Educação bilíngue ganha espaço

Educação bilíngue ganha espaço

Educação bilíngue ganha espaço nas escolas e traz benefícios para as crianças 

Instituições apostam no modelo em que até 30% da carga horária é utilizada para o ensino de outra língua. Especialistas afirmam que a infância é a melhor fase para aprender um novo idioma, já que os pequenos têm maior plasticidade cerebral 

JHULLY COSTA

 

Aos oito anos, Antônia Strelow Hallal da Silva já fala inglês fluentemente. O irmão caçula, Eduardo Strelow Hallal da Silva, três, está aprendendo. Às vezes, mistura os idiomas — como a irmã fazia quando era mais nova —, mas compreende cores, números e conversas simples. Moradores de Porto Alegre, os dois foram matriculados em uma escola bilíngue antes dos dois anos e já demonstram aos pais, Roberto Carlos Hallal da Silva, 56, e Patrícia Hammes Strelow, 39, as vantagens desse tipo de ensino.

De acordo com especialistas, a infância é a melhor fase para aprender um novo idioma. Em Porto Alegre, diferentes escolas têm apostado nesse modelo, em que até 30% da carga horária é utilizado para o ensino de outra língua. Entretanto, o idioma adicional deixa de ser apenas uma disciplina, como ocorre nas instituições regulares, para estar incorporado em outros componentes curriculares, como matemática e geografia.

Patrícia comenta que a escolha da instituição em que a filha estudaria foi guiada pela metodologia de ensino, mas destaca que ficou impressionada com o tamanho do benefício que o bilinguismo trouxe:

— Era muito legal de ver ela aprendendo a falar, porque ela aprendeu nos dois idiomas junto. Então, misturava os verbos, as palavras. Às vezes, falava em português conjugando como se conjugaria em inglês. Achávamos muito fofo, era muito bonitinho ver que ela já pensava nos dois idiomas. E ela tem muita facilidade para entender tudo.

Na visão da mãe, o maior desafio da escola é justamente estimular a fala, já que as crianças costumam conversar entre si em português. Patrícia conta que Antônia também está aprendendo a escrever nos dois idiomas e ressalta que a alfabetização bilíngue traz muita naturalidade, fazendo com que a menina não tenha sotaque, por exemplo — inclusive, desde muito pequena corrige os pais na pronúncia de palavras como world e girl.

— O inglês é uma vantagem imensa para as crianças. Sinto que é um presente que dou para os meus filhos, porque eles vão chegar na vida adulta com isso já resolvido, vai ser uma coisa a menos para se preocuparem. Sempre tivemos essa ideia de que o inglês seria primordial e acho que o impacto na vida adulta vai ser muito grande, por terem essa facilidade para se comunicar com o mundo, entender um filme, fazer um curso — aponta.

Na Maple Bear, escola em que Antônia e Eduardo estudam, as crianças começam a ter uma vivência bilíngue ainda na Educação Infantil. Isso significa que quase toda a rotina escolar — atividades, brincadeiras e almoço — ocorre em inglês, mas uma parte da carga horária é em português, especialmente na fase da alfabetização. Carolina Cardoso, coordenadora da instituição, explica que, a partir do 1º ano do Ensino Fundamental, as disciplinas são separadas:

— História e geografia são ensinadas em português, daí o inglês não é falado. Matemática, ciências e artes são apenas em inglês. Mas aí a rotina e as atividades extracurriculares são todas em inglês. É a forma que conseguimos garantir a aprendizagem do inglês, sem perder o foco do ensino do português nas aulas.

De acordo com Carolina, as crianças que entram mais tarde, passam por um teste de proficiência e, se não atendem o nível necessário para o ano que vão cursar, precisam de aulas de reforço para garantir o desenvolvimento da língua. Mas enfatiza que o auge da plasticidade do cérebro infantil ocorre por volta dos dois anos, então é a melhor idade para começar a ter contato com o inglês.

— Elas acabam desenvolvendo essa habilidade cognitiva muito mais rápido e têm uma compreensão mais profunda, uma sensibilidade linguística mais apurada. E o aprendizado ocorre simultaneamente com a língua nativa, é mais natural, aprendem sem perceber que estão aprendendo — destaca a coordenadora.

 

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Antônia Strelow Hallal da Silva e Eduardo Strelow Hallal da Silva junto da mãe, Patrícia
Hammes Strelow.  Camila Hermes / Agencia RBS

 

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Aos oito anos, Antônia já fala inglês fluentemente.
Camila Hermes / Agencia RBS

 

Como funciona o ensino bilíngue

Ingrid Finger, professora do Programa de Pós-Graduação em Letras e coordenadora do Laboratório de Bilinguismo e Cognição da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), afirma que existem vários formatos de escolarização bilíngue no Brasil. Entre eles, escolas bilíngues voltadas a crianças surdas, indígenas ou de fronteira, escolas bilíngues de línguas de prestígio e escolas internacionais. São instituições que oferecem currículos bilíngues nos quais as crianças aprendem uma língua de prestígio — como inglês — e escolas internacionais, que seguem currículos de outros países, adaptados para o Brasil, normalmente com uma carga horária de idioma adicional maior do que as bilíngues.

Conforme a especialista, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) prevê que as escolas brasileiras devem oferecer todos os conteúdos programáticos na língua materna, mas as instituições internacionais, mesmo sendo regulares, seguem regras diferentes. Elas podem decidir, por exemplo, que todos os conteúdos de matemática serão oferecidos exclusivamente no idioma adicional.

— Uma escola bilíngue é uma escola brasileira, que segue a legislação brasileira. Pode oferecer conteúdo de matemática na língua adicional, mas também tem que oferecer atividades relacionadas a ele na língua portuguesa. Uma parte da carga horária nas aulas de língua adicional vai ser focada em atividades que ensinem esse idioma como um conteúdo, mas grande parte deve servir como espaço para que a criança também aprenda matemática em inglês, geografia em inglês. Assim, a criança terá oportunidade de se desenvolver academicamente através da língua adicional.

Ingrid esclarece que uma escola bilíngue é caracterizada pelo fato de haver um planejamento integrado envolvendo as duas línguas de instrução, no qual os professores da língua materna e da língua adicional trabalham juntos construindo a proposta pedagógica da escola.

— Pode acontecer do professor de língua inglesa iniciar a apresentação do conteúdo e o professor de matemática só revisar, ou ao contrário. Mas existe um planejamento em conjunto. Tem que haver um investimento da escola em termos de horas de planejamento para que o trabalho dos professores seja integrado — destaca a especialista.

Mateus Bruxel / Agencia RBSIngrid Finger, professora do Programa de Pós-Graduação em Letras e coordenadora do Laboratório de Bilinguismo e Cognição da UFRGS.Mateus Bruxel / Agencia RBS

Contudo, como apenas 30% da carga horária deve ser destinado ao ensino do idioma adicional, essa integração não ocorre em todas as disciplinas. E a escolha de quais conteúdos serão trabalhados nas duas línguas varia de acordo com cada escola, não existe uma regra. Ingrid aponta que, em 2020, o Conselho Nacional de Educação aprovou diretrizes que organizam melhor essa carga horária — entretanto, até o momento, o documento não foi homologado pelo Ministério da Educação (MEC).

— As escolas de currículo bilíngue que fazem a integração do currículo oferecem pelo menos 30 horas de aula na língua adicional por semana. Então, as instituições precisaram se ajustar para que as crianças tenham uma carga horária total maior para poder cumprir os 30% da carga horária em língua adicional — sinaliza.

Benefícios

Carolina afirma que a educação bilíngue garante às crianças acesso a melhores oportunidades no mercado de trabalho, além de tornar mais fácil a conexão com universidades internacionais. A coordenadora da Maple Bear também cita benefícios no desenvolvimento pessoal, já que estudos apontam que a aprendizagem de um segundo idioma aprimora a capacidade cognitiva.

A professora da UFRGS concorda que, ao pensar no futuro das crianças, é preciso considerar como ajudá-las a desenvolver competências e habilidades para dar conta dos possíveis desafios do mercado de trabalho. Segundo Ingrid, o acesso a uma língua adicional com fluência faz com que os pequenos tenham uma maior capacidade de controle inibitório e de flexibilidade cognitiva, que são habilidades relacionadas às funções executivas.

— Os estudos mostram que as crianças bilíngues têm as capacidades e recursos cognitivos relacionados às funções executivas mais desenvolvidos. Quando o sujeito é capaz de fazer uso de mais de uma língua, está o tempo inteiro decidindo qual idioma vai falar, em qual contexto e com quem. As línguas do bilíngue estão o tempo inteiro ativadas, o que faz com que ele esteja sempre inibindo uma para usar a outra, uma função cognitiva que chamamos de controle inibitório. Isso ocorre 24 horas por dia — destaca, acrescentando que a flexibilidade cognitiva é acelerada pelo mesmo motivo.

FONTE:

https://gauchazh.clicrbs.com.br/educacao/educacao-basica/noticia/2024/06/educacao-bilingue-ganha-espaco-nas-escolas-e-traz-beneficios-para-as-criancas-clxtgqc7k00ac015mo0foluxh.html?fbclid=IwZXh0bgNhZW0CMTEAAR2RteKhG0X9iXdp5lmsxmJBoDMw
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