Desafio da alfabetização

Desafio da alfabetização

"Conheço todas as letras, mas não sei juntar elas": erradicação do analfabetismo ainda está longe no país

Situação no RS é um pouco melhor do que a do país como um todo, mostram dados do IBGE. GZH conversou com quem, mesmo depois de adulto, não desistiu de aprender a ler e escrever

12/04/2024  - SOFIA LUNGUI

 



– Estudei até a terceira série, mas eu era criança, já esqueci tudo. Conheço todas as letras, mas não sei juntar elas. Eu trabalhava de cozinheira, sabia tudo de cabeça. Decorava as receitas para poder preparar. Tenho dificuldade para usar celular, pegar ônibus, ver o preço das coisas no mercado.

O relato de Maria de Lourdes Cardoso, 65 anos, representa a realidade de pelo menos 256 mil pessoas no Rio Grande do Sul. Erradicar o analfabetismo até 2024 era um dos objetivos do Plano Nacional de Educação, lançado há 10 anos, mas o país ainda está distante dessa meta.

Embora o problema esteja concentrado sobretudo no Nordeste, com 11,2% de analfabetismo em 2023, o RS tem uma taxa de 2,7%, considerando a população acima dos 15 anos. Os dados são da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua 2023, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Em 2022, a taxa era de 2,5% no Estado. Em 2019, 2,4%. O cenário é considerado de estabilidade, levando em consideração a margem de erro. Cerca de 62,5% dos 256 mil analfabetos do Estado são brancos – há cerca de 160 mil pessoas brancas nessa condição. No entanto, proporcionalmente, a população negra é a mais afetada, já que há menos pessoas pretas e pardas do que brancas no RS.

No Brasil, são cerca de 9,3 milhões de pessoas que não sabem ler nem escrever, conforme o IBGE. Mas especialistas acreditam que o problema possa ser mais grave. Na pesquisa, os entrevistados respondem se conseguem escrever um bilhete simples. Quem diz que “não” é considerado analfabeto.

– A situação é geralmente pior do que a Pnad mostra, porque a pesquisa é autodeclaratória. Ou seja, o constrangimento das pessoas pode interferir – analisa a professora Patrícia Camini, da Faculdade de Educação da UFRGS. – Não ter um desenvolvimento pleno da alfabetização é algo que afeta a vida da pessoa como um todo. Assim, vai se criando um estigma social por não dominar a escrita e a leitura.

É o que normalmente acontece com as pessoas mais velhas que são analfabetas, que enfrentam dificuldades ao longo da vida e acabam ficando constrangidas e desmotivadas. No Brasil, o problema do analfabetismo segue concentrado entre idosos, e no RS não é diferente. Considerando a faixa etária acima dos 60 anos, a taxa saltou de 6,8% para 7,4% entre 2022 e 2023 no Estado, conforme a Pnad.

Mas nada impediu Maria de Lourdes de ir atrás do sonho de ter autonomia para ler e escrever. Quase seis décadas depois de abandonar os estudos pela necessidade de trabalhar, a dona de casa decidiu se matricular na Educação de Jovens e Adultos (EJA) para completar o Ensino Fundamental. Desde fevereiro, ela estuda na Emef Max Adolfo Oderich, em Canoas.

– Eu sempre quis voltar a estudar. Pensava nisso, mas tinha medo. Eu tinha aqueles celulares pequenos, de botão, sabe, porque tinha medo de comprar os grandes e não saber mexer. Aí minha sobrinha disse: “Tia, tu não é burra, só tem que aprender a mexer”. Aí, decidi começar aqui, do zero. Eu tinha medo de vir sozinha para a escola, não tinha companhia. Mas um vizinho começou a vir e agora a gente vem junto. Comprei uma bicicleta só para vir – conta.

Nesse curto período, ela já aprendeu muita coisa. Começou a entender melhor os nomes das linhas de ônibus e percebeu que sempre deixava passar um coletivo que poderia estar utilizando, porque não conseguia ler o letreiro e ver o destino. Ela pretende cursar até o final, o módulo 4, que equivale ao 9º ano do Ensino Fundamental.

Maria Regina Alexandre de Almeida, 56 anos, aprendeu a ler e escrever na mesma escola de Canoas. Ela está no último semestre do curso, e a previsão é se formar em julho. Ingressou na EJA em 2020 para fazer um curso de cuidadora de idosos. Já atua na área informalmente, mas quer se qualificar e conseguir oportunidades melhores, e acredita que o diploma será uma porta de entrada. Conta que as amizades feitas no caminho a incentivaram.

– Fiz muitos amigos, eu e a Jane estamos sempre juntas. Uma incentiva a outra – afirma.

A colega Jane Margarete Rodrigues Duarte, 56, também está quase se formando e começou do zero, na turma de alfabetização. Ela diz que sempre trabalhou como faxineira e sente que os estudos faziam falta. Jane tem três filhas no Ensino Superior. Afirma que elas serviram como exemplo:

– Eu sempre disse para elas que valorizem os estudos, é o que vai ser o futuro de vocês. Daí elas foram pra frente, só eu que não pude ir. Tinha que trabalhar e cuidar delas. Mas não desisti. Vejo o esforço das minhas gurias e me espelho nelas.

Para a professora alfabetizadora Patrícia Rodrigues Guterer, que atua em Canoas, a socialização é importante para fomentar a aprendizagem nessa idade. De acordo com ela, os estudantes ganham muito com a convivência.

– Temos muitas pessoas que pararam de estudar há muito tempo, seja por trabalho, por ter que cuidar dos irmãos, por terem casado. Eles sempre chegam muito inseguros. Então, fazemos esse trabalho de levantar a autoestima. Quando eles veem outras pessoas mais velhas, que também têm suas dificuldades, isso faz com que eles queiram ajudar os colegas e se soltem mais – afirma.

 

Duda Fortes / Agencia RBS
Um dia de aula na Emef Max Oderich, de Canoas, na Região Metropolitana de
Porto Alegre   
Duda Fortes / Agencia RBS

 

Impacto social e econômico

Conforme o gerente de articulação e advocacy do Movimento pela Base, João Paulo Derocy Cêpa, não ser alfabetizado na idade certa tem diversos efeitos negativos.

– Garantir a alfabetização cedo é garantir que os estudantes desenvolvam as habilidades necessárias para poder seguir aprendendo em uma trajetória regular. Quem não consegue ler, escrever e compreender textos dificilmente vai aprender plenamente Matemática, História e Geografia, componentes curriculares que demandam interpretação de texto e análise crítica – explica o especialista.

A alfabetização é fundamental para o desenvolvimento social, linguístico e cognitivo do sujeito, segundo Patrícia Camini. Para ela, o atraso nessa formação fundamental provoca falta de autoconfiança. A longo prazo, isso pode contribuir com o aumento da evasão escolar.

– Se a pessoa não aprende na idade certa, vai faltando autoconfiança nas suas habilidades de comunicação. Em uma sala de aula do ensino regular, alguns vão se alfabetizando e outros percebem que estão com o desenvolvimento mais lento. Com isso, essas pessoas começam a desinvestir na sua aprendizagem, sentindo-se menos valorizados pelo professor – afirma.

A pesquisadora é coordenadora do Laboratório de Alfabetização da UFRGS e foi formadora do Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa pela mesma instituição. Para ela, além do impacto na aprendizagem, o analfabetismo também acarreta consequências no exercício da cidadania.

– Vamos percebendo uma limitação de oportunidades profissionais, porque você não teve o desenvolvimento esperado do seu próprio capital humano, do que você poderia reverter para a sociedade em trabalho. É um prejuízo na formação integral, visto que todas as outras capacidades passam, de algum modo, pela comunicação – diz.

Para além da esfera individual, o analfabetismo tem efeitos coletivos. A longo prazo, o contingente de pessoas analfabetas pode gerar prejuízos para a própria democracia, porque as pessoas que não sabem ler e escrever têm mais dificuldade em identificar a desinformação.

– Só um leitor crítico vai conseguir fazer esse movimento de identificar e avaliar as informações. Alguém com analfabetismo funcional, por exemplo, consegue ler as palavras, mas não é capaz de fazer uma leitura crítica – afirma Patrícia.

Conforme os dados mais recentes do Indicador da Alfabetismo Funcional (Inaf), de 2018, esse problema continua em um patamar elevado. A pesquisa aponta que um em cada quatro trabalhadores que têm entre 15 e 64 anos são considerados analfabetos funcionais – ou seja, não conseguem ler ou escrever muito além de um bilhete simples e fazem somente cálculos matemáticos muito básicos. Além de universalizar a alfabetização, a meta 9 do Plano Nacional de Educação previa reduzir o analfabetismo funcional a 13,5% em 2024.

O analfabetismo torna os indivíduos mais vulneráveis e suscetíveis à manipulação das informações e à exploração econômica. Além disso, contribui para perpetuar a manutenção da pobreza, uma vez que a pessoa continua sempre com as mesmas possibilidades limitadas e não consegue estudar por conta própria para abrir os horizontes – algo que uma pessoa que domina a leitura e a escrita tende a fazer.

Somado a isso está o impacto econômico desse problema, que já está demonstrando seus reflexos no país. É o que diz a economista da educação e professora da Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas da Fundação Getulio Vargas (FGV), Tássia Cruz. Segundo ela, o capital humano tem impacto direto no Produto Interno Bruto (PIB), e carências na educação podem afetar a economia.

– Não só a alfabetização, mas o aumento na própria quantidade de anos educacionais, a escolaridade média e a qualidade da educação afetam a produtividade dos trabalhadores. Quanto mais capital humano, maior a produtividade e os resultados – destaca.

O capital humano é um conceito que representa tudo aquilo que um colaborador pode agregar à organização, em termos de conhecimento, competências e habilidades. André Gambier Campos, técnico de planejamento e pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), vai pelo mesmo caminho:

– Todas essas pessoas (analfabetas) tiveram menos renda ao longo de suas vidas e poderiam ter contribuído mais com a economia do país. Agora, a luta é garantir que esse processo não aconteça com as gerações mais jovens. Precisamos qualificar o ensino regular – diz o pesquisador.

Em uma perspectiva histórica, é inegável que a educação brasileira vem apresentando melhorias, pouco a pouco. Em 1940, por exemplo, o Censo identificou que 56% da população com 15 anos ou mais era analfabeta. Já estamos longe dessa realidade. Mas ainda há muito a fazer para eliminar o analfabetismo absoluto e o funcional, especialmente nas áreas rurais, distantes dos centros urbanos e com menos estrutura, onde o problema está concentrado.

A desigualdade étnico-racial também é um desafio. Em relação ao nível de analfabetismo por grupo étnico-racial no RS, em todas as faixas etárias, a taxa de analfabetismo é maior entre a população negra. No caso das pessoas de 15 anos ou mais, os brancos apresentam taxa de 2,2%, enquanto as pessoas pretas e pardas representam 4,5%. Já em relação às pessoas acima dos 60 anos, a taxa de analfabetismo é de 5,8% para os brancos e de 15,3% para os negros.

pandemia de covid-19 evidenciou esses problemas. As crianças que passaram pela etapa de alfabetização durante esse período, tiveram um atraso na formação, em muitos casos, e esse problema pode gerar consequências no decorrer dos anos escolares. É o que diz João Paulo, do Movimento pela Base. Segundo ele, todas as escolas precisam urgentemente implementar processos e atividades de recomposição de aprendizagem, para não abandonar esses conhecimentos perdidos – não somente na pandemia, mas em casos de atrasos na trajetória escolar, como um todo.

– Antes da pandemia, muitos alunos já saíam da escola sem os conhecimentos adequados, como vinha mostrando o Saeb (Sistema de Avaliação da Educação Básica). Já existia uma distorção de aprendizagem, que se acentuou com a crise sanitária. Quando falamos de estudantes que tiveram a alfabetização prejudicada nesse período, muitos deles estão agora nos anos finais do Ensino Fundamental. Se isso não foi corrigido o quanto antes, eles vão acumulando essa defasagem, e isso se reflete em outras disciplinas – argumenta.

FONTE:

https://gauchazh.clicrbs.com.br/educacao/noticia/2024/04/conheco-todas-as-letras-mas-nao-sei-juntar-elas-erradicacao-do-analfabetismo-ainda-esta-longe-no-pais-cluwn27l901rh012j0snnrcwk.html 

 

 

Educação de Jovens Adultos sofre com cortes de verbas no RS e no país

Políticas públicas que melhorem os níveis de alfabetização no Brasil seguem sendo um desafio. Dez anos depois do Plano Nacional de Educação, erradicação do problema ainda está longe

12/4/2024

 



Longe de conseguir cumprir a meta estabelecida há 10 anos, que era erradicar o analfabetismo no Brasil, o país tem como desafio melhorar as políticas públicas para a Educação de Jovens Adultos (EJA). Embora seja um instrumento importante para garantir a alfabetização desse público, no entanto, a EJA está encolhendo cada vez mais no Brasil.

É o que mostra o dossiê “Em busca de saídas para a crise das políticas públicas de EJA”, conduzido pelo Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária (Cenpec), em parceria com a Ação Educativa e o Instituto Paulo Freire. O relatório foi encomendado pelo Movimento pela Base.

Conforme o levantamento lançado em 2022, nos últimos anos caíram drasticamente os investimentos na EJA. Em 2012, foi destinado quase R$ 1,5 bilhão em recursos para essa área, sendo que o investimento caiu para cerca de R$ 40 milhões em 2022. Ou seja, há dois anos, foi investido o equivalente a 3% do que era destinado uma década antes. Os dados também indicam os gastos específicos para o apoio à alfabetização e educação de jovens e adultos. Foram destinados R$ 342 milhões para essa finalidade em 2012 e R$ 5,5 milhões em 2021. As informações foram obtidas por meio do Sistema Integrado de Planejamento e Orçamento (Siop).

– Hoje, no Brasil, fazemos a escolha de financiar a educação básica principalmente para quem está na idade certa. Os valores que vão para a EJA são muito baixos. Isso significa que, conforme a população jovem vai envelhecendo, as taxas de analfabetismo vão melhorando. A tendência é termos um envelhecimento de uma população mais educada, e não uma melhoria das políticas para educação de adultos – diz Tássia.

Também vem caindo o número de matrículas. De acordo com o dossiê, entre 2017 e 2021, quando o investimento federal da EJA já estava em níveis mínimos, houve uma queda expressiva das matrículas no Rio Grande do Sul: 48%. Todos os Estados brasileiros tiveram queda no período, com exceção de Alagoas, que teve crescimento de 20% nas matrículas.

Considerando a Região Sul, no mesmo período, o número de alunos matriculados caiu de 418,2 mil para 257,4 mil. Os dados são do Censo Escolar do Inep. O estudo também aponta que a oferta de cursos na modalidade está concentrada nas redes públicas, em todo o país.

Levando em consideração as 31 escolas da rede municipal de Porto Alegre que ofertam EJA, com 240 turmas de alfabetização, foram registradas 4,5 mil matrículas em abril de 2023 na modalidade. Em abril de 2024, foram cerca de 3,8 mil. Conforme a Secretaria Municipal de Educação, a expectativa é aumentar o número no segundo semestre, que costuma ser mais movimentado. Os estudantes podem fazer matrícula na EJA a qualquer momento do ano, por isso o número de alunos é considerado flutuante. 

 

Jonathan Heckler / Agencia RBS
Aula da EJA no Centro Municipal de Educação dos Trabalhadores (CMET) Paulo Freire,
em Porto Alegre. 
Jonathan Heckler / Agencia RBS

O Centro Municipal de Educação dos Trabalhadores (CMET) Paulo Freire, no bairro Santana, é um dos maiores e mais tradicionais da Capital. Segundo o diretor, Paulo André Passos de Mattos, antes da pandemia, eram 1,2 mil estudantes por ano. Agora, são registrados pouco mais da metade – em torno de 700 alunos por ano. Em 2024, a escola completa 35 anos, sendo que conta com turmas de alfabetização desde o início de sua história.

– O currículo é totalmente adaptado a esse público. A primeira coisa que a gente faz é conhecer os alunos, ouvir suas trajetórias, e trabalhamos a partir do que eles nos trazem. Por exemplo, a gente seleciona uma palavra que eles conhecem, ligada ao cotidiano deles, e a constrói de diversas maneiras. Depois a gente formula frases com essa palavra, aí um texto, e então o lemos. Nós lemos muito, levamos eles à biblioteca, a museus. A gente aproxima o universo letrado deles – explica a psicopedagoga Valeska da Silva Brum, que atua no CMET Paulo Freire.

A instituição hoje conta com alunos de perfis variados, incluindo pessoas idosas que decidiram estudar depois de se aposentar e jovens que não conseguiram concluir o Ensino Fundamental na idade certa. A instituição foi criada com o objetivo de atender ao público trabalhador, por isso, oferta atividades de qualificação profissional, como informática para o mercado de trabalho, bem como oficinas culturais de instrumentos e teoria musical.

– Não tive infância, comecei a trabalhar aos sete anos na casa de uma família. Eu sofri muito com meu pai, que era alcoolista. Então, não tive o prazer de estudar. Comecei a estudar para aprender, quero me formar para ser mais tarde enfermeira ou até médica, é meu sonho. Agora criei coragem e estou começando do zero. Eu até os 90 anos quero estar com o diploma na mão – relata a cuidadora de idosos Adriana Rossi, que tem 55 anos e faz o curso no CMET Paulo Freire desde julho do ano passado.

Jonathan Heckler / Agencia RBSCMET Paulo Freire tem cerca de 700 alunos adultos. Antes da pandemia, eram cerca de 1,2 mil.  Jonathan Heckler / Agencia RBS

Para Daniel da Silva Rodrigues, 22 anos, que está começando o Ensino Fundamental na Emef Max Oderich, em Canoas, e trabalha com serviços gerais, outra preocupação é garantir uma boa educação para o filho.

– Comecei a estudar em março, por causa do meu trabalho, para melhorar no dia a dia. Sendo na leitura ou nas contas, estou melhorando cada vez mais. Quero melhorar para o dia a dia, para conseguir um serviço melhor e para a minha família também, para conseguir educar melhor meu filho. Vou terminar o curso, se Deus quiser – afirma o jovem.

Também é o caso do motorista de caminhão Geovane de Oliveira, 45 anos, que começou em fevereiro o curso em Canoas. Ele não sabe ler e escrever, porque deixou a escola para trabalhar numa lavoura, mas diz que não deixa seu filho de 10 anos fora da escola:

– O futuro vai exigir dele a educação, não deixo ele sem estudar, de jeito nenhum.

A Emef Max Oderich conta com 140 alunos na EJA, sendo que 20 deles estão em turmas de alfabetização. A instituição atende principalmente aos moradores dos bairros Harmonia e Mathias Velho, conhecidos pela violência e pela vulnerabilidade.

– A alfabetização tem um diferencial em relação às outras etapas. Temos jovens trabalhadores, mas também pessoas mais velhas que querem socializar, que vieram buscar sonhos que deixaram para trás. Isso nos deixa muito felizes, é uma atmosfera positiva que se cria dentro da escola – diz o diretor, Alvarez da Silva.

Canoas conta com 13 escolas que ofertam a modalidade, sendo quatro delas com turmas de alfabetização e pós-alfabetização. Após um esforço de divulgação nos últimos meses, o município está com turmas de EJA lotadas, conforme Mariáh Oyarzabal Luz, gestora da modalidade na Secretaria Municipal de Educação.

– A alfabetização é um poderoso instrumento de inclusão social. À medida que temos adultos educados e alfabetizados, eles vão valorizar mais a educação, vão incentivar seus filhos a permanecerem na escola e reverter um ciclo pouco virtuoso, que acontece quando temos famílias com pais que não foram escolarizados. Muitas vezes, eles não enxergam valor agregado na educação. Garantir a alfabetização desses adultos gera a oportunidade de reverter esse ciclo – complementa João Paulo.

Segundo Patrícia Camini, professora da Faculdade de Educação da UFRGS, um dos grandes problemas no que se refere ao combate ao analfabetismo é a escassez de políticas públicas permanentes e contínuas, e o fracasso das metas do último PNE demonstra isso.

– Ainda estamos aprendendo a planejar a educação a longo prazo, porque entra e sai governo e as políticas vão sendo descontinuadas. Uma das principais políticas com foco em alfabetização surgiu em 2013, o Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa, que abarcou todos os professores das redes públicas. Depois, surgiu a Política Nacional de Alfabetização, mas houve descontinuidade entre essas duas iniciativas, junto à crise política do país – explica.

Com a pandemia, o aprofundamento das desigualdades e o empobrecimento das famílias, esses problemas se agravaram. Instituída em 2019, durante o governo de Jair Bolsonaro, a Política Nacional de Alfabetização foi revogada no ano passado, com a criação do Compromisso Nacional Criança Alfabetizada pelo governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

– A resposta à pandemia foi muito lenta e desorganizada. As escolas ficaram dependendo das prefeituras, os professores tiveram que fazer muita coisa sozinhos. E a resposta para as crianças precisa ser muito rápida, cada ano conta muito. No momento, o governo está ouvindo os alfabetizadores, repactuando a escuta com as universidades. Estamos em um momento de reestruturação das políticas nacionais de alfabetização – ressalta Patrícia. 

Para a professora da Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas da Fundação Getulio Vargas (FGV) Tássia Cruz, além de resolver as carências do ensino regular, é necessário garantir ensino de qualidade para adultos que não foram alfabetizados na idade certa. 

– Um passo importante, mas menos prioritário nas atuais pautas educacionais, é dar outras formas de acesso à educação para pessoas que saíram do sistema educacional e ainda estão no mercado de trabalho. E até mesmo para aqueles que já saíram do mercado de trabalho, mas merecem ter dignidade, no sentido de conseguirem transitar na língua formal e serem cidadãos plenos – destaca.

 

FONTE:

https://gauchazh.clicrbs.com.br/educacao/noticia/2024/04/educacao-de-jovens-adultos-sofre-com-cortes-de-verbas-no-rs-e-no-pais-cluwn5tj601ri012jdnkle2k4.html 

 




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