte hierarquicamente acima de qualquer autoridade (poderes constituídos).

O Estado de Direito entende a Constituição como a norma assentada em dois pilares para conter e disciplinar o avanço predatório do poder sobre a sociedade:

a) A Separação de Poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário)

b) A afirmação dos direitos dos indivíduos (liberdades)

O Estado de Direito está longe de ser perfeito, no propósito de impedir avanços autoritários, contudo, estes pilares foram absorvidos por quase todos os países que adotam constituições e funcionam como uma garantia institucional fundamental para que o exercício do poder não fique concentrado na mão de um único governante ou de uma elite.

Quando o Presidente da República toma posse do seu cargo, ele presta o compromisso e se responsabiliza por respeitar à Constituição e os demais poderes (Legislativo e Judiciário). Aliás, estas regras são conhecidas de todos os candidatos e fazem parte do jogo político institucionalizado.

Um sinal de alerta se acende para a democracia quando um governante tenta incitar a sociedade contra algum dos Poderes do Estado sob a alegação de que este coloca empecilhos para o seu trabalho. Este discurso deve ser encarado com muita desconfiança, porque normalmente esconde uma mensagem no seu interior: “se eu tiver mais poder e se ninguém atrapalhar, posso governar melhor”. Ou seja, o político com dificuldades de assumir as regras do jogo passa a colocar a culpa do seu desempenho fraco nos colegas de equipe, na conduta do adversário, e julga, que sem o juiz ou com outras regras será mais bem sucedido, porém, ao final, o que ele reivindica é mais poder para controlar a partida e manipular o placar.

Na política, assim como nos jogos de futebol, o outro time (a oposição) é adversário e não um inimigo, a equipe são os Três Poderes. Não se deve estabelecer uma batalha com a oposição e, tampouco, entre os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, mas jogar conforme as regras e melhorar as táticas do jogo para buscar o equilíbrio entre visões diferentes sobre economia, política, cultura etc. Não se pode ganhar todas as partidas e muito menos se deve ganhar no grito e com confusão no gramado.

O Estado Social, com foco maior nos direitos coletivos, passou a fazer parte das constituições, principalmente no pós-guerra, com o objetivo de tentar reduzir as injustiças sociais, sem perder de vista as conquistas do Estado de Direito. A Constituição brasileira de 1988 foi criada num processo de retomada democrática e com forte ênfase nos direitos sociais. Às vezes, surgem propostas de mudanças dessas garantias que prometem resolver ou amenizar crises com o sacrifício dos direitos. Acontece que, desde 1988, várias alterações no texto original da Constituição já foram solicitadas pelo Governo e aprovadas pelo Congresso Nacional, mas nem assim, com redução de direitos, tiveram a capacidade de melhorar substancialmente a vida dos brasileiros/as.

A sociedade brasileira tem um passado de muitas injustiças com um saldo enorme de desigualdades ainda por resolver. Em tempos de crise econômica, quando uma parcela significativa do povo se sente prejudicada no cenário político-econômico, torna-se tentador alinhar-se com o clamor de caça às bruxas ou caça aos “inimigos”, aceitando discursos que recorrem ao sacrifício dos direitos para, num ato de fé, esperar por um futuro melhor ou por um governo salvador da pátria.

O Estado Democrático de Direito, previsto na Constituição brasileira de 1988, procura unir e sintetizar os ganhos do Estado de Direito e do Estado Social com os do Estado Democrático. A nossa democracia é jovem (se considerarmos suas idas e vindas) e é certo que ela precisa de melhorias, principalmente para corrigir as distorções de excessos de poder conferidos aos nossos representantes. Entretanto, não podemos embarcar nestes apelos feitos para desviar o olhar dos verdadeiros problemas sociais e colocar a atenção no “inimigo”, transformando-o no próprio problema.

É preciso manter a prudência e a desconfiança sobre qualquer convite que indique: “se tiver mais poder resolvo o problema”. A história mundial e a brasileira já demostraram fartamente que o resultado deste clamor, ainda que movido pelas melhores intenções, reserva um futuro incerto e com grandes chances de caminhar para o autoritarismo.

O caminho da harmonia, diálogo e das boas ideias, embora seja mais complexo, é o que revela respeito pela equipe (Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário) e pelo adversário político (oposição) na partida difícil. As regras da democracia estão estabelecidas na Constituição e o árbitro da democracia é o povo, que deve zelar pelo respeito às regras do jogo. Se um jogador apelar e partir para briga com sua equipe, o árbitro deve levantar o cartão amarelo de advertência e alerta. Se este insistir em abandonar as regras do jogo, cabe ao árbitro levantar o cartão vermelho, não para acabar com a partida, mas para que ela siga com os jogadores que acatam as regras.

A democracia se faz com responsabilidade e respeito à Constituição e ao Estado Democrático de Direito.

Lilian Balmant
Professora Associada da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

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