Divisão dos anos iniciais e finais do EF
Porto Alegre terá divisão dos anos iniciais e finais do Ensino Fundamental em 29 escolas das redes municipal e estadual; entenda a mudança
Veja a lista de instituições que serão afetadas
Isabella Sander - Repórter

André Ávila / Agencia RBS
As secretarias da Educação de Porto Alegre e do Rio Grande do Sul definiram uma mudança para o ano letivo de 2026 que afetará 29 escolas. Na rede municipal, 12 instituições deixarão de oferecer o 6º ano do Ensino Fundamental. A rede estadual, por sua vez, extinguirá as turmas de 1º ano do Fundamental em 17 escolas.
A reportagem de Zero Hora confirmou que a decisão impactará os seguintes estabelecimentos de ensino.
Escolas municipais:
- Antonio Giúdice
- Mariano Beck
- João Belchior Marques Goulart
- Judith Macedo de Araújo
- Jean Piaget
- João Antônio Satte
- Lauro Rodrigues
- Aramy Silva
- Gabriel Obino
- Nossa Senhora de Fátima
- América
- Martim Aranha
Escolas estaduais:
- José Garibaldi
- Antão de Faria
- General Ibá Ilha Moreira
- Araújo Porto Alegre
- Araújo Viana
- Ministro Poty Medeiros
- Bento Gonçalves
- Vinte de Setembro
- América
- Osório Duque Estrada
- Rafael Pinto Bandeira
- Baependi
- Lea Rosa Recchini Brun
- Coelho Neto
- Dr. Martins Costa Jr.
- Machado de Assis
- Piauí
As turmas de 6º ano que, antes, seriam oferecidas em escolas municipais, serão absorvidas por instituições estaduais. Com as turmas de 1º ano do Fundamental, acontecerá o contrário: eram ofertadas pelas estaduais e serão direcionadas para as municipais.
Ainda não houve confirmação formal das pastas sobre como funcionará a reorganização, mas, segundo relatos obtidos junto a escolas afetadas, trata-se de uma mudança que, gradualmente, fará com que essas escolas municipais deixem de oferecer os Anos Finais – do 6º ao 9º ano – e as estaduais interrompam a oferta dos Anos Iniciais – do 1º ao 5º ano.
A extinção aconteceria da seguinte forma nesses estabelecimentos municipais:
- Em 2026, o 6º ano deixará de ter turmas abertas
- Em 2027, não haverá mais turmas nem de 6º, nem de 7º ano
- Em 2029, nenhuma turma de Anos Finais (6ª, 7ª, 8ª e 9ª) será ministrada nessas instituições
Em nota, a Secretaria Estadual de Educação (Seduc) informou que o movimento é parte de um processo de reorganização da oferta de vagas, e garantiu que “todas as vagas dos estudantes continuam asseguradas dentro do zoneamento escolar, preservando o direito à educação e à permanência dos estudantes em unidades próximas”.
A Secretaria Municipal de Educação (Smed), por sua vez, apontou, também em nota, que a reestruturação acontece em conformidade com o artigo 211 da Constituição Federal e com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, que sinalizam que o Ensino Fundamental deve, prioritariamente, ser oferecido pelo município.
Conforme a Smed, as turmas de Anos Finais atualmente em funcionamento “serão mantidas até a conclusão do 9º ano, garantindo que todos os alunos concluam o ciclo na própria unidade escolar, sem prejuízo pedagógico ou de vínculo com a comunidade”.
Em 2023, a secretária estadual de Educação, Raquel Teixeira, já acenava com o plano de municipalizar o Ensino Fundamental. Na época, a ideia era realizar essa mudança primeiro nos Anos Iniciais, o que aconteceria até 2028, e depois nos Anos Finais.
Descontentamento
A decisão gerou descontentamento em parte da comunidade escolar, que questiona a falta de uma comunicação mais transparente e formal sobre as mudanças e a possível perda de vínculo do estudante ao mudar de colégio.
De acordo com a Associação dos Trabalhadores em Educação do Município de Porto Alegre (Atempa), diretores das instituições afetadas foram comunicados de que não deveriam planejar turmas de 6º ano para 2026.
— Todas as escolas têm um número significativo de alunos. A média é de 60 a 70 alunos do 5º ano em cada escola, que vão para o 6º ano em 2026. Vemos isso como um retrocesso, porque vamos voltar a ter escolas de Ensino Fundamental incompleto, o que, de acordo com a Constituição Estadual, não deveríamos ter — destaca Rosele de Souza, diretora da Atempa.
A Constituição Estadual indica que as escolas devem oferecer o Ensino Fundamental na sua integralidade. Em 2023, uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) foi apresentada à Assembleia Legislativa prevendo uma mudança que permitiria que uma instituição abrisse turmas apenas de Anos Iniciais ou nos finais. Esse projeto, contudo, ainda não foi votado.
A representante da entidade aponta, ainda, que as instituições municipais ficam em regiões onde há impacto do crime organizado. A situação, na visão dela, pode gerar riscos para as crianças, que terão que atravessar territórios para ir à aula.
Em nota, a Seduc e a Smed afirmaram que "ações de reordenamento são realizadas rotineiramente na gestão da rede estadual" e que estão previstas no Marco Legal da Educação Gaúcha (Lei Complementar nº 16.086/2024). Na legislação, fica estabelecido que a rede municipal "deve priorizar a oferta de vagas na Educação Infantil e nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental".
As pastas defendem que as medidas "buscam aprimorar a qualidade do ensino e otimizar a estrutura escolar, respeitando o princípio de garantia de acesso a todas as etapas da Educação Básica, ao reafirmar a cooperação e colaboração entre Estado e municípios".
Famílias
Rosele pontua que a mudança gera transtornos para famílias que têm mais de um filho e precisarão levá-los para colégios diferentes, e que alunos de inclusão serão prejudicados:
— A gente sabe que as escolas do Estado não têm salas de integração e recursos como as escolas do município. Elas também não têm os agentes de inclusão que os nossos alunos têm. Esses alunos vão sair da escola e não vão ter garantia de atendimento na sala de integração e recurso, porque no Estado só existem salas polos, e não uma em cada escola — alerta.
Aline Nectoux, 41 anos, é mãe de um menino de sete anos com transtorno do espectro autista e chegou à Escola Municipal de Ensino Fundamental Martim Aranha após duas experiências ruins em outras instituições. No ano passado, o filho frequentou a pré-escola em um colégio privado, em uma vaga obtida a partir de uma ação judicial. No início do ano, antes de conseguir matricula na rede municipal, ele foi a uma escola estadual.
— Nessas duas escolas, ele entrava, ia lá para um canto da sala e ficava jogando joguinhos, não fazia atividade. A professora dizia que ele não queria, mas em casa, comigo, ele ama fazer atividade, porque ele sabe ler e escrever. Não seria difícil para a professora estimular ele. Não é culpa da professora, porque ela não estava preparada para uma criança autista — conta Aline, destacando que na Martim Aranha ele tem toda uma rotina preparada — conta Aline.
A mãe comemora avanços do menino, que ficou mais confiante ao longo do ano. Mesmo que, para o seu filho, a mudança de escola levasse um tempo a acontecer, já que ele só deve ingressar o 6º ano em 2030, a troca de rotina prejudicaria o seu desenvolvimento.
O filho da dona de casa Inajara Nunes Machado, 33 anos, tem 11 anos e está no 6º ano, nesta que talvez seja a última turma dessa série na Martim Aranha. A comunidade, contudo, busca evitar que a alteração se concretize, e realizou um protesto no último sábado (18).
— Além dele, tenho um filho que tem paralisia cerebral e estudou na Martim Aranha do 1º ao 3º ano. Só saiu porque ele precisa fazer fisioterapia, então transferimos para um lugar onde ele pudesse fazer tudo no mesmo lugar. Fora isso, a escola nos atendia superbem. Quando ele não conseguia mais ficar em sala de aula, levavam ele para a sala de recursos. Fazer com que essas crianças saiam da escola geraria uma quebra brusca de vínculo, especialmente entre as crianças especiais — avalia Inajara.
Defensoria Pública
A Atempa, acompanhada de vereadores de Porto Alegre, reuniu-se na última terça-feira (14) com Paula Simões Dutra de Oliveira, dirigente do Núcleo de Defesa da Criança e do Adolescente (Nudeca) da Defensoria Pública do Rio Grande do Sul. A defensora encaminhou um ofício para a Smed solicitando que a pasta informasse sobre quais escolas não terão mais turmas de 6º ano em 2026.
— O que a gente percebe dentro desse processo é uma falta de transparência e de informação que gera muita insegurança e um tensionamento em toda a comunidade escolar. Logo, precisamos intervir e ver de que forma isso pode ser encaminhado da melhor forma possível, evitando prejuízos, principalmente para os alunos — ressalta a defensora pública.
Paula acionou, ainda, a comissão de educação do Conselho Tutelar, para que o órgão mantenha contato com famílias que relataram se sentirem prejudicadas pela situação.
Veja abaixo as notas na íntegra da Seduc e da Smed:
Seduc
"A Secretaria Estadual da Educação informa que, em parceria com a Secretaria Municipal de Educação de Porto Alegre, iniciou um processo de reorganização da oferta de vagas com o objetivo de qualificar a oferta educacional e aprimorar a gestão das escolas.
Como parte desse processo, foram identificadas oportunidades de melhoria da oferta dos primeiros e sextos anos do Ensino Fundamental em algumas instituições da Capital, de forma que o município amplie o atendimento dos Anos Iniciais e o Estado amplie o atendimento dos Anos Finais.
A Secretaria reforça que mantém o diálogo com os gestores e comunidade escolar, garantindo transparência e responsabilidade em cada etapa.
Importante destacar que todas as vagas dos estudantes continuam asseguradas dentro do zoneamento escolar, preservando o direito à educação e à permanência dos estudantes em unidades próximas."
Smed
"A Secretaria Municipal de Educação de Porto Alegre informa que, a partir do ano letivo de 2026, a Rede Municipal de Ensino passará por um processo gradativo de reorganização da oferta educacional, em regime de colaboração com a Secretaria Estadual de Educação (SEDUC).
O Município, em conformidade com o artigo 211 da Constituição Federal e com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN), concentrará sua atuação prioritariamente na Educação Infantil e nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental, enquanto o Estado ampliará a oferta de turmas de 6º ano do Ensino Fundamental em escolas estaduais. Essa reorganização envolve 12 escolas municipais, que passarão a ofertar exclusivamente os Anos Iniciais do Ensino Fundamental, de forma progressiva.
A implementação ocorrerá de maneira gradual e articulada: o Município ampliará o número de turmas de 1º ano do Ensino Fundamental, enquanto o Estado assumirá a abertura de novas turmas de 6º ano, assegurando o atendimento à totalidade dos estudantes e a continuidade de suas trajetórias escolares.
Nas escolas municipais em processo de transformação, as turmas dos Anos Finais do Ensino Fundamental (6º ao 9º ano) atualmente em funcionamento serão mantidas até a conclusão do 9º ano, garantindo que todos os alunos concluam o ciclo na própria unidade escolar, sem prejuízo pedagógico ou de vínculo com a comunidade.
A medida reflete o compromisso conjunto da Prefeitura de Porto Alegre e do Governo do Estado do Rio Grande do Sul com a oferta pública de qualidade, o fortalecimento do regime de colaboração e a observância das competências constitucionais de cada ente federativo."