Desconsiderar opinião pública sobre o NEM
Gestores e conselheiros pedem ao MEC que desconsidere a opinião pública sobre o Novo Ensino Médio
Por meio de suas entidades, secretários estaduais e conselheiros de Educação pedem ao governo que mantenha itens rechaçados por estudantes, professores e especialistas: o ensino à distância, os itinerários formativos e redução da carga horária
São Paulo – Entidades representativas dos secretários estaduais (Consed) e de conselheiros de Educação (Foncede), e também o Conselho Nacional de Educação (CNE) pediram ao Ministério da Educação (MEC) que passe por cima da opinião pública manifestada na consulta pública sobre o ensino médio. E que barre o processo que levará a alterações ou mesmo a revogação do Novo Ensino Médio. O objetivo é que mudanças só ocorram a partir de 2025.
Em documento conjunto enviado à pasta, reivindicam a preservação de pilares da reforma imposta em 2016, no governo de Michel Temer (MDB), rechaçada por estudantes, professores e especialistas. Para eles, é preciso ainda manter o ensino a distância, os itinerários formativos e a redução da carga horária da formação geral. Esses pontos são os mais combatidos nas escolas, nas ruas e na consulta pública.
Para esse grupo, o governo deve ignorar a essência da participação popular constituída democraticamente para ouvir a sociedade sobre a reforma do ensino médio. E oferecer ensino a distância tanto na formação geral básica estipulada pela Base Nacional Comum Curricular, comum a todas as escolas, e igualmente rechaçada.
Os gestores e conselheiros defendem o que chamam de ensino mediado por tecnologia. Para eles, trata-se de um “pré-requisito para viabilizar a implementação da reforma no turno noturno e necessário ao equacionamento das especificidades territoriais de cada região”. Ou seja, vazios demográficos, educação indígena, educação do campo, educação quilombola, dentre outros, são usados como argumentos para a manutenção da educação a distância.
E também manter, embora reduzindo de dez para dois, os itinerários formativos, parte escolhida pelos estudantes para aprofundamento do conhecimento, que não tem funcionado na maioria das escolas do país, seja por falta de estrutura, de professores ou ambos. Um composto por linguagens, matemática e ciências humanas e sociais e outro por linguagens, matemática e ciências da natureza. Os estudantes podem optar ainda pela trilha formativa em educação profissional e técnica.
Formação geral para preparação sólida no ensino médio
E também impor uma carga horária insuficiente para os alunos aprenderem todos os conteúdos exigidos no Enem e nos vestibulares. Ou seja, as entidades reivindicam 3.000 horas, das quais 2.100 horas sejam dedicadas à formação geral básica.
A Campanha Nacional pelo Direito à Educação, que soltou nota nessa segunda-feira (21), defende 2.400 horas para a formação geral como crucial para garantir uma preparação sólida aos estudantes. E uma educação 100% presencial, inclusive para o ensino profissional. Além disso, o aumento de investimentos para implementar o parâmetro do Custo Aluno Qualidade (CAQ). O objetivo é elevar a qualidade do ensino e reduzir desigualdades educacionais.
A Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE) criticou o posicionamento dos secretários e dos conselheiros, inclusive do Conselho Nacional de Educação. Embora reconheça a legitimidade institucional, afirmou ter “estranhado” o teor das propostas. “A escuta social, instrumento constituído democraticamente para ouvir a sociedade a respeito da reforma do ensino médio, precisa ser respeitada”, disse a entidade em nota oficial.
A confederação não acredita que as propostas do MEC colocadas em consulta, que em seu conjunto ainda precisam ser aprimoradas, possam interferir negativamente no calendário escolar de 2024. E explica as razões:
1- Enem – O MEC propõe prova com base exclusivamente nos conteúdos da formação geral básica até a sua reformulação. Portanto, ao contrário do que sugerem secretários e conselheiros, não haverá prejuízos aos sistemas de ensino e aos estudantes.
Falsos argumentos na proposta que despreza participação social
2- Redução da carga horária para 2.100 horas – Proposta afinada com a organização Todos pela Educação, de viés privatista, compromete a formação básica da maioria dos estudantes das escolas públicas. Isso porque está atrelada à manutenção do itinerário da formação técnica-profissional em cursos regulares, especialmente diurnos. A proposta segue a lógica de privatização de parte do currículo, contrária à educação profissional integrada e concomitante ao ensino médio defendida pela CNTE.
3- Manutenção do ensino a distância, seja na formação geral básica ou nos itinerários, desconsidera a exclusão digital. Sobretudo nos territórios indicados por eles próprios (vazios demográficos, educação indígena, educação do campo, educação quilombola, dentre outros). A CNTE defende a qualificação da oferta presencial no noturno e nas modalidades de ensino. E aponta outra contradição (ou omissão): defender a EaD na educação básica devido a falta de escolas nessas comunidades, quando escolas são fechadas nessas regiões. Em seu documento sobre a consulta pública, a entidade cobra o MEC sobre a minuta de resolução do CNE que pretende autorizar a EaD a partir da segunda etapa do ensino fundamental.
4- Itinerários propostos pelo MEC na forma de Percursos de Aprofundamento e Integração de Estudos – embora não haja ainda regulamentação para a plena integração com a formação geral, a proposta dialoga com as estruturas física, pedagógica e de profissionais nas escolas em sintonia com as áreas do Enem e de outros vestibulares.
5- A CNTE também desmonta o argumento da autonomia dos estados para ofertarem o ensino médio. A Constituição Federal é clara ao delegar à União o estabelecimento de diretrizes curriculares para toda a educação básica. Assim, compete ao Congresso Nacional debater e aprovar uma nova estrutura para o ensino médio brasileiro, à luz do que o MEC deverá apresentar como resultado parcial da consulta pública.
Contradição nas justificativas pela manutenção de pontos rechaçados
6- Sobre a necessidade de regras de transição para operar as mudanças na Lei nº 13.415 (da reforma do ensino médio) e nas normatizações do CNE (BNCC, diretrizes curriculares para o ensino médio e formação inicial e continuada de professores), as propostas preliminares do MEC vão nessa direção. Portanto não é necessário estender o prazo para 2025, como sugerem as entidades proponentes.
A CNTE chama atenção ainda para a contradição das entidades ao tentar justificar a manutenção dos atuais itinerários, inexistentes na maioria das escolas. E também defender a EaD e outras formas precárias como estratégia contra a falta de professores em determinadas áreas do conhecimento.
Toda essa crise, segundo a confederação de trabalhadores do setor, tem origem na desvalorização da carreira docente, que precisa ser enfrentada por todos os atores políticos. A solução depende da promoção do acesso e da permanência em cursos presenciais e de qualidade de formação inicial e continuada de professores.
E além disso, o respeito ao piso salarial nacional da categoria, priorizando o ingresso nas carreiras através de concurso público. E ainda valorizar a qualificação profissional com planos de carreira atraentes e disponibilizando condições dignas de trabalho nas escolas. “Não será com subterfúgios que o país conseguirá elevar a qualidade da educação”, afirma a entidade sindical.
Redação: Cida de Oliveira
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