Educação que nos convém

Educação que nos convém

1920 e 2020: a educação que nos convém

Raquel Melilo
Renata Fernandes Andrade Maia de Andrade

 “A má organização financeira tem sido a geradora das sucessivas crises que temos sofrido e é uma das determinantes da atual situação financeira, que está exigindo os nossos mais sérios cuidados. […].”

Essa frase poderia ter sido retirada do discurso de Paulo Guedes. Mas a preocupação com o déficit orçamentário do país é de Arthur Bernardes, em 1925. Nesse contexto, o Brasil exportava commodities, as oligarquias políticas continuavam no poder e nossos governantes investiam no sentimento nacionalista. Distante, não?

De fato, a preocupação com os gastos públicos não é uma novidade na nossa história como país. Mas essa não é a única característica que nos conecta à 1920. Todo um conjunto de esforços mobilizados para transformar o Brasil em uma República parece refletir políticas do governo atual. Importante destacar que a República, idealizada e teoricamente construída, ao se tornar uma realidade teve que se adaptar às condições do cenário econômico e social do país, sofrendo muitas modificações.

Por esses motivos, e outros tantos, o Estado investiu em um conjunto de ações para inaugurar o país na modernidade. Dentre tais ações destaca-se a adoção de uma política educacional diferenciada, que se materializou em vários projetos e ações. Essas posturas eram baseadas nas referências da ciência moderna, consolidada a partir do século XVII, e que partia do pressuposto de que os conhecimentos são cumulativos, crescendo positivamente e continuamente por meio das sucessivas gerações de estudiosos. Todas essas ideias entusiasmaram as elites intelectuais do Brasil, contribuindo para que gestores públicos tomassem medidas baseadas nesses valores.

Nesse contexto a educação escolar, na década de 1920, foi vista como instrumento capaz de adequar o povo brasileiro a esse novo processo civilizatório. Acreditava-se que por meio das escolas seria possível preparar o indivíduo para uma nova forma de organização social e, como consequência, o país seria transformado.

Em consonância com essa visão de mundo, muitos dos projetos e ações educacionais da década de 1920 objetivavam a formação de um trabalhador/cidadão dócil e disciplinado. A ideia não era oportunizar o ensino das ciências a todos e democratizar o aprendizado. Quando, na ocasião, se falava em educação pública, ela era direcionada quase que exclusivamente à uma parcela da população que precisava ser formatada para o trabalho. De modo geral, isso se refletiu na reforma dos liceus e escolas de aprendizes e artífices. As técnicas a serem empregadas, além de ensinar um ofício, tinham por objetivo o disciplinamento dos corpos.

Não é exatamente a disciplina que as escolas cívico-militares defendem? Em 2020 inicia-se a concretização do projeto de escolas cívico-militares no Brasil que, de acordo com o Ministro da Educação: “é a maior revolução na área de ensino no país dos últimos 20 anos”. Segundo o programa, até 2023, 216 escolas cívico-militares serão implantadas em todo o país com o objetivo de melhorar o processo de ensino-aprendizagem nas escolas públicas. Ora, quais dados concretos permitem afirmar que é a componente disciplina, e tudo a que ele se relaciona, que está por trás do sucesso escolar? Nenhuma pesquisa confirma isso. Os que advogam essa causa dirão que as escolas militares têm melhores desempenho do que as demais, não militares. Enquanto escolas estaduais, talvez. Mas existem outros fatores a serem considerados: como o perfil socioeconômico dos estudantes já que o “desempenho” nesse caso limita-se tão somente à aprovação nos exames de vestibular. Além disso, se considerarmos a rede de ensino básico, federal e estadual, o melhor desempenho é, na realidade, das escolas técnicas. CEFETs e IFs têm melhor desempenho, mesmo que não tenha alunos mais ricos. E, sem sombra de dúvidas, a rigidez disciplinar não é um imperativo nesses locais.

Observa-se, no projeto de escolas cívico-militares, uma resposta pouco lógica e pouco eficaz para as necessidades educacionais do país na atualidade. É uma reedição de projetos de 1920. A escola deve estar, em ambos os períodos, calcada nos desígnios da ordem e do progresso, bem como com o compromisso de moralizar a sociedade, elementos fundamentais para se alcançar o desenvolvimento material e social da nação. Esses resultados, olhados superficialmente, até parecem positivos.

A questão é que as ações adotadas em 1920 não lograram êxito, afinal de contas, independente da métrica usada, o Brasil não é referência mundial nem regional quando o assunto é Educação. Ainda assim, o atual governo, e seus principais atores no campo educacional, resgatam velhos paradigmas para justificar a implementação de uma série de reformas nos sistemas de ensino. Na visão deles, iniciamos uma marcha civilizatória. Sem dúvida, marchamos, em passos sincronizados e “quem não marchar direito…”. Bom, já sabemos o final dessa história.


Imagem de destaque: Austrian National Library / Unsplash

 

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