Democratização do acesso ao ensino superior
Enem: alunos de escolas públicas precisam batalhar mais para ter acesso a universidades, mostra tese premiada da USP
Apesar da Lei de Cotas ter atuado fortemente no aumento e na democratização do acesso ao ensino superior, o vestibular ainda é marcado por diferenças de classe.
Julia Gurgel Guito Moreto
Ao concluir o ensino médio em uma escola pública, em 2013, Julia Gurgel, agora com 26 anos, não imaginava o quanto seria duro tentar realizar o grande sonho de sua vida: cursar medicina na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Ela é uma de milhares de outros estudantes que cumprem a sina de “ofício vestibulando”. O termo foi usado por Adriano Senkevics, pesquisador do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), para descrever jovens que repetem o Enem muitas vezes, fenômeno que ganha destaque entre estudantes oriundos da rede pública, atrás de uma vaga em instituições federais. Hoje, na sexta vez consecutiva em que tenta ingressar no curso pelo Enem, Julia atribui o problema à falta de professores e de incentivo por parte da escola.
Em sua tese de doutorado pela USP — ganhadora, há poucos dias, do Grande Prêmio CAPES da Educação, na categoria Humanidades —, Senkevics analisou como as desigualdades sociais e educacionais impactam no acesso às universidades públicas. Apesar da Lei de Cotas ter atuado fortemente no aumento e na democratização do acesso ao ensino superior, o vestibular ainda é marcado por diferenças de classe.
— Eu praticamente não tive aula de matemática, física e química na escola, o que nem me incomodava, porque não tinha ideia de como estava recebendo um ensino tão inferior ao de outras escolas, principalmente particulares — conta Julia, moradora de Teresópolis, no Rio de Janeiro, que, depois do primeiro Enem em 2013, chegou a trabalhar por um ano em uma loja de sapato até decidir voltar a buscar o título de médica.
—No cursinho percebi que, depois de tanto tempo na escola, não tinha aprendido nada. Precisei aprender tudo, desde o básico, o que tem sido um grande desafio
Entre 2014 e 2016, Julia fez Nutrição na Universidade Católica de Petrópolis. Mas mesmo com os descontos do Financiamento Estudantil (Fies), o preço de uma universidade particular é alto demais para a renda da família.
— Lá em casa, seria impossível pagar uma mensalidade de medicina, que custa entre R$ 7 mil a R$ 15 mil. O jeito é esperar passar para uma pública.
Divisor de águas
Até o início dos anos 2000, 75% dos alunos de Ensino Superior no país vinham de famílias que pertenciam aos 20% da população de maior renda per capita do país. Com o avanço das políticas afirmativas e a expansão das ofertas de vagas, o cenário mudou. Ao final da série histórica da Pnad, em 2015, os jovens pertencentes ao segmento mais rico da sociedade brasileira representavam 39% do total. Entre 1995 e 2015, os 20% mais pobres passaram de 1,1% para 6%.
Enem 2022: em simulado do exame, estudante escreve uma redação
— Foto: Fabio Rossi/Agência O Globo
Ao contrário da narrativa de que as políticas afirmativas tirariam “vagas” de outros grupos sociais, Senkevics pôde mostrar, ao cruzar dados do Enem e do censo escolar de 2012, que a parcela mais rica da sociedade depende menos do exame nacional e se mantém com mais acesso ao ensino superior:
— A tese buscou entender quem são os jovens excluídos do ensino superior, os estudantes que têm dificuldade de acesso às universidades. Os alunos de escolas particulares, quando não têm bom desempenho no Enem, podem pagar a mensalidade de particulares por terem mais capital. Já o aluno que se formou em escola pública fica à margem — observa Senkevics que, ao longo da pesquisa, acompanhou estudantes do Distrito Federal oriundos cursinhos pré-vestibular comunitários , que chegaram a tentar até cinco vezes o Enem durante o período analisado.
— Era comum os alunos relatarem “um choque de realidade” nos cursinhos, pois era a primeira vez que percebiam a defasagem do ensino que tiveram nas escolas — completa.
De acordo com os resultados do Enem 2012, a probabilidade de um jovem das famílias 20% mais ricas do país ingressar no ensino superior era de 63,4%. Já entre os mais pobres, era de 32,7%. Entre os que tiravam média de 394 pontos, considerada baixa para o vestibular, os mais ricos ainda assim tinham 87,1% de chance de entrar na universidade, sobretudo porque poderiam pagar por vagas em unidades privadas. Com as mesmas notas, os alunos mais pobres viam suas chances limitadas a 26,7%.
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O local está no Cartão de Confirmação de Inscrição, disponível no site www.enem.inep.gov.br/participante.
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Os portões abrem ao meio-dia para a entrada de estudantes e fecham às 13h. O início das provas, nos dois fins de semana de exame, é às 13h30. O término no 1º dia é às 19h e, no 2º, às 18h30.
Com que antecedência devo chegar ao local da prova?
Professores recomendam que o candidato se programe para chegar ao meio-dia. Os portões serão fechados às 13h em ponto.