Destruição da educação e da pedagogia

Destruição da educação e da pedagogia

CNE se reúne hoje com entidades da área

O  Conselho Nacional de Educação convidou as entidades da área educacional para uma reunião com o objetivo de se manifestarem a respeito da  revisão da  Resolução CNE/CP n. 2/2006 que trata das Diretrizes Curriculares para o curso de Pedagogia. Estarão presentes nesta reunião, a realizar-se hoje, a ANFOPE, ANPAE, ANPED, FORUMDIR, CEDES e a ABdC.

Vale lembrar que o CNE deu inicio à revisão dos Cursos de Pedagogia logo após a aprovação da BNC da Formação Inicial, em novembro de 2019. Em fevereiro de 2020 é criada a Comissão Bicameral para Revisão das Diretrizes Curriculares Nacionais do curso de Pedagogia, da qual faziam parte os conselheiros Luiz Curi (presidente) , Ivan Claudio (relator), e Antonio Carbonari, Aléssio Lima, Maria Helena Guimarães, Francisco Soares e Mozart Ramos. 

Recomposta em 11 de setembro, tem na presidência o Prof. Luiz Curi e como relatora a Profa. Maria Helena G. Castro, atual presidente do CNE. Reunida em novembro no Conselho Pleno, teve como participantes apenas especialistas convidados, sem participação de entidades da área especialmente a ANFOPE – que vem se dedicando há 40 anos à construção coletiva de proposições para a formação dos profissionais da educação – e as Faculdades de Educação, responsáveis pela licenciatura nos Cursos de Pedagogia e pela produção acadêmica e cientifica no campo da educação e das ciências pedagógicas, imprescindíveis na formação de professores em todas as licenciaturas.

Neste momento, já definidas as normatizações e a BNC da Formação Inicial e a da BNC da Formação Inicial, e em processo de consulta pública a Matriz Nacional Comum de Competências do Diretor Escolar, a revisão das DCNs para o Curso de Pedagogia pela Res 01/2006 coloca no centro das atenções a defesa do estatuto epistemológico da educação e das escolas públicas da educação básica básica assim como a formação de seus profissionais.

Estas discussões nos mobilizam desde 68/69 quanto o então CFE tenta separar a formação dos professores da formação dos “especialistas” e conseguimos barrar esta proposição. No período de regulamentações pós-LDB, as mesmas propostas são retomadas, com a proposta de criação dos ISES/Curso Normal Superior em contraposição às Universidades/Faculdades de Educação/Curso de Pedagogia sendo novamente derrotadas pela ação das entidades, das faculdades de educação e dos estudantes.

Com o golpe de 2016, no quadro das reformas neoliberais impostas e do desmonte e destruição das politicas educacionais construidas e implementadas de forma democratica, retornam ao MEC e ao CNE, os autores e atores desta proposta os quais, de forma acelerada e autocratica, revogam as DCNs de Formação de Professores aprovada em 20015 e aprovam, em 2019 as DCNs para Formação de Professores (BNC da Formação) e agora a Matriz de Competências do Diretor Escolar, na contramão do que vimos construindo há 40 anos.

Por essa razão, defendemos que este processo de revisão seja realizado através de amplo debate nacional, com a participação ativa das Faculdades de Educação, das entidades cientificas e acadêmicas do campo da formação de professores, e das entidades representativas dos professores da educação básica e de estudantes das licenciaturas.

Nossa mobilização e debate intenso com todos os segmentos é a única alternativa para derrotar estas ideias e concepções que colocam em risco a educação e a escola pública, comprometendo a formação dos profissionais que atuam na educação básica e da infância e juventude.

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CNE indica os caminhos para a destruição da educação e da pedagogia

Ao apresentar sua proposta de revisão das Diretrizes Curriculares Nacionais para os Cursos de Pedagogia (leia aqui), o CNE oferece claras evidências do processo de destruição das Faculdades de Educação, responsável pelo desenvolvimento da investigação no campo da educação e da pedagogia e pela formação dos quadros do magistério no interior das Instituições de Ensino Superior, hoje na mira dos reformadores empresariais e das politicas educacionais de caráter neoliberal desenhadas pelo CNE.

Ao enfatizar mais uma vez uma concepção de caráter técnico-instrumental e fragmentado da formação, diferenciando percursos na formação de professores e dos Profissionais da Educação especialistas, aprofunda o não explicito na Res, 02.2019, mas já anunciado pela ANFOPE – Associação Nacional pela formação dos Profissionais da Educação – , em seu XX Encontro Nacional realizado em fevereiro deste ano: o retorno da proposta de bacharelado que na proposta apresentada se materializa parcialmente pela criação das complementações /habilitações.

Arvorando-se em supremo sábio, o CNE, como instancia de estado que se transformou em instância de governo, ao trazer para suas câmaras quase exclusivamente representantes do setor empresarial, religiosos e do setor privado, deixa de cumprir sua responsabilidade institucional de zelar pelo desenvolvimento plural e democrático da educação nacional.

Sem qualquer referência ao grave quadro que assola a educação pública e suas escolas desde o inicio da pandemia, apresentou sua proposta desgarrada de uma análise das condições de trabalho e de vida dos professores e dos estudantes assim como do agravamento destas condições e aprofundamento das desigualdades sociais que impactam e reforçam a desigualdade educacional em um círculo vicioso e perverso de degradação das condições de formação oferecida aos nossos estudantes.

Coube às entidades cientificas e academicas ali presentes, a denúncia do quadro de privatização da formação de professores pelo crescimento exponencial do ensino superior privado e a oferta de cursos à distância e noturnos principalmente para as licenciaturas, uma situação que vem sendo denunciada desde a década de 90 pelos estudiosos, pesquisadores e as diferentes entidades academicas e sindicais do campo da educação.

A proposta apresentada fere duramente a autonomia didática e científica das Universidades públicas e particularmente as Faculdades de Educação, no que tange a responsabilidade institucional cientifica e acadêmica sobre seu único curso – o curso de Pedagogia – , impedida de ser exercida na estruturação de seu currículos tanto da graduação quanto na pós graduação.

Por outro lado, sinaliza para uma reformulação de todos os cursos de licenciatura que formam os profissionais da educação básica e não apenas dos cursos de Pedagogia, histórico objeto de desejo de vários de seus membros desde a década de 80. Como já vimos analisando, está em curso a retomada de propostas que foram superadas com a LDB – como a própria concepção de diretrizes curriculares criadas em oposição à concepção até então em vigor, de currículo mínimo. Nos toma a certeza de que teremos a velha idéia de currículo mínimo, para maior controle do que se ensina e como se ensina também no ensino superior.

Mais ainda, o CNE leva à frente a reforma do ensino superior no campo da formação de professores já tentada no período pós-LDB. Ao impor o (re)desenho dos currículos e dos espaços de formação no interior das IES, interfere em sua estrutura acadêmica e cientifica e o que é mais grave, com impactos sobre o caráter do trabalho universitário na graduação e na pós-graduação uma vez que a BNC da Formação se estende também à formação continuada o que inclui portanto, a pós-graduação oferecida aos professores da educação básica, em um estreito alinhamento – ou Coerência Sistêmica da formação em todo e qualquer espaço, com a BNCC da educação básica.

A análise inicial da “proposta” apresentada ontem à área como inicial e não formalizada em Parecer, como é usual, evidencia o alinhamento das normatizações que orientam as diferentes diretrizes e matrizes de competência para a formação dos profissionais do magistério da educação básica nos cursos de pedagogia, às regulamentações e normatizações para as licenciaturas especificas nas áreas de conhecimento, hoje contempladas nas Diretrizes Curriculares Nacionais dos Bacharelados específicos.

A reforma universitária no campo da formação segue seu curso, com a revisão de todas as diretrizes para as licenciaturas no interior das DCNs de cada bacharelado.

Identificamos neste primeiro momento, dois pontos centrais da proposta:

1. A ruptura com a concepção de formação da infância de 0 a 10 anos que tem orientado os pesquisadores e professores que atuam na educação infantil nas ultimas décadas.

A proposta do CNE é a criação de percursos curriculares diferentes e diversificados para a formação dos professores de Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental, a partir de um “tronco comum” de componentes curriculares: uma “base comum e uma diversificação nas seguintes habilitações docentes:

a) Licenciatura Multidisciplinar em Educação Infantil; e

b) Licenciatura Multidisciplinar em Ensino Fundamental com ênfase em Alfabetização, assim disposta com sua cara horária:

Etapa Comum : 1.600 horas para a Base Comum (Base Nacional Comum de Formação).

Etapa de Habilitação Docente: 1.600 horas para os objetos de conhecimento e conteúdos específicos das áreas para cada Licenciatura ( E. Infantil e Anos Iniciais).

Na etapa de Habilitação Docente devem ser desenvolvidas as matrizes específicas.

2. A criação de trilhas diferenciadas para professores, especialistas separadas da formação do diretor, cria e aprofunda a desigualdade profissional no interior da escola e rompe o principio da gestão democrática.

Na proposta ainda em discussão do CNE, a formação para a gestão passa a ser uma complementação curricular para as funções de coordenação pedagógica e orientação educacional, com a exigência de 400 hs para cada uma das complementações. Tal proposição significará maior carga horária na formação inicial – um tempo que os estudantes trabalhadores não têm – gerando portanto maior desigualdade na formação assim como a separação entre os professores “dirigentes” dos professores “dirigidos” na compreensão da totalidade do processo de organização do trabalho pedagogico que se desenvolve na escola pública.

A proposta de formação para a gestão do trabalho pedagógico que está em curso – a julgar pela Matriz Nacional de Competências do Diretor – , não incluido nesta revisão das DCNs da Pedagogia, retoma as velhas “habilitações” para cada uma das funções pedagógicas no interior da escola, acentua a fragmentação e a parcelarização do trabalho, ao retirar da formação de todos os estudantes os fundamentos educacionais e e pedagógicos do trabalho de gestão dos sistemas – direção e supervisão educacional, não apontadas como possiveis complementações. Além de abrir caminho para cursos especificos de formação de Diretores dentro ou fora das IES.

Cabe portanto aqui, uma ultima observação em relação à proposta que se desenha ao analisarmos estas (re)configurações do curso de Pedagogia: a retomada de um bacharelado no interior do Curso de Pedagogia – não explicitada na proposta a nós apresentada – não está fora das cogitações mas certamente já desenhada e elaborada

Importante lembrar aqui que a Resolução CNE/CP de 02.2015, revogada pela Res. 02.2019 havia avançado no sentido de incluir a formação para a gestão da escola como componente inseparável da formação para a docência de todos os licenciandos, considerando a formação inicial e continuada como parte de um processo organicamente articulado de formação e profissionalização permanente de todos os professores.

A ênfase nas matrizes especificas e a centralidade da noção de competências desde a formação – para as Habilitações Docentes na EI e Anos Iniciais, para o Diretor e certamente, para todas as licenciaturas e para as demais funções no interior da escola e dos sistemas – compõe o ciclo que caracteriza as propostas neoliberalizantes em curso: padronização dos currículos , meritocracia (evocada na reunião de ontem) e responsabilização – certificação de competências de professores e gestores e acreditação das instituições formadoras. A continuar a politica de entrega da formação continuada e de escolas públicas à gestão de OS e das fundações empresariais, veremos o aprofundamento do processo de privatização da educação pública com a entrega da formação da infância e da juventude à lógica concorrencial e meritocrática do mercado.

Sabemos todos nós que a superação destas idéias e proposições não se dará no interior do atual governo pois fazem parte de um projeto que gerou o golpe de 2016 para poder se desenvolver em águas tranquilas.

Neste momento portanto, cabe a nós, professores, estudantes, articulados em nossas entidades, frear pela resistência ativa, este ataque à educação, à pedagogia e às faculdades de educação, que representa o caminho para a destruição da escola e da educação pública. Esta escola pública estatal, laica, democrática, gratuita e gerida com recursos públicos e com a qualidade referenciada nas necessidades formativas da infância e juventude filhos da classe trabalhadora que dela necessitam para enfrentar a lógica meritocrática, individualista e excludente que a ronda na atualidade.

 

De volta ao passado? MEC/CNE e a certificação de diretores e gestores

A recente divulgação da Proposta de Matriz Nacional Comum de Competências do Diretor Escolar, disponibilizada para consulta pública no site do CNE, conforme divulgamos em nosso último post de 05 de janeiro, retoma discussões travadas desde os anos 80 quando os embates teóricos e práticos sobre as relações entre as competencias técnicas e o compromisso politico assim como a preponderância de uma dimensão sobre a outra nos processos de formação dos profissionais da educação.

Entretanto, a forma como vem se desenvolvendo estas regulações, por um CNE hoje ocupado pelos reformadores empresariais em suas fundações educacionais, pelas igrejas e por setores conservadores, vem deixando a cada dia mais evidente e real a reforma profunda da concepção de formação dos profissionais da educação construida desde final da década de 70 pelo movimento dos educadores assumida principalmente pela ANFOPE – Associação Nacional pela Formação dos Profissionais da Educação – e materializada nos projetos de licenciatura implementados nas IES públicas desde os anos 80.

No centro desta concepção, está a formulação que a docencia é a base da formação de todos os profissionais da educação – professores e especialistas – não podendo ser dicotomizadas e atomizadas estas formações em quaisquer dos polos.

Com a Res. 02.2015 que instituiu as DCNs da Formação dos Profissionais dos Profissionais do Magistério da Educação Básica, avançamos para incorporar à formação de todos os licenciandos – nos cursos de Pedagogia e nas licenciaturas das áreas especificas – a formação para a gestão, definindo o que entendemos como profissionais do magistério e as bases de sua formação:

Os profissionais do magistério da educação básica compreendem aqueles que exercem atividades de docência e demais atividades pedagógicas, incluindo a gestão educacional dos sistemas de ensino e das unidades escolares de educação básica, nas diversas etapas e modalidades de educação (educação infantil, ensino fundamental, ensino médio, educação de jovens e adultos, educação especial, educação profissional e técnica de nível médio, educação escolar indígena, educação do campo, educação escolar quilombola e educação a distância), e possuem a formação mínima exigida pela legislação federal das Diretrizes e Bases da Educação Nacional.  (Art. 3º § 4º)

Esta formulação foi negada pela Res. 02.2019, que reduz o alcance das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação Continuada para os professores , trazendo agora para a aprovação, a já referida Matriz Nacional Comum de Competências do Diretor Escolar .

Fica claro, portanto, que esta dicotomia na formação dos profissionais da educação básica implicará na alteração radical dos cursos de Pedagogia, de modo a contemplar percursos ou alternativas separadas para a formação de diretores e professores da educação básica.

Para (re)iniciarmos este debate, agora posto sobre novas bases no quadro das politicas educacionais em curso, especialmente no âmbito da formação dos profissionais da educação, definidas pelo CNE desde 2017, agora situados de forma dicotômica formação de professores e formação dos diretores, retomamos aqui um artigo de 2002 no qual analisamos as concepções então em disputa no quadro das discussões da LDB e das politicas neoliberais do governo FHC, hoje retomadas de forma aprofundada e destrutiva, pelo CNE.

Confirma-se, assim, o objetivo central desta política, denunciado pela área desde a promulgação da LDB, que é o de retirar das faculdades/ centros de educação nas universidades a responsabilidade pela formação de professores, educadores para atuar em todas as esferas da educação básica. Pelo seu papel histórico na produção do conhecimento crítico da educação, nas atuais determinações legais as faculdades de educação têm sido alijadas intencionalmente de todas as políticas relativas à formação de professores – inicial e continuada. A confirmar-se esta intenção por novas determinações legais, aos cursos de pedagogia caberia exclusivamente a formação do bacharel, caracterizando o retorno à fragmentação das habilitações e a separação da formação de professores da formação dos demais profissionais da educação.

Os mentores intelectuais destas concepções, no campo da educação e da pedagogia, acabam fortalecendo tanto o MEC quanto o CNE na implementação das novas concepções do perfil necessário de professores e especialistas na realidade atual da reforma educativa. Com isso, tentam introduzir novamente no campo da escola, sob o manto do pesquisador e cientista da educação, as antigas tarefas do “especialista” supervisor e gestor, agora sobre novas bases, determinadas pelas políticas da reforma educativa que deve “ancorar-se” obrigatoriamente em cada sala de aula.

Ao afirmarem a existência de diferenças qualitativas entre as duas formações – a de pedagogo e a de professor – os autores reduzem os saberes e as especificidades do profissional docente a tarefas menos nobres que aquelas destinadas aos que dominam a ciência pedagógica e a ciência da educação, os pedagogos (Franco, 2002). As especificidades da pedagogia defendidas por esses autores deveriam, na ótica do movimento dos educadores, ser ampliadas como componentes da formação de todos os professores. Somente a política de desqualificação da formação, de degradação e desmantelamento das instituições públicas universitárias e de expansão desqualificada do ensino superior, aliada aos baixos salários, à desvalorização do magistério e às péssimas condições de trabalho dos professores, constitui-se em impeditivo para que a formação de todos os professores alcance os níveis de qualidade superior defendidos por esses setores para desenvolver-se exclusivamente em cursos de bacharelado de pedagogia.

Com isso, estão criadas as condições teóricas e práticas para o surgimento dos novos “capatazes da educação” (Freitas, 1999), aqueles que, formados sobre bases teóricas mais sólidas no campo específico da teoria pedagógica, tornam-se aptos para orientar os pobres “professores tarefeiros”, que por suas condições materiais de existência se defrontam com a impossibilidade de se superarem em sua formação teórica. Aqueles terão condições de compreender, organizar, supervisionar e avaliar (principalmente avaliar) o processo pedagógico e o trabalho destes docentes nas instituições escolares. Formados em espaços distintos, sob condições desiguais, submetidos a desafios teóricos de qualidade diferenciada, divididos no trabalho pedagógico da formação de nossas crianças, jovens e adultos, mas… compartilhando o mesmo espaço educativo, resta-nos indagar: Que projeto de escola se concebe a partir desta divisão do trabalho?

 

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