Democratização da comunicação

Democratização da comunicação

Ainda precisamos lutar pela democratização da comunicação?

Para além de um processo natural, a comunicação é uma tecnologia, um sistema e uma ciência social

Pouca gente sabe, mas nesta sexta-feira, 17 de outubro, é o Dia Nacional de Luta pela Democratização da Comunicação. Uma data relacionada ao Media Democracy Day, uma abordagem internacional que defende transformações na mídia para garantir o direito humano à comunicação com pluralidade e diversidade de vozes. No Brasil, esse dia é lembrado principalmente pelo Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), e as centenas de entidades que participam deste movimento.

Mas que tal tentar entender por que pouco se sabe dessa data e se ela ainda faz sentido?

O jornalista Daniel Herz, idealizador do FNDC no início da década de 1990, dizia que não pode haver democracia sem democratização dos meios de comunicação. Após 30 anos de existência do fórum, essa frase continua sendo um mantra para quem está nas trincheiras dessa luta.

Precisamos entender que para além de um processo natural, a comunicação é uma tecnologia, um sistema e uma ciência social. Ela pode ser tanto um instrumento de legitimação de estruturas sociais como também a força que as contesta e as transforma. Ela pode ser veículo de autoexpressão e de relacionamento entre as pessoas, mas também pode ser sutil recurso de opressão psicológica e moral. Através da comunicação a humanidade luta, sonha, cria beleza, chora e ama. 

A comunicação é o canal pelo qual os padrões de vida de nossa cultura nos são transmitidos, pelo qual aprendemos a ser “membro” de nossa sociedade, de nossa família, grupo de amigos, vizinhança, de nossa nação. É assim que adotamos a nossa “cultura”, isto é, os modos de pensamento e de ação, crenças e valores, hábitos e tabus. 

Portanto, a comunicação é fundamental na nossa formação como seres humanos. Ela serve para que nos relacionemos entre si, transformando-nos mutuamente e a realidade que nos rodeia. Sem a comunicação cada pessoa seria um mundo fechado em si mesmo. Pela comunicação as pessoas compartilham experiências, ideias e sentimentos. 

Certo! Mas o que isso tem a ver com a luta pela democratização da comunicação? Tudo! Pois como dizia o velho Guerreiro: “quem não se comunica se trumbica”. E para se comunicar com o mundo precisamos do quê? Os chamados meios de comunicação, que continuam monopolizados nas mãos de poucos, apesar do advento da Internet, que trouxe outras batalhas ainda mais complexas.

Como nasceu essa luta

O movimento pela democratização da comunicação no Brasil é fruto do momento histórico propiciado pelo processo de redemocratização e do movimento pela Ética na Política, protagonizado por diversas entidades da sociedade civil. 

Em 1984, em plena efervescência da campanha pelas eleições diretas, surgia a Frente Nacional por Políticas Democráticas de Comunicação. Além de ser encabeçada por associações representativas de jornalistas, radialistas, artistas e profissionais da área de cinema, a frente recebia o apoio importante de partidos de esquerda que saíam da clandestinidade ou que acabavam de nascer, de universidades e de diversas entidades da sociedade civil que não possuíam relação direta com a área das comunicações.

A consolidação do movimento, porém, foi forjada no jogo de pressões travado nos bastidores das comissões temáticas da Assembleia Nacional Constituinte, entre os anos de 1987 e 1988. Na disputa pelo capítulo da Comunicação Social com o empresariado, vários dirigentes sindicais, acadêmicos e intelectuais perceberam que somente uma luta coletiva, que extrapolasse os interesses particulares envolvidos no campo da comunicação, poderia dar conta da difícil tarefa de estabelecer algum grau de ordenamento sobre um setor marcado historicamente por relações cartoriais e patrimonialistas.

Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, as conquistas e derrotas da frente mostraram que o esforço realizado estava no caminho certo. Menos de três anos depois, ainda como movimento social, nascia o Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC). 

O FNDC transformou-se em associação civil em agosto de 1995, tendo Daniel Herz como seu primeiro coordenador nacional. Durante os anos 2000 travou importantes lutas como a garantia dos canais comunitários, educativos e culturais na Lei do Cabo e a concepção do conceito de Radiofusão Comunitária, além da reforma da Lei de Imprensa e a criação do Conselho de Comunicação Social do Congresso Nacional (CCS). A entidade também encabeçou uma campanha contra a aprovação da Emenda Constitucional que permitia a entrada de capital estrangeiro em empresas de comunicação e publicou uma pesquisa referência sobre a concentração da mídia no Brasil: “Os Donos da Mídia”.

A partir das propostas da 1ª Conferência Nacional de Comunicação (Confecom), uma conquista histórica do movimento, ocorrida em 2009, o FNDC lançou, em parceria com entidades do movimento social, a Plataforma para o Marco Regulatório das Comunicações, baseada nas mais de 600 proposições aprovadas no encontro. Vale lembrar que a primeira e única conferência de comunicação teve grande representatividade, com a participação de entidades da sociedade, do empresariado e do poder público. 

O FNDC também integrou as discussões e articulações que possibilitaram a criação da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), um marco na regulamentação do sistema público de comunicação no Brasil, previsto na Constituição.

O direito humano à comunicação

Um dos conceitos mais relevantes na defesa da pluralidade e diversidade de vozes na mídia é o direito humano à comunicação, por isso a defesa da democratização dos meios de comunicação, com acesso e sustentabilidade. Além da necessidade de políticas públicas efetivas para fortalecer a comunicação alternativa, comunitária, popular e periférica.

No capítulo 5 da Constituição Federal do Brasil, artigo 220, há o parágrafo que diz: “Os meios de comunicação social não podem, direta ou indiretamente, ser objeto de monopólio ou oligopólio”. No entanto, os artigos 220, 221 e 223, dedicados à comunicação, nunca foram regulamentados. 

Segundo o sociólogo e professor Sérgio Amadeu, a ideia de uma mídia livre, independente, plural e diversificada passa a se fixar como o ideal a ser alcançado para que o direito à liberdade de buscar, difundir e receber informações possa ser realizado em sua plenitude. “A regulação da mídia caminha, portanto, pari passo com a garantia e promoção da liberdade de expressão. Na verdade, regular a mídia deve sempre ter como objetivo último proteger e aprofundar aquele direito fundamental.”

Existe um ponto chave que é: ninguém reclama um direito que não conhece, e, portanto, ninguém o defende e nem o ensina. Então, é muito importante difundir o direito humano à comunicação, que quer dizer ter o direito a dar e a receber informação, a buscá-la, a investigar e a difundi-la como pessoa individual, mas também como coletivo.

A internet de certa forma trouxe uma maior diversidade de vozes, mas como bem destaca relatório da Unesco sobre ambiente regulatório da comunicação no Brasil: “Ao lado disso, as possibilidades que a internet trouxe, ao permitir o surgimento de uma ampla gama de sites e blogs que deram voz a setores historicamente silenciados pela mídia hegemônica, também vão se reduzindo. Isso porque novos monopólios digitais (Meta, Google, Amazon, Apple, Microsoft) vão se transformando nos novos intermediários da comunicação e, por mecanismos opacos passam e decidir que informação e conteúdo circulam e têm visibilidade na internet.”

Muitos pesquisadores defendem que a comunicação popular, periférica e independente se coloca, mais uma vez na história brasileira, como possibilidade de uma nova forma de se comunicar. Mas para isso é preciso que se retome o debate de um novo marco regulatório para as comunicações no Brasil, dada a precariedade que ainda enfrentam a grande maioria dos meios de comunicação popular. 

Apoiar e amplificar a comunicação nas comunidades periféricas e nos movimentos populares não é apenas uma questão de justiça social. É, também, uma estratégia para promover um desenvolvimento mais equitativo e sustentável. Reconhecer a importância dessa comunicação e trabalhar para sua valorização pode gerar impactos positivos, profundos e duradouros na vida das pessoas, seja nas comunidades, seja no ambiente das cidades brasileiras, onde se dá a vida.

Outra demanda importante é a implementação na educação brasileira da leitura e práticas críticas da mídia, e hoje, também, das redes sociais, com a inclusão do tema nos parâmetros curriculares do ensino fundamental e médio. Agregando o incentivo a espaços públicos e instituições que discutam, produzam e sistematizem conteúdos sobre a educação para a mídia. 

Para isso, trago alguns princípios considerados essenciais pelo movimento que luta pela democratização da comunicação:

– Promover e fomentar a cultura nacional e sua diversidade e pluralidade;

– Garantir a estrita observação dos princípios constitucionais da igualdade; prevalência dos direitos humanos; e laicidade do estado;

– Promover a diversidade regional, étnico-racial, de gênero, classe social, etária e de orientação sexual nos meios de comunicação;

– Garantir a complementaridade dos sistemas público, privado e estatal de comunicação;

– Proteger as crianças e adolescentes de toda forma de exploração, discriminação, negligência e violência e da sexualização precoce;

– Garantir a universalização dos serviços essenciais de comunicação;

– Promover a transparência e o amplo acesso a informações públicas;

– Garantir a privacidade das comunicações nos serviços de telecomunicações e na internet;

– Garantir a acessibilidade plena aos meios de comunicação com especial atenção às pessoas com deficiência;

– Promover a participação popular na tomada de decisões acerca do sistema de comunicação brasileiro no âmbito dos poderes Executivo e Legislativo.

Para marcar o 17 de outubro, o FNDC realizará uma live especial, às 19h, pelo canal do Youtube. Vamos reforçar a urgência de políticas públicas de combate à concentração dos meios tradicionais (rádio, TV e jornal) e da regulação das plataformas digitais.

*Katia Marko é editora-chefe do Brasil de Fato RS, coordenadora-geral do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), representando o Núcleo Piratininga de Comunicação (NPC), vice-presidenta do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do RS (SindJoRS)

**Este é um artigo de opinião e não necessariamente representa a linha editorial do Brasil do Fato.

Editado por: Nathallia Fonseca

FONTE:

https://www.brasildefato.com.br/2025/10/17/ainda-precisamos-lutar-pela-democratizacao-da-comunicacao/ 




ONLINE
42