Direito à Ignorância
Direito à Ignorância
Raquel Varela
O que é a escola? A escola é um lugar onde se ensina intencionalmente (sim, com intenção) o melhor do conhecimento produzido pela humanidade (sim, conhecimento formal, científico e não espontâneo); ensinar é uma actividade consciente e planeada (planeada, sim, leram bem), não se dá por estados mas por saltos qualitativos que devem sempre ter em conta não o que a criança sabe, para isso não precisa de escola, mas o que em determinada altura e por “imitação” dos adultos pode vir a saber. Imitação virou outro palavrão, junto com a memória. Imitação para Vigotsky não é imitar a aparência do conhecimento, mas os seus fundamentos. Imitação não é imitar o aparente. É imitar o melhor que sabe o adulto, que é responsável pela criança. É a sua direcção. É aprender, com ele, que tem a responsabilidade de ensinar à criança e jovem o melhor do conhecimento fundamental imitando-o – ele faz esta conta, eu faço-a com ele, eu leio com ele este livro, até o compreender sozinho, porque ele me ensina. E eu assim não me torno um autómato – pelo contrário, eu passo a conseguir fazer essa conta e ler, até que um dia consigo fazer por mim sozinho sem imitar, e dou saltos de aprendizagem (e não estados). Autómato é quem não aprende, e se sujeita por isso a quem aprende. Para quem quiser entrar no maravilhoso mundo da psicologia e do psiquismo humano e perceber o estado a que nos trouxe o “aprender a aprender” leiam os textos de Newton Duarte sobre Vigotsky, e em crítica de Piaget, estão em acesso livre na net. Para a escola que queremos leiam tudo o que o gigante professor Demerval Saviani escreveu (ele é pequenino de estatura na verdade, mas o melhor e mais brilhante teórico da educação). Ambos são marxistas, o professor Saviani veio do seminário jesuita para o marxismo e fundou a Pedagogia Histórico-Crítica, que a mim me trouxe luzes (iluminou o saber). A escola de Vigotsky é o mais longe que foi a pedagogia até hoje – e é claro dentro da área da psicologia estudado por todos, incluindo por quem discorda. É um marxista, fundador da psicologia soviética (com Luria, Leontiev etc), todos proibidos, perseguidos ou ostracizados por Estaline.
O corolário do saber espontâneo, onde o professor cuida mas não ensina nem exige, e sofre, é o da criança que aprende o que pode, é o dos professores que não se chateiam, a culpa é dos miúdos, deixaram de a forçar (com pedagogias de ensino e não de mediação) a aprender porque isso é uma “violência”. Passámos da reguada – política de um ensino ditatorial sem pedagogia – , à “liberdade ” de ser ignorante, livres para não saberem nada. É isso que espelham também os rankings. O eduquês de Nuno Crato ficou a meio de caminho – não conseguiu relacionar estas pedagogias com o capitalismo e ainda usou o eduquês e o prestígio que tinha entre professores para os massacrar mais, piorando tudo. Basicamente a crítica a Piaget veio com o liberalismo do trabalho precário e ainda mais mal pago, tudo verificado por exames e rankings, e a cereja no bolo é a avaliação de desempenho de Maria de Lurdes Rodrigues. Foi o fim de um edifício já em queda. O domínio destas pedagogias espelham outro tema – os pais destes miúdos não acreditam na mobilidade social. Pensam, sem pensar e assumir, “porque vou chateá-lo com o telemóvel, arranjar uma discussão, perguntar-lhe o que estudou, se ele não vai a lado algum mesmo?”
E aqui entra outro tema – o da sociedade. Estudar com que objectivos? Aí sim, é preciso debater a economia do país. Mas Piaget tem sido um anjo para professores (e pais) exaustos que não ensinam, nem exigem nada aos alunos e filhos – a culpa é da criança e do seu desenvolvimento atrasado. E assim, entregamo-los ao mundo. Ignorantes mas atrevidos, porque se não sabem é porque, como cantava a Gabriela, são naturalmente assim. Os posts que vou colocando aqui são de divulgação e por isso simplificam as teorias pedagógicas (às vezes faço caricaturas, ou uso metáforas para as explicar)- quem queira deve fazer um esforço para aprofundar estes temas nas leituras originais que deixei acima. Merecem o vosso tempo porque ali percebemos como sabemos tanto para resolver os problemas. Falta-nos, dizia o Almada, mudar as coisas. – “Quando eu nasci, as frases que hão-de salvar a humanidade já estavam todas escritas, só faltava uma coisa – salvar a humanidade”.