Desiludido com a democracia
O mundo está desiludido com a democracia
Apesar de ser amplamente valorizado, modelo democrático enfrenta críticas por não entregar bem-estar

A democracia continua sendo amplamente valorizada — mas enfrenta uma onda crescente de desilusão. É o que aponta o Democracy Perception Index (DPI) 2025, que revela um paradoxo global: embora 72% das pessoas considerem “muito importante” viver sob um regime democrático, a confiança na capacidade dos governos de oferecer resultados concretos está em queda acelerada.
Em uma avaliação do desempenho de governos em 18 áreas de políticas públicas, a nota média atribuída pelos entrevistados foi de apenas 2,77 em uma escala de 0 a 5. As maiores fontes de insatisfação dizem respeito a questões diretamente ligadas ao cotidiano: alto custo de vida, dificuldade de acesso à moradia e combate ineficaz à pobreza.
Além disso, a maior parte da população mundial associa o principal objetivo da democracia à melhoria das condições materiais de vida — percepção registrada em 52% dos países pesquisados. Em proporções bem menores, surgem como finalidades centrais a proteção das liberdades individuais (16%) e o direito de escolher governantes (19%).
Essa frustração se intensifica diante da percepção de que governos democráticos não estão cumprindo suas promessas. Em muitos países, cresce a sensação de impotência política: parte significativa da população acredita que sua voz tem pouco ou nenhum impacto nas decisões dos governantes. Essa desconexão entre cidadãos e instituições representa um risco real à vitalidade democrática.
Entre os países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), Dinamarca, Suíça e Noruega lideram o ranking de aprovação popular. Na outra ponta, Reino Unido, Turquia e Hungria figuram entre os mais mal avaliados.
Democracia x Pragmatismo: cresce o apelo por modelos alternativos
O relatório também identifica um movimento importante, especialmente no Sul Global: sistema políticos que o índice classifica como autoritários alcançam desempenho econômico significativo — como o da China — começam a conquistar a confiança de parcelas crescentes da população.
A comparação entre sistemas políticos passa a ser pragmática: não se trata de rejeição aos valores democráticos, mas de busca por resultados concretos. A democracia continua sendo desejada, mas perde espaço quando falha em entregar bem-estar.
Segundo o DPI 2025, essa descrença se estrutura em quatro pilares principais:
- Desempenho insatisfatório: Governos democráticos não estão respondendo às expectativas em áreas essenciais como custo de vida, moradia e redução da pobreza.
- Desalinhamento entre promessas e realidade: A democracia é vista como promessa de melhoria social, mas tem falhado em cumpri-la, especialmente em contextos de crise e desigualdade.
- Sensação de não ser ouvido: Muitos cidadãos sentem que sua participação política tem pouco efeito prático, o que mina a confiança nas instituições representativas.
- Concorrência de modelos alternativos: Sistemas políticos classificados como autoritários com forte crescimento econômico passam a ser percebidos como exemplos de eficácia, ainda que à custa de liberdades civis.
Ordem global baseada em regras continua valorizada
Apesar das críticas às democracias, o apoio a uma ordem internacional regida por normas permanece elevado. Em 85% dos países pesquisados, a maioria da população concorda que os Estados devem respeitar leis e acordos internacionais, mesmo que isso limite sua liberdade de ação. Esse apoio é compartilhado por democracias e outros sistemas políticos classificados como autoritários, incluindo Estados Unidos, China e Rússia.
Na área da defesa, a maioria dos entrevistados considera que o fortalecimento de alianças internacionais deve ser a prioridade principal. Apenas dois países — entre eles, a Ucrânia — veem a manutenção ou o desenvolvimento de armas nucleares como foco principal de segurança. Polônia e China se destacam por priorizarem o aumento do investimento militar, mesmo em detrimento das parcerias internacionais.
Quando questionados sobre a disposição de defender seu país em caso de ataque, 69% dos entrevistados na região MENA (Oriente Médio e Norte da África) disseram que estariam dispostos a lutar — o índice mais alto registrado. Curiosamente, esse sentimento é mais forte em sistemas políticos classificados como autoritários (59%) do que em democracias (45%).
Na Europa, a percepção sobre gastos militares é dividida. Países como Ucrânia, Polônia e Noruega apoiam aumentos no orçamento de defesa, mesmo que isso implique mais impostos ou cortes em outras áreas. Já na Itália, França e Áustria, prevalece a resistência a esse tipo de investimento.
Sobre o DPI 2025
O Democracy Perception Index (DPI) 2025 é a maior pesquisa global sobre a percepção pública da democracia, conduzida anualmente pela Alliance of Democracies Foundation em parceria com a Latana/Nira Data. Nesta edição, foram entrevistadas mais de 110 mil pessoas em 100 países, cobrindo mais de 90% da população mundial.
Entre os principais achados desta edição:
- Apoio à democracia permanece alto: 72% consideram “muito importante” viver sob um regime democrático.
- Desempenho insatisfatório: A nota média dada aos governos em 18 áreas de políticas públicas foi de apenas 2,77 (de 0 a 5), com destaque negativo para custo de vida, moradia e combate à pobreza.
- Crise de representatividade: A maioria dos entrevistados sente que suas vozes têm pouco impacto nas decisões políticas.
- China supera os EUA em imagem global: Pela primeira vez, mais países avaliam positivamente a China (+14%) do que os Estados Unidos (-5%).
- Pragmatismo sobre liberdade: A democracia continua valorizada, mas cresce a preferência por modelos que entregam resultados concretos, mesmo que autoritários.
O relatório indica uma fadiga democrática global, marcada pela desilusão com a capacidade dos regimes democráticos de atender às expectativas sociais, ao mesmo tempo em que modelos alternativos, como o da China, ganham prestígio internacional.
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