Dignidade humana e aposentadoria

Dignidade humana e aposentadoria

Dignidade humana e aposentadoria

22/05/2025

 

 

 

Por JOSÉ ORLANDO SCHÄFER*

Quero fazer, com vocês, uma reflexão sobre Dignidade Humana. Trata-se de um tema sagrado e importante. Sagrado, pois diversas crenças religiosas acolhem a dignidade como sendo da essência do ser humano, e importante, pois ela, atualmente, é fundamental para a estrutura de todos os direitos. Ela está presente, de forma expressa ou não, em muitos textos legais, como veremos adiante.

Além da minha atuação como advogado – que exerço há quarenta anos –, venho me dedicando ao estudo da dignidade humana há um bom tempo. Um tema que é, ao mesmo tempo, simples e complicado. Realizei o meu Mestrado em Direito abordando esse tema e escrevi dois livros a respeito da dignidade humana para entendê-la e explicá- la. E ainda tenho a impressão de que o meu conhecimento é limitado. Trata-se, com certeza, de um assunto de grande complexidade.

Contudo, vou explicá-lo de maneira simples, para que vocês, sobre ele, compreendam o essencial. Acredito que é fundamental que todos tenham conhecimento sobre o tema, a fim de apoiar a valorização da Dignidade de cada indivíduo e contribuir para que ela se torne uma realidade em nossa sociedade. Para que ela deixe de ser letra morta nas nossas leis. Tenho investido muito tempo em compartilhar com as pessoas o entendimento sobre a Dignidade Humana.

Pois bem, ao abordarmos o conceito de Dignidade Humana, é fundamental, inicialmente, esclarecer o que esse termo não representa sob o ponto de vista jurídico, para podermos entender corretamente o seu verdadeiro significado.

Inicialmente – na Idade Média – a expressão Dignidade era frequentemente empregada no contexto de dignitas, que se referia a uma distinção ou reconhecimento concedido a certas pessoas com base em suas realizações. No entanto, não é nesse sentido que devemos considerar o termo atualmente.

Um segundo sentido aparece quando comentamos frequentemente: fulano não se valoriza, ele carece de dignidade. No entanto, essa também não é a interpretação correta que devemos ter dessa ideia.

Começamos a nos aproximar da ideia de Dignidade quando buscamos inspiração nos ensinamentos religiosos, de muitos matizes, que defendem que todos os seres humanos têm algo de sagrado por serem, todos, filhos de Deus. Aqui, as religiões começaram a defender a existência de uma igual dignidade em todos os seres humanos. E mais do que isso: passaram a defender a ideia de que essa Dignidade seria inerente ao ser humano.

Depois, filósofos – como, v.g., Kant – também passaram a defender a presença da Dignidade em todos os seres humanos, por serem, estes, um fim em si e não meios para que outros possam alcançar os seus fins.

Contemporaneamente, uma forma simples de entender esse conceito de Dignidade Humana é considerá-lo como um Direito que possui, pelo menos, dois elementos fundamentais:

A) o primeiro, referente ao indivíduo como uma entidade única: portanto, garantir a Dignidade implica respeitar a individualidade e a sua privacidade, liberdade, intimidade, crenças, opiniões; e

B) o segundo, relativo à percepção de cada indivíduo, vejam só, como um ser que é necessariamente social. Essa perspectiva implica o Direito de ele:

a) Viver e interagir com os outros e de maneira frutífera;

b) Basear essa interação em valores de justiça e equidade;

c) Estar envolvido nas atividades sociais, comunitárias e do Estado;

d) Ter garantido – pelo Estado e pela comunidade – um mínimo de condições para a vida.

Esclareço que, para o filósofo Marshall Rosemberg, esse mínimo ético da Dignidade Humana tem o seguinte conteúdo: 1º Sustento – necessidades físicas básicas, como ar, comida, água, moradia; 2º Segurança (proteção); 3º Amor; 4º Empatia; 5º Diversão, entretenimento; 6º Uma comunidade, integração social; 7º Criatividade; 8º Autonomia – de escolher o próprio modo de viver; 9º Necessidade de sentido, de propósito/ de contribuir com a vida, de contribuir com/para um mundo melhor.

Esse Direito, que denominamos Dignidade, está claramente garantido na Declaração Universal dos Direitos Humanos, proclamada pela Assembleia Geral das Nações Unidas (Resolução 217 A III) em 10 de dezembro de 1948. Nela, a Dignidade é inerente ao ser humano.

Ademais, nossa Constituição Federal também estabelece, em seu artigo 1º, inciso IV, que a sociedade e o Estado brasileiros devem se pautar pelo respeito à Dignidade Humana. A partir do art. 1º da Constituição Federal, concluo que todo o corpo legal contido em nossa Constituição Federal foi concebido para assegurar a dignidade entre nós.

Destaco três artigos presentes em nossa Constituição Federal que comprovam essa assertiva:

a) Proteção da individualidade (art. 5º);

b) Direito à igualdade e ao mínimo necessário para viver (art. 6º); e

c) Participação na esfera política (art. 14).

Tudo o mais, na nossa Constituição Federal, é uma tentativa de realizar o que está prometido nos artigos citados. Também inúmeras leis impõem a observância e a realização da Dignidade Humana. Por isso, em minhas pesquisas, cheguei a uma importante conclusão: no atual contexto constitucional, o Direito – na totalidade – deve ser entendido como um processo para a realização da Dignidade Humana, isto é, todas as Leis devem existir para garantir a Dignidade.

Cito alguns exemplos:

a) O Estatuto da Criança e do Adolescente foi criado para proteger e promover a Dignidade das Crianças e dos Adolescentes;

b) O Código de Defesa do Consumidor visa a garantir a proteção e a dignidade do consumidor;

c) A Lei Maria da Penha visa a proteger a mulher e garantir sua dignidade;

d) O Direito do Trabalho busca a proteção e a realização da dignidade do trabalhador. E assim por diante.

Nesse sentido, o Estatuto da Pessoa Idosa (Lei 10.741/2003) é uma legislação voltada para a proteção e a promoção da dignidade das pessoas idosas, que hoje já são 31 milhões de brasileiros.

A aposentadoria está diretamente relacionada ao envelhecimento. Atualmente, quase todos os aposentados têm, também, mais de 60 anos. O envelhecimento é uma parte inerente à vida e deve ser protegido como um direito social. E a aposentadoria é a primeira – mas não a única – maneira de proteger a velhice.

Por um lado, é bom envelhecer! O quanto o envelhecimento pode nos doar aprendizados sobre a vida! Não sei muito bem como explicar isso. Talvez Cícero tenha razão: precisamos saber   envelhecer. Nesse sentido, envelhecer é uma arte e, como toda

arte, envelhecer exige cuidado, dedicação, disciplina, atenção e amor. Por isso, Cícero dizia (há 2070 anos): “o exercício físico e a temperança permitem conservar, até a velhice, um pouco da resistência de outrora” e acrescentava ainda que “não basta estar atento ao corpo; é preciso ainda mais se ocupar do espírito e da alma”.

No entanto, o envelhecimento do corpo humano o torna mais vulnerável, o que torna a proteção necessária. Por isso, a nossa Constituição Federal, no seu artigo 230, dispõe que:

É dever da família, da sociedade e do Estado apoiar as pessoas idosas, garantindo sua participação na comunidade, protegendo sua dignidade e bem-estar, e assegurando-lhes o direito à vida.

Já o Estatuto da Pessoa Idosa reflete essa preocupação constitucional com a proteção das pessoas dessa faixa etária . Observemos o artigo 3º desse Estatuto:

É responsabilidade da família, da comunidade, da sociedade e das autoridades públicas garantir à pessoa idosa, com total prioridade, a realização do direito à vida, saúde, alimentação, educação, cultura, esporte, lazer, trabalho, cidadania, liberdade, dignidade, respeito e convivência familiar e comunitária.

Portanto, ao analisarmos o Estatuto da Pessoa Idosa, em sua totalidade, perceberemos que ele consiste em um conjunto de normas jurídicas destinadas a salvaguardar os direitos das pessoas mais velhas e garantir o respeito à sua dignidade.

Nesse contexto, em primeiro lugar, garantir a dignidade significa buscar assegurar a individualidade e, pois, a sua intimidade, liberdade, saúde. Em segundo, assegurar a dignidade significa garantir a sua condição social:

a) Promover relacionamentos produtivos;

b) Assegurar que esses relacionamentos sejam pautados por princípios de justiça e igualdade;

c) Fomentar a participação nas atividades sociais e do Estado;

d) Assegurar o mínimo existencial (Família, Estado e sociedade em geral).

Vejam, nesse sentido, o art. 2º do Estatuto da Pessoa Idosa:

A pessoa idosa goza de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhe, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, para preservação de sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade.

Como foi exposto até aqui, a dignidade humana está consagrada em vários documentos legais importantes.

No entanto, também observamos que a dignidade humana é, frequentemente, desrespeitada em nosso dia a dia. Mas isso não pode servir de motivo para desânimo. Pelo contrário, acredito que podemos enfrentar essa questão, fundamentalmente, por meio do conhecimento, do esclarecimento, da educação e da solidariedade!

Antes de mais nada, mediante um entendimento mais amplo acerca da condição humana (ser social e frágil): este só pode se desenvolver em uma convivência respeitosa (e amorosa) com os outros seres humanos. Depois, mediante a compreensão, dentro do possível, do projeto político aprovado pela nossa Constituição de 1988, para que, o conhecendo em todas as suas dimensões, se possa exigir o seu cumprimento, a sua efetivação.

Observo que a Constituição Federal de 1988 foi a primeira Constituição brasileira a incorporar a DIGNIDADE HUMANA como um alicerce da sociedade e do Estado e que, para realizá-la, estabeleceu uma Democracia Social no Brasil. Dignidade Humana e Democracia Social andam de mãos dadas. Portanto, entre nós, a ideia de Dignidade Humana como um Direito é nova e, talvez, por isso, pouco compreendida.

Como já mencionei alhures, a partir da ideia de Dignidade Humana, instituiu-se no Brasil um Estado Social Liberal que garante, de um lado, a individualidade (liberdade) e, de outro, a igualdade entre as pessoas e um mínimo ético existencial.

É por essa razão que dispomos do DIREITO ao SUS, ESCOLAS PÚBLICAS, CRECHES PÚBLICAS, UNIVERSIDADES PÚBLICAS, PREVIDÊNCIA SOCIAL PÚBLICA, LOAS, SEGURO- DESEMPREGO, PARTICIPAÇÃO NAS ATIVIDADES DO ESTADO, APOSENTADORIA POR CONTRIBUIÇÃO SOLIDÁRIA, SALÁRIO MÍNIMO, ENTRE OUTROS.

A plena realização desse Estado de Bem-Estar Social pode ser alcançada por meio da educação e de um conhecimento mais abrangente sobre a vida.

Para tanto, todas as instituições devem atuar para que esse conhecimento seja compartilhado e levado a todos os cantos, para que, assim, um dia possamos nos transmutar, de uma sociedade marcada pela violência, pela exclusão e pela pobreza, para uma sociedade da Dignidade e do amor fraterno.

E vocês, pessoas idosas, que estão lendo esse texto, não pensem que não têm mais nada para contribuir. Têm sim! O envelhecimento trouxe, é verdade, mais fragilidade para todos. Às vezes, o corpo dói e até a memória falha. Mas o envelhecimento trouxe, também, muita sabedoria. E a verdadeira sabedoria indica que, para que cada indivíduo possa viver a vida em sua plenitude, é fundamental, também, que os demais tenham, igualmente, essa oportunidade. A dignidade de cada um é reafirmada, cada vez mais, pela afirmação da dignidade do próximo.

E não podemos esquecer o que está estabelecido no parágrafo terceiro do art.10 do Estatuto da Pessoa Idosa:

É dever de todos zelar pela dignidade da pessoa idosa, colocando-a a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor.

Portanto, cuidem da saúde física e mental de vocês. O cuidado de si é o primeiro e mais importante compromisso que cada ser humano deve ter. Cuidem, também, da saúde física e mental dos outros e, também, cuidem do mundo que vos cerca! Somente assim a vida pode ser vivida na sua plenitude.

Muitas religiões já disseram algo muito parecido. No entanto, concluo minha intervenção lembrando da lição de Baruch de Espinosa, filósofo racionalista do século XVII.

Espinosa via o ser humano com otimismo e dizia que nada existe de mais útil para um ser humano do que outro ser humano. E mais: dizia ele que, para ser feliz, a pessoa deve ser ativa, pois, quanto mais ativa ela for, mais esclarecida ela será e, quanto mais esclarecida ela for, mais os outros serão esclarecidos. Assim, consequentemente, chegaríamos a uma sociedade de pessoas esclarecidas: para o filósofo, esse é o caminho a ser trilhado para que uma sociedade possa ser feliz.

Sejam, portanto, ativos e esclarecidos! Somente assim a velhice e a aposentadoria poderão ser vividas de forma plena. Somente assim cada um poderá ser feliz. (José Orlando Schäfer, 61, advogado, escritor, Mestre em Direito e integrante da Academia de Letras do Noroeste do R


*José Orlando Schäfer é advogado, Escritor, Mestre em Direito e integrante da Academia de Letras do Noroeste do Rio Grande do Sul.

Foto de capa Reprodução

 

FONTE:

https://red.org.br/noticias/dignidade-humana-e-aposentadoria/?fbclid=IwY2xjawKco7FleHRuA2FlbQIxMQBicmlkETFUYT
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