Educação engajada no México

Educação engajada no México

No México, a construção de uma educação engajada

No estado de Michoacán, um sindicato de professores destacava-se pela reinvenção criativa. Inspirados por Paulo Freire e Mariátegui, temperados pelos zapatistas, brotavam encontros nas ruas e escolas e um outro sentido à educação

por         -    Publicado 03/11/2020 

Por Roberta Trespadini

Entre 2003 e 2004, além das demais experiências trabalhadas nos pegadas anteriores, efetivamos diversos cursos de formação com o sindicato de trabalhadores da seção XVIII (CNTE) de Michoacán.

A Seção XVIII de Michoacán, naquele então, se destacava com voz dissonante dentro de um sindicato nacional que tendia a adaptar-se às reformas dentro da ordem. Assim, chamava a atenção a postura digna e rigorosa de seus e suas dirigentes e bases de fazer frente a esta leitura apequenada da luta sindical.

Aguerridos e fortes em suas posições, estes homens e mulheres lutavam, nas ruas, nas escolas, e nos espaços constituíam de articulação política, por um outro sentido de educação. Era maravilhoso aprender com a ruptura dos silêncios propagada como verdade. As falas, de suas realidades concretas, eram o centro a partir do qual gravitava o sentido da formação.

O peruano José Carlos Mariátegui, insistia, em diversos textos editados pela revista Mundial entre 1924 e 1928, em dois temas problemas acerca da educação: a Estado opressor; os educadores reprodutores da opressão. Nos termos de Mariátegui:

O Estado condena seus professores a uma perene estreiteza pecuniária. Nega-os quase completamente todo meio de elevação econômica, ou cultural e os fecha toda perspectiva de acesso a uma categoria superior. De um lado carecem os professores de possibilidades de bem estar; de outro lado, carecem de possibilidades de progresso científico.”

E, “A educação nacional, …., não tem um espírito nacional: tem, isto sim, um espírito colonial e colonizador”.

Mais de noventa anos de seus escritos, as palavras do marxista peruano seguem fortes como expressão da realidade educativa latino-americana.

Foi, com base nessa na premissa da funcional da educação dentro da ordem e da necessidade de revanche, que nos debruçamos nos estudos em torno a três eixos: a crítica da economia política; a teoria marxista da dependência latino-americana e a pedagogia crítica engajada de Paulo Freire. Temas pulsantes em uma região em que o analfabetismo formal e o analfabetismo político segue intencionalmente orquestrados para a manutenção do trabalho alienado. Estas três áreas, além de integrarem o objeto de estudo realizado na UNAM, a partir de um estudo sobre Ruy Mauro Marini, Paulo Freire e Augusto Boal, também conformavam o que, no Brasil, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, começava a construir como núcleo central de sua formação (a centralidade da filosofia, da política, da economia).

No trabalho de formação com a Seção XVIII, tínhamos como premissa que a precarização do que-fazer educativo acompanha a história do desenvolvimento capitalista dependente, portanto, não é algo conjuntural e sim estrutural. O que nos exige estudar com rigor, entender como funciona a realidade à luz da teoria marxista, e fazer luta cotidiana por uma educação diferenciada. O materialismo histórico dialético era nosso solo fecundo. Assim como as análises de conjuntura feitas no momento da ocupação (greves) dos espaços públicos na cidade do México, ou em Michoacán, foram grandes momentos do processo educativo.

Cabe destacar que isto ocorria em pleno período efervescente de levante zapatista e os ensinamentos que vinham da Serra Lacandona.

Um destaque especial no método de exposição, para o trabalho com as imagens utilizadas na formação. O México e suas raízes profundas, demarcadas nos livros-murais pela escola do Moderno Muralismo Mexicano, davam a tônica dos encontros. Uma imagem, muitos diálogos e, posteriormente, um aprofundamento que ia, aos poucos, substituindo o senso comum pelo sentido crítico apreendido de forma coletiva. Esse foi um processo libertador na práxis dos/das educadores/as nas salas de aula: entender que a matemática, a geografia, a história, juntas, mediadas pelas imagens históricas, dão uma dimensão profunda para o entendimento dos e das estudantes sobre o conteúdo proposto.

No vídeo são apresentados três relatos marcantes: Marcos Tello, grande formador político mexicano, atualmente vinculado ao Movimento Nacional de Libertação (MLN), Jorge Cázares e Mirabel ambos líderes sindicais da Seção XVIII naquele então, em que o dirigente principal era Sergio Garcia. Os três nos brindam momentos de memória e história que fortificam, em tempos de pandemia, a potência política de determinados encontros.

Um dos resultados mais fecundos deste processo, além da visita às escolas, dos encontros de formação nos cursos de verão, foi a articulação entre a Seção XVIII e o MST-Brasil, nos períodos seguintes. Encontro que culminou tanto na vinda dos educadores e das educadoras à inauguração da Escola Nacional Florestan Fernandes em 2005, como nos diversos cursos de formação latino-americanos brindados como caráter internacionalista ao longo de todos estes anos, como agenda formativa, pelo MST.

Com este vídeo encerramos a primeira parte do Pegadas: minhas trilhas pela educação popular no México. Juntos, os quatro vídeos formam um tributo à experiência passada-presente das raízes profundas que habitam o sentido de educação popular naquele território.

Fica a dica para o reconhecimento da potência latino-americana e sua real e presente invisibilidade no Brasil. Sem esse reconhecimento manteremos uma ideia de um Brasil para poucos brasileiros, capaz de atrocidades, a partir de seus mandatários, para dentro e para fora do país, na forma como lida com a região e seus povos. E apagaremos, de nossa própria história, processos anteriores ao violento, mas ainda presente, passado colonial vivenciado de forma própria, mas com comuns movimentos de exploração e opressão em todo o território latino-americano ao longo de mais de 500 anos.

 

https://outraspalavras.net/descolonizacoes/no-mexico-a-construcao-de-uma-educacao-engajada/ 




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