Educação à deriva
Gregório Grisa
03 de abril 2019
A educação é uma área com inúmeros desafios, eles vão da educação infantil ao ensino superior, precisamos e podemos avançar muito na qualidade da oferta educacional no Brasil. Infelizmente as novas ondas não trazem boas novas.
Vivemos nesses primeiros meses de governo Bolsonaro um impasse, o Ministério da Educação (MEC) é objeto de disputas internas que produzem recuos e derrapadas. A Folha de São Paulo fez uma sequência no seu Twitterexplicando esse grande histórico para o curto tempo e o jornal Valor Econômico repercutiu a posição crítica do Conselho Nacional dos Secretários Estaduais de Educação (CONSED) em relação ao ministério.
Diferente do que se observava na gestão Temer, em que independente da avaliação que se fizesse das medidas tomadas, se tinha um debate programático, agora, não se consegue chegar nesse estágio. Em função da ocupação do ministério por pessoas adeptas a teorias conspiratórias (os chamados olavistas, dentre eles o ministro), sem experiência na gestão pública ou mesmo expertise na área acadêmica da educação, não se consegue ingressar nas pautas técnicas do ramo, nem mesmo para divergir.
Essa situação indica paralisia para além dos deslizes, demissões (que já custaram R$ 171 mil aos cofres públicos) e tergiversações do MEC, ela aponta para um recomeçar do zero absolutamente improdutivo para o país. Eu tenho críticas em relação a reforma do ensino médio, mas ali se tinha uma proposta feita e um debate programático estabelecido com a gestão, o mesmo pode ser dito sobre a BNCC (Base Nacional Comum Curricular) ou programas como a Residência Pedagógica e outros.
Agora é diferente, além de programas ligados a educação básica estarem paralisados, não se tem debate qualificado ou mesmo pragmático diante de coisas do tipo “Lava-Jato da Educação”, “Educação domiciliar”, “Comissão para avaliar questões do ENEM”.
A esperança de se alçar o debate a um patamar mais sofisticado poderia estar ligada a uma oposição embasada e propositiva. Quando o ministro da educação foi a Câmara do deputados foi cobrado enfaticamente por parlamentares, em especial mulheres. Um vídeo da deputada Tábata Amaral (PDT) viralizou inclusive. Foi então que a esquerda entrou em um debate fratricida sobre se a deputada era ou não “de esquerda”, reação que desanima bastante. Sobre esse fato estou bastante contemplado por esse ótimo texto das professoras Rosana Pinheiro-Machado e Tatiana Roque.
A educação brasileira tem seus problemas muito bem diagnosticados. Pesquisadores nas universidades, gestores públicos reconhecidos e entidades dedicadas a área tem o mapa do que deve ser prioridade. O artigo 8° da Lei de Diretrizes e Bases (LDB) define que “caberá à União a coordenação da política nacional de educação, articulando os diferentes níveis e sistemas e exercendo função normativa, redistributiva e supletiva em relação às demais instâncias educacionais”. Um dos desafios urgentes que temos é o de aperfeiçoar o financiamento da educação básica, nosso principal instrumento para isso se chama FUNDEB (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação), criado por lei em 2007 e cuja revisão está prevista para 2020.
Esperava-se do MEC que ele fosse o articulador não apenas da renovação do FUNDEB, mas também de sua constitucionalização e aprimoramento. Há ideias amadurecidas sobre como podemos fazer isso, nesse texto, o Movimento Todos pela Educação desenvolve bem o tema. Porém, não se viu um movimento por parte do atual ministério para propor algo ou mesmo antecipar o debate dessa pauta tão relevante e que, por estarmos em um momento fiscal deliciado, necessita de convencimento público, pois envolveria ampliação de recurso.
O Plano Nacional de Educação (PNE) vigente, que vai até 2024, prevê em sua meta de número 20 que o Brasil invista 10% do seu Produto Interno Bruto em educação. Uma das maneiras mais viáveis de tentar alcançar esse patamar é através da revisão do FUNDEB, a realidade atual não sugere otimismo.
Outra forma de tornar nosso gasto em educação mais equitativo seria aperfeiçoar outros dois mecanismos que a União tem para financiar a educação básica, o Salário Educação (contribuição social prevista no art. 212, § 5º, da Constituição Federal) e as chamadas transferências voluntárias. Novos critérios para a alocação desses recursos, que envolvam indução de melhorias e necessidades dos sistemas de ensino, podem torná-los mais distributivos. Há massa crítica e boas propostas sobre isso, mas não se vê o MEC interessado em tomá-las como suas.
Destaco o tema do financiamento para trazer um exemplo prático, mas poderíamos falar da implementação da BNCC, das modificações, previstas agora em lei, para o ensino médio, ou mesmo da política de alfabetização que ganhou as páginas da imprensa pela polêmica em torno da previsão de um método único para todo país. Alias, sobre essa questão cabe dizer que o viés ideologizado com o qual o governo tentou apresentar o debate sobre método fônico ou global é nocivo ao país e aos educadores. Esse é um tema técnico, deve ser tratado com base em evidências e nas melhores práticas, não pode ser veículo para uma espécie de “caça às bruxas” (como pode ocorrer com a Lava-Jato da Educação) que ataca os professores que adotam práticas construtivistas como se fossem imbuídos de intenções doutrinárias e que o método fônico “libertaria” as crianças disso. Em outro momento irei voltar a esse tema da alfabetização.
Por fim, são tempos de incerteza, a inquietude está presente em quem pesquisa e vive a educação, ela parece estar sem rumo, desgovernada, à deriva.