Outro ponto que apontava a necessidade de fortalecimento da supervisão era o fato de que o procedimento de avaliação de cursos e instituições gerava inúmeros processos, em quantidade incompatível com a estrutura e o número de funcionários da então Secretaria de Regulação do Ministério da Educação. Processos esses acarretados por cursos e instituições que não conseguiram a nota mínima nas avaliações aplicadas pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) porque não investem em qualidade e não respeitam as exigências mínimas colocadas pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB).
Mais de quatro anos se passaram desde essa carta (sete anos se contarmos do início da tramitação do Insaes) e, claro, o PL nunca foi aprovado. Pelo contrário, foi enterrado juntamente com tantas políticas educacionais soterradas pelo golpe de 2016 e todas as suas consequências, como a ascensão de Jair Bolsonaro à Presidência e a entrega do MEC ao controle de forças ultraliberais e fundamentalistas reunidas num ministro só.
Diante de tantos ataques que a educação vem sofrendo — com a inviabilização do próprio Plano Nacional de Educação (PNE), os cortes nas universidades federais, o desmonte de pesquisas científicas, a nomeação de interventores nas universidades e institutos federais, a perseguição a estudantes e docentes etc. —, relembrar uma pauta como o Insaes soa quase anacrônico. No dia 2 de outubro, no ato “Educação pública, ciência, tecnologia e soberania do Brasil: Não tirem o dinheiro da educação básica e das universidades públicas”, realizado no Auditório Nereu Ramos, da Câmara dos Deputados, em Brasília (DF), a partir de convocação do Fórum Nacional Popular de Educação (FNPE), ressaltamos que estamos diante da maior ofensiva das elites contra o direito à educação no país.
Nos últimos 90 anos sempre estivemos em ascensão nas políticas públicas para a educação, mas nesse momento a política é de destruição. E não apenas do ensino superior. Os cortes orçamentários praticados pelo governo Bolsonaro, neste ano e para o próximo, atingem todos os setores, da educação infantil à de Jovens e Adultos (EJA). E é contra tudo isso que devemos lutar, defendendo a democracia, a soberania e o ensino público, gratuito, laico e formador de cidadãos, bem como o incentivo à pesquisa, ciência, tecnologia e cultura.
Trazer o Insaes à lembrança não significa, contudo, tentar ressuscitar o projeto num momento em que a correlação de forças o impede e em que há tantas batalhas urgentes, incluindo o crescimento e fortalecimento do próprio FNPE como espaço coletivo de resistência. Na verdade, recordar aquilo que o PL 4.372/12 propunha e que o lobby do setor privatista impediu que fosse levado adiante é importante para mostrar que os problemas que ele visava combater não só continuam presentes, como se aprofundaram ainda mais.
No último dia 4 de outubro, a imprensa noticiou que só 3% dos cursos superiores de instituições privadas têm nota máxima em avaliação, ao passo que as universidades federais têm 29%. Além disso, 48% dos cursos avaliados nos estabelecimentos particulares com e sem fins lucrativos ficaram com conceito 3, que é o mínimo exigido. Apesar disso, o atual ministro da Educação, Abraham Weintraub, continua não só a questionar a qualidade das federais, mas também a promover seu sucateamento e seu desmonte, defendendo abertamente que a expansão do ensino superior se dê via iniciativa privada.
Enquanto isso, a Kroton — maior empresa de educação do mundo, com valor de mercado de R$ 18,2 bilhões — anunciou na última segunda-feira, 7 de outubro, sua mudança de nome, de foco, de organização e de governança, transformando-se na holding Cogna Educação. A estratégia é, depois de uma queda nos processos de aquisição de outras companhias, dividir a empresa em quatro e avançar na prestação de serviços para escolas e faculdades (uma das “partes”, inclusive, batizada de Vasta Educação, vai oferecer serviços de gestão para as escolas e material didático, incluindo eventual participação em licitações públicas). Em outras palavras, a intenção da mudança não é assegurar qualidade de ensino, mas obter mais e mais lucros — inclusos recursos públicos que deveria ser destinados à educação pública —, sem qualquer mecanismo de supervisão; pelo contrário, até com o aval do MEC.
É notório, portanto, que o processo de financeirização do ensino superior que a Contee denuncia há décadas — e que avança cada vez com mais voracidade também sobre educação básica — não só continua sendo uma realidade como também é um dos principais responsáveis pelos ataques à educação pública. A guerra do atual ministro contras as universidades e institutos federais é ideológica, sim, mas é também econômica.
Para grupos que ainda sustentam um governo cada vez mais explicitamente desabonado e vexaminoso, até mesmo internacionalmente, educação é um negócio extremamente lucrativo e a continuidade do apoio vai depender do quanto podem ainda encher seus bolsos com ela. Contra isso, a nós, cabe lutar em todos os espaços possíveis, para lembrar que educação não é mercadoria.
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