Educação civil-militar
Educação civil-militar: proposta contra a “violência” escolar
Por Sahda Marta Ide, professora da Faculdade de Educação da USP
A educação ocupa posição principal entre as políticas sociais, pois desempenha papel fundamental para o desenvolvimento socioeconômico do país. Porém, no Brasil, apresenta graves problemas para grande parte de sua população.
As condições econômicas precárias de bens materiais, culturais e sociais e a não escolarização, compreendem ações de um complexo entressachado entre Estado/sociedade/escola/família, pois reúne elementos pedagógicos e econômicos fundamentais à inserção no mercado de trabalho de forma inclusiva, inclusiva/excludente e excludente.
Portanto, a educação é um processo de aprendizagem com o objetivo de desenvolver no ser humano habilidades e competências para o exercício da cidadania e trabalho, que são direitos de toda população.
No Brasil, entretanto, desde os primórdios da sua colonização, sempre foi efetuada com forte tendência seletiva, pois engloba questões fundamentais, como ampliação do acesso escolar e, principalmente, direito à educação de qualidade, e se configura no desafio mais urgente da sociedade brasileira, mas que está longe de ser assegurado.
O Anuário Brasileiro da Educação Básica de 2019 relata que 33,8% dos alunos encontram-se em níveis insuficientes, ou seja, menos da metade dos alunos atingiram níveis de proficiência considerados adequados ao fim do terceiro ano do ensino fundamental em Leitura, Escrita e Matemática.
Há, portanto, certa estagnação e lentidão ao mostrar que o ritmo de mudança da realidade educacional está muito aquém do desejado, provocadas pelas grandes dificuldades de promover igualdade educacional em um País com tanta desigualdade socioeconômica.
A falta de investimento na melhoria de vida da sociedade causada por fatores econômicos e sociais, como baixa renda, dinheiro fácil do crime, choques culturais, religiosos e políticos, discriminação racial, gênero e uso nocivo de drogas e álcool, provoca violência familiar.
Consequentemente, ocorre perigo de negligência e abuso infantil, estresse pessoal ou familiar, insegurança alimentar e financeira, violência por parceiro íntimo, isolamento social, problemas de saúde mental, abandono, além de aliciamento sexual infantil e adolescente on-line, como o bullying e ciberbullying.
Diante dessas conjunturas que atingem comunidades em que a maioria das crianças e jovens são das classes socioeconômicas desprivilegiadas, [essas crianças e jovens] são recebidas, nas escolas públicas, com olhar preconceituoso e elitista.
Os ambientes escolar e social os veem muito mais por suas realidades socioculturais desfavorecidas, as quais provocam dificuldades de adaptação às normas, às rotinas escolares, que repercutem na aprendizagem acadêmica, social.
Há indisciplinas, brigas, que proporcionam péssima relação tanto entre os estudantes, bem como entre a escola e a família, provocando a chamada “violência escolar”, a qual não fica só no âmbito da escola, mas também fora dela, atingindo a sociedade como um todo.
Com objetivo de promover a cultura de paz no ambiente escolar público de São Paulo, no ensino fundamental, médio e profissional, e alcançar uma educação de qualidade, o governo do Estado elaborou o Projeto de Lei Complementar 9/2024, criando o Programa Escola Civil-Militar (Pecim).
Esse projeto foi baseado no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), por meio da disciplina e do civismo trazidos pelos militares da reserva, os quais atuarão como monitores nas áreas educacional, didático pedagógica e administrativa.
Portanto, esse programa dividirá a responsabilidade entre profissionais pedagógicos, que irão cuidar das atividades em sala de aula, e policiais militares aposentados e desarmados, que ficarão responsáveis pelo monitoramento dos alunos e pelas atividades extracurriculares.
A Secretaria da Educação explicou que as comunidades escolares optarão por participar ou não desse plano e serão priorizadas àquelas situadas em regiões de maior incidência de criminalidade.
Entretanto, esse projeto de educação civil-militar nas escolas públicas de São Paulo tem provocado muito debate e controvérsia, pois integra a disciplina e os valores militares na educação, alinhando todos os alunos e professores com enfoque militar, ou seja, respeito e obediência, sem questionamentos e/ou críticas.
Portanto, causa muitas preocupações em relação à natureza da educação, que se baseia, fundamentalmente, na autonomia dos professores no processo de ensino-aprendizagem e na liberdade de expressão, bem como na diversidade de pensamento crítico e questionador.
Além desses problemas, é preciso mencionar que os militares não têm formação pedagógica para lidar com os problemas sociais e de aprendizagem acadêmica de estudantes provenientes das classes socioeconômicas desfavorecidas, que na sua história de vida já foram violentados nos seus direitos humanos. Entretanto, podem e devem ser utilizados no auxílio à segurança fora da escola, nos ambientes onde há distúrbios, brigas, pois a violência não está somente dentro das escolas públicas, mas, e principalmente, fora dela.
Esse projeto foi aprovado pela Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp), mas foi suspenso pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Baseado na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 2014-2024, no Plano Nacional de Educação (PNE), constata a ausência de qualquer menção ou estratégia que inclua a polícia militar como participante dos esforços de política educacional na educação básica regular.
O procurador federal Nicolao Dino afirmou que cabe somente à União legislar sobre as diretrizes e bases da educação nacional e que a seleção de militares para funções de cunho pedagógico viola o princípio constitucional de valorização dos profissionais de educação, defendendo que não há estudos científicos suficientes que atestem que o modelo cívico-militar impacta na melhoria da qualidade [do ensino].
Os professores são desafiados a sanar as dificuldades de aprendizagem e a atender toda a problemática comportamental e acadêmica dos estudantes, principalmente daqueles provenientes das classes socioeconômicas desprivilegiadas. Para resolvê-las deverão alterar suas estratégias de trabalho, sua linguagem e a forma de abordar o conhecimento, construindo um currículo e uma metodologia adequada a esse público.
Portanto, é fundamental que o docente tenha boa formação, que deve ser presencial nas universidades com faculdades de Educação e licenciaturas, que lhes possibilitem a busca de conhecimentos teóricos e práticos científicos, além dos filosóficos, sociológicos sobre o desenvolvimento humano e aprendizagem das crianças e jovens brasileiros. [Isso somado a] estágios supervisionados nas escolas, nas salas de aula, de 400 horas exigidas por lei, que na maioria das vezes não estão sendo realizados, mesmo sendo obrigatórios.
A ausência dos estágios compromete a compreensão das diferentes realidades existentes dentro da escola e da sala de aula, pois não possibilita, a esses profissionais em formação, a observação, o conhecimento das diversidades, realidades e necessidades educacionais, sociais e afetivas dos alunos, as quais serão discutidas com o supervisor.
A situação piora quando a formação dos profissionais de educação é feita por cursos à distância, pois os impossibilita de presenciar os problemas acadêmicos e comportamentais dos estudantes provenientes, principalmente, das classes sociais mais desprivilegiadas.
As consequências dessas más formações, presenciais ou on-line, ocasionam, na maioria das vezes, em um trabalho pedagógico que não atende às necessidades dos estudantes, não só pela sua má formação, mas também pela falta de assessoria e orientação pedagógica, psicológica, assistência social, entre outros profissionais relacionados à educação.
Todas essas situações ocasionam brigas, discussões com as famílias dos alunos, além de prejudicar a qualidade de ensino e [intensificar a] desconsideração da sociedade em geral.
Entretanto, cursos de aprofundamento oferecidos pelos departamentos de educação e universidades públicas sobre teorias científicas, filosóficas e práticas sobre desenvolvimento humano e aprendizagem podem provocar aumento da qualidade de ensino, pois os professores irão conhecê-las, discuti-las, além da trocar experiências e resoluções de problemas sobre as dificuldades encontradas na escola.
As teorias e práticas científicas, nesses cursos, deverão ser as mais relevantes, ou seja, Teoria Comportamental e Teoria Construtivista sobre desenvolvimento humano e aprendizagem, importantíssimas na construção do conhecimento dos estudantes.
Em 1913, John B. Watson (1878-1958), psicólogo norte-americano, lançou as bases teóricas do Behaviorismo Metodológico, que repudia a noção de consciência e se baseia em estudos feitos por meio da observação do comportamento, pois esse último seria visível e passível de observação, ao contrário dos processos internos da mente.
Iniciou-se assim a Teoria Comportamental que influenciou dois cientistas: Ivan P. Pavlov, fisiologista russo (1849-1936), e Burrhus F. Skinner, psicólogo e inventor estadunidense (1904-1990). Pavlov, criou a Teoria do Condicionamento clássico, ou seja, por meio de estímulos ambientais, a aprendizagem e comportamentos podem ser aprendidos e modificados, mesmo sem uma recompensa ou punição direta.
Sua teoria surgiu de experimentos iniciais com cães, realizados no início do século 20. Skinner, behaviorista radical, criou a Teoria do Condicionamento Operante que considera os estímulos como reguladores das aprendizagens, os quais se resumem em estímulo e resposta (E-R). Quando o estímulo (E) produz uma resposta (R) desejada, é recompensado com elogios, boa nota, sentimento de realização, satisfação.
Entretanto, quando a resposta (R) ao estímulo (E) é indesejada ou ocorre novamente, pode ser punida, com objetivo de obtê-la de forma correta.
Portanto, nessa Teoria Comportamental, o sujeito é visto como ser passivo, memorizador do conhecimento e, muitas vezes, sem significado.
Nessa mesma época, surge a Teoria Construtivista desenvolvida por dois grandes cientistas: Jean Piaget (1896-1980), biólogo, psicólogo, epistemólogo suíço, e Lev Vygotsky (1896-1934), psicólogo e pensador russo.
Piaget privilegia a maturação biológica desde o nascimento, por aceitar que os fatores internos preponderam sobre os externos, seguindo uma sequência fixa e universal de quatro estágios, elaborados espontaneamente pela criança: sensório-motor (desde o nascimento até cerca de dois anos); pré-operacional (de dois a sete anos); operacional concreto (de sete a 11 anos) e operacional formal (11 anos ou mais).
Durante esses estágios, as crianças e jovens constroem o raciocínio lógico-matemático essencial para a compreensão conceitual, como classificar, seriar, ter atenção, organização, memória e habilidades temporais e espaciais, que os leva a ter a capacidade de perceber e de se relacionar com o mundo de forma pensante e desenvolver a linguagem.
Os efeitos dessa construção vão além das aulas de matemática, e em toda a jornada escolar, pois viabilizam a construção de significados dos conteúdos aprendidos, e não decorá-los, fundamental para sua maturidade intelectual, social, cultural, usando a lógica para resolver problemas e planejar seu futuro.
Na teoria de Vygotsky, o ser humano é histórico-social, logo a criança já nasce com funções psicológicas elementares e, dependendo do ambiente social, na interação com adultos ou crianças mais experientes, adquire conhecimento do mundo inteiramente humanizado de objetos concretos, por meio da linguagem, em qualquer forma que ela se apresente, de maneira construtiva para desenvolver o ato de pensar. Portanto, para ele, pensamento e linguagem são processos interdependentes.
Criou a ZDP (Zona do Desenvolvimento Proximal) no âmbito interpsicológico, pois a construção do conhecimento é efetuada de forma coletiva, mas assimilados individualmente. Portanto, ambos cientistas defendem uma metodologia educacional em que os alunos são o centro da aprendizagem e obrigados a interagir uns com outros, assumindo papel ativo, realizando experimentos, observações e adicionando novos conhecimentos já adquiridos. Dessa forma obtêm mais informações, mediadas pelos profissionais de educação, num movimento dialético e sem interrupção das construções acabadas, sanando as lacunas e necessidades.
Portanto, a Teoria Comportamental e a Construtivista Interacionista são completamente antagônicas, e a escolha dos professores por uma delas provocará diferenças importantes no ensino da busca do conhecimento pelos estudantes, não só no seu conteúdo, mas também nas escolhas das práticas pedagógicas praticadas, oferecidas por muitos profissionais da educação, como o método de Maria Montessori: Atividades para o desenvolvimento do raciocínio lógico matemático; Emília Ferreiro e Ana Teberosky: Psicogênese da Escrita; Mary Kato no livro No mundo da escrita: uma perspectiva psicolinguística, que usou o termo “letramento”, que substituiu o de alfabetização, além de outros educadores com outras práticas pedagógicas.
Além dessas teorias, temos um brasileiro, Paulo Freire (1921-1997), filósofo, pensador, educador de renome mundial, autor do livro Pedagogia do oprimido, no qual segue as teorias construtivistas do desenvolvimento humano e aprendizagem, ou seja, a educação deve ser um processo de diálogo entre professor e aluno, em que ambos aprendem e se transformam mutuamente. Diz ele:
Ninguém educa ninguém, ninguém educa a si mesmo, os homens se educam entre si, mediatizados pelo mundo […] a educação sozinha não transforma a sociedade e sem ela tampouco a sociedade muda.
Portanto, para ele, a educação deve ser um instrumento para a transformação social, capacitando os indivíduos a lutarem por uma sociedade mais justa e igualitária, e, para isso, é preciso que se torne um sujeito ativo, reflexivo e questionador.
Os profissionais de educação têm que conhecer essas teorias, filosofias educacionais, para evitar problemas na construção do conhecimento e na aprendizagem significativa e, assim, desenvolver nos seus alunos pensamento científico, crítico, criativo, além de autoconhecimento e autocuidado.
Entretanto, nas escolas, principalmente nas públicas, grande parte dos professores não as conhecem ou não as praticam, apresentando posição vertical de ensino, ou seja, utilizam práticas pedagógicas baseadas em teorias que não aceitam o ser humano cognoscente, questionador, mas sim como memorizador de conteúdo sem significado, de acordo com a Teoria Comportamental, com consequências graves, como baixa qualidade de ensino, indisciplinas, desinteresses.
Portanto, para existir uma educação de qualidade, o professor tem que ocupar a posição de mediador/facilitador, ou seja, aquele que cria instrumentos para desenvolver o processo ativo e mental dos alunos para resolver problemas, elaborar hipóteses, questionar e ser encorajado a conduzir suas próprias pesquisas, se tornando criativo, autônomo na resolução de problemas.
É importante lembrar que o salário dos profissionais da educação, atualmente, é indigno para uma profissão fundamental para o desenvolvimento de todas as profissões existente no Brasil. Outra opção para ajudar a melhorar as escolas públicas é usar o fim de semana, com projetos de integração, com atividades extracurriculares, tanto para os alunos quanto para a coletividade escolar e comunidades.
Eventos esportivos, culturais, com apresentações artísticas que valorizem a diversidade e as diferentes culturas presentes na formação do território brasileiro, além de projetos pedagógicos com foco em temas como defesa da educação pública de qualidade são instrumentos do desenvolvimento da consciência social.
Esses são alguns exemplos das atividades que podem ajudar a melhorar a aprendizagem, bem como a diminuir os conflitos entre as famílias, os alunos e a sociedades em geral. Se compararmos as escolas particulares com as estaduais no ensino da educação básica, as diferenças são enormes.
As particulares, na sua grande maioria, têm ótima qualidade de ensino, com professores bem formados e bem pagos, que se baseiam nas Teorias Construtivistas, criando metodologias com instrumentos e práticas pedagógicas que levam à construção do conhecimento de seus alunos, de forma significativa e pensante.
Esses conjuntos de ações fazem desenvolver as competências acadêmicas, linguagem crítica, social e cultural, entre muitas outras, além de assistência pedagógica e atividades sociais, culturais e esportivas, proporcionadas pela instituição.
Caso surja um problema acadêmico ou comportamental em alguns dos alunos, essas escolas têm condições de resolvê-lo com auxílio de equipes especializadas ou pela própria família, que tem poder econômico para buscar ajuda de forma particular, o que não sucede nas estaduais. Essas diferenças educacionais de ensino entre a pública e a particular ocasionam discrepâncias de oportunidades em todos os aspectos para uma vida digna dos estudantes, quer seja socioeconômica, cultural, quer seja na busca de trabalho.
O professor e administrador de empresa, Mário Kertész, com carreira política que abrange vários cargos, incluindo um período como Secretário de Planejamento, Ciência e Tecnologia do Estado da Bahia, de 1971 a 1975, e conhecido por seu envolvimento no jornalismo local, tendo fundado o Jornal da Metrópole e a Rádio Metrópole, publica no Instagram um post que diz o seguinte:
Eu estou muito preocupado, as principais escolas particulares aqui da cidade de Salvador, tradicionais, conhecidas de alta qualidade foram vendidas. Aparece um fundo investidor de muito dinheiro e compra as escolas; bom faz parte do sistema capitalista, o que é que está por atrás disso não dá para ver que é um grupo interessado na educação das pessoas que podem pagar uma escola particular. Na minha visão o objetivo básico é lucro, porque mais que tudo eles têm que recompensar aqueles fundos de investimento que compraram essas escolas. Várias das principais escolas que foram vendidas estabeleceram um único método de ensino e mais do que isto estabeleceram regras absolutamente ilegais. Por exemplo, vocês têm que comprar um kit de livros só para a escola e para a criança ter acesso a plataforma digital tem que comprar o kit e esse kit um preço altíssimo é vendido só na escola. Fico assustado, porque isto é uma forma primeiro de se padronizar a educação no Brasil, segundo com um método que eles acham bons, eu pergunto bom para despertar conhecimento, vontade de crescer intelectualmente ou é bom para dar lucro. Os professores, claro, vivem disto, precisam, mas se sentem aprisionados. Nós temos depoimentos disto. Agora o que me surpreende mais e mais ainda é que ninguém faz mais nada disto. O ministério público se reuniu fez um termo de ajuste, um tapa buraco, um band-aid para curar o câncer, mais ninguém, a imprensa, nem políticos, nem conselho de educação, nada nada. Agora, o professo res e pais se juntaram vieram aqui comigo. A educação é a coisa mais importante da nossa vida. O pior é que todo mundo está calado, inclusive as autoridades, o ministério público, os políticos…
A compra dos cursos de formação, caso esteja acontecendo, qualquer seja, pode ocasionar dois problemas: escolas estaduais com ensino de baixa qualidade; e particulares que fazem o programa de ensino com objetivos que nem o MEC conhece.
Portanto, o que se pode inferir é que esses empresários têm possibilidades de criar ensino básico, fundamental e médio, além de universidades, especializações, presenciais ou on-line, que têm dois objetivos: econômico e político.
Econômico, aplicar seu capital, visando a lucro, e político, com programas educacionais de baixa qualidade nas escolas públicas, que ocasionam analfabetismo, analfabetismo funcional, fracasso, evasão, além de formar profissionais de educação com pouca qualificação.
Consequentemente, essas situações podem criar uma sociedade com posições políticas sem crítica e de fácil manipulação eleitoral, religiosa, entre outros contextos preocupantes. A Carta Capital publicou as frases do renomado antropólogo, escritor e político brasileiro, Darcy Ribeiro (1922-1997), que dizem o seguinte:
A crise da educação no Brasil não é uma crise; é projeto [….] Cortes deliberados em ciência, tecnologia e educação são parte do plano antinacional de inviabilização do futuro do Brasil. […] Se nossos governantes não fizerem escolas, em 20 anos faltará dinheiro para construírem presídios.
Parece que as palavras de Darcy Ribeiro, proferidas nos anos de 1990 estão acontecendo, uma vez que a violência no Brasil, atualmente, está chegando em níveis incontroláveis. Outro exemplo que mostra a intenção da educação ser um “projeto” é a análise da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), usando 600 páginas para descrever todas as disciplinas, em todos os anos, estabelecendo um currículo para todas as escolas do Brasil, desde a educação infantil até o ensino médio, tanto públicas quanto privadas.
Foi homologado em 2018, durante o governo Michel Temer, porém boa parte dele foi efetuado no governo de Dilma Rousseff. Portanto, ele não define um currículo único para todas as escolas, mas sim um conjunto de orientações e diretrizes obrigatórias, as quais as escolas públicas ou privadas utilizam como base para elaborar as suas próprias, estabelecendo as aprendizagens essenciais que todos os estudantes devem desenvolver em cada etapa da educação básica.
Essas orientações e diretrizes obrigatórias a serem seguidas, possibilitam aos governos escolherem entre mais liberdade das escolas e menor controle da qualidade ou menos liberdade das escolas e maior controle da qualidade.
Na revista Ensaio, na edição de julho-setembro de 2021, as professoras Dayane S. Silva, Fabiana A. Filipe e Áurea C. Costa, da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, escreveram um artigo sobre o BCNN com título Uma base escolar comum: analisando o Projeto Educacional da Base Nacional Comum Curricular, no qual concluem:
[…] que o documento aplicado impõe a formação para a empregabilidade em detrimento da formação integral, geral, emancipadora e rica de potencialidades para o desenvolvimento das funções psíquicas na escola e cujos elementos não são considerados mencionados no documento, constituindo, antes, uma política de padronização dos conteúdos de uma formação mínima e de introdução de metodologias, sob influência da organização do trabalho toyotista, do que uma proposta de Educação crítica, como forma de emancipação dos sujeitos da aprendizagem. A BNCC e as políticas relacionadas ao documento implicam em mudanças significativas na escola, tais como: estreitamento curricular; projeção de um currículo para moldar a formação do trabalhador; reforço das desigualdades por meio das avaliações; ameaça à autonomia do professor (controle do seu trabalho, visto como mero executor de tarefas); formação dos professores de acordo com a ‘lógica’ hegemônica; abertura para privatizações (produção de material didático para empresas privadas); responsabilização […].
Essa conclusão do artigo das professoras acima mencionadas reflete bem o projeto educacional civil-militar para as escolas estaduais de São Paulo efetuado pelo governo de Tarcísio Freitas para combater a violência escolar e a busca da qualidade de ensino.
Logo, baseado no BCNN, a secretaria de educação de São Paulo tem toda a liberdade de criar uma escola estadual civil-militar, em regiões com maior índice de criminalidade, como diz o secretário de educação do Estado de São Paulo, Renato Feder.
Essa “militarização” nas escolas estaduais para combater a sua violência, além de tirar a autonomia pedagógica do professor no ensino-aprendizagem, na liberdade de expressão e no questionamento crítico, não a evitará, pois esse é um problema estrutural da sociedade brasileira, estando relacionado à falência e corrupção das instituições públicas, principalmente na educação e segurança.
Infelizmente, nem melhorará tampouco a qualidade de ensino, uma vez que há necessidade de investir mais na educação das escolas estaduais, [uma vez] que [esse investimento] era de 30% e passou para 25% pela PEC (Proposta de Emenda à Constituição) efetuada pelo governador Tarcísio de Freitas.
Segundo ele, os 5% retirados da educação irão para a saúde, porém é preciso lembrar que, sem educação efetiva, consolidada, haverá problemas graves na saúde, pois estamos lidando com seres humanos de classes sociais desprivilegiadas, que não têm o conhecimento educacional suficiente para entender determinadas orientações de saúde, como o simples exemplo de não tomar vacinas.
O problema, portanto, não está somente em garantir o acesso universal à escola, mas também garantir os direitos acadêmicos, sociais, culturais dos estudantes brasileiros, pois o problema é qualitativo e ético, mais do que quantitativo ou técnico, dos direitos educacionais e culturais.
Militarizar a escola para combater a violência escolar nas regiões com maior criminalidade será não só uma grande ameaça a liberdade de expressão e pensamento crítico e questionador dos profissionais de educação, como também, tentará moldar as crianças e jovens para somente respeitarem a hierarquia, sem perguntas ou críticas.
Diante desse contexto educacional, principalmente nas escolas estaduais de São Paulo, em que a maioria dos estudantes pertencem às classes socioeconômicas desprivilegias, [o aluno] não só poderá fracassar, evadindo-se do ambiente escolar, como também, cair na marginalidade, aumentando a violência catastrófica da sociedade brasileira.
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