Educar alunos em casa
STF começa a julgar se é permitido educar alunos em casa, sem matricular na escola
Em dois anos, o número de adeptos da prática cresceu 136% no Brasil
Plenário do Supremo Tribunal Federal, durante sessão - Ailton de Freitas/Agência O Globo/05-09-2018
BRASÍLIA — O Supremo Tribunal Federal (STF) começou a julgar nesta quinta-feira um processo que definirá se é permitida no Brasil o “homeschooling” — ou seja, a prática de educar crianças em casa, sem a frequência na escola. Embora não haja previsão legal, a experiência é compartilhada por ao menos 3.201 famílias no Brasil, segundo mapeamento feito em 2016 pela Associação Nacional de Educação Domiciliar (Aned). O caso tem repercussão geral. Portanto, a decisão tomada pela Corte deverá ser seguida por juízes de todo o país.
No despacho em que liberou o caso para julgamento em plenário, o relator, ministro Luís Roberto Barroso, considerou “relevante o debate acerca dos limites da liberdade de escolha dos meios pelos quais a família deve prover a educação de crianças e adolescentes, de acordo com as suas convicções pedagógicas, morais, filosóficas, políticas e/ou religiosas”.
O julgamento começou com a sustentação oral dos advogados interessados na causa. Em seguida, Barroso vai proferir seu voto. É pouco provável que haja tempo hábil de se concluir a votação ainda nesta quinta-feira.
O tema chegou ao STF em maio de 2015, na forma de um recurso apresentado por uma família gaúcha do município de Canela empenhada em tirar a filha, Valentina, da escola formal e instituir o ensino em casa. Antes de chegar ao STF, a família de Valentina iniciou a guerra para tirar a filha da escola formal em 2012, quando ela tinha 11 anos, em recurso à Secretaria de Educação municipal.
A menina frequentava uma escola municipal que oferecia ensino multisseriado, o que obrigava crianças pequenas a conviverem em sala de aula com adolescentes. Os pais consideraram a situação inapropriada, porque os alunos mais velhos tinham “sexualidade bem mais avançada”, segundo argumentaram no processo.
A família ainda argumentou que tinha discordâncias religiosas em relação ao conteúdo lecionado. “Por princípio religioso, a impetrante discorda de algumas imposições pedagógicas do ensino regular, como, por exemplo, a questão atinente ao evolucionismo e à Teoria de Charles Darwin. Com efeito a impetrante é cristã (criacionista) e não aceita viável ou crível que os homens tenham evoluído de um macaco, como insiste a Teoria Evolucionista”, argumentam os pais.
A família também alegou que tinha condições financeiras de custear o estudo em casa, com a contratação de professores para todas as disciplinas. Com o recurso negado pela Secretaria de Educação, a família recorreu à Justiça, que também negou o pedido.
Em parecer enviado ao STF em dezembro de 2015, o então procurador-geral da República, Rodrigo Janot, opinou contra o pedido da família gaúcha. Argumentou que o artigo 205 da Constituição garante a educação como “direito de todos e dever do Estado e da família”, mas não abre brecha para o ensino doméstico.
No documento, Janot também fez uma defesa da escola como espaço de convívio das diferenças e de aprendizado coletivo. “É altamente desejável, para a construção do projeto constitucional de uma sociedade livre, justa e solidária, que as crianças possam conviver com outras crianças e com elas aprender a respeitar e valorizar as diversidades que permeiam o corpo social, sejam elas de gênero, etnia, origem, credo, aptidão física ou qualquer outra”, anotou. Ele atentou, ainda, para a falta de mecanismos de controle em relação ao ensino domiciliar, como a frequência do aluno e o conteúdo lecionado.
O procurador-geral ainda argumentou que a liberdade religiosa “não legitima a possibilidade de excluir os fiéis de determinada religião do convício em sociedade com pessoas que professam outras crenças”. E acrescentou: “Nem se cogita que se possa negar o acesso do educando ao conhecimento científico com fundamento nas convicções religiosas ou filosóficas da sua família”.
De 2014 a 2016, o número de adeptos do “homeschooling”, prática regulamentada em vários países, cresceu 136%. Apesar do salto, o modelo de substituir a escola pelo ensino em casa, ministrado pelos próprios pais ou professores contratados, ainda é controverso do ponto de vista jurídico.
Segundo a Aned, existem ao menos 18 famílias com problemas na Justiça por manterem os filhos longe da escola. A legislação prevê o crime de abandono intelectual, com detenção de 15 dias a um mês, para pais que não matriculam os filhos para a escola. Portanto, é comum que a prática seja escondida pelas famílias.
Na pesquisa feita pela Aned, as principais motivações declaradas pelos pais foram dar uma educação mais qualificada fora da escola (32%) e problemas relacionados ao princípios de fé da família (25%). Violência, bullying e doutrinação são outras razões apontadas. São Paulo tem o maior número de adeptos do homeschooling (583 famílias), seguido de Minas Gerais (380), Rio Grande do Sul (363), Santa Catarina (336) e Bahia (325).
Em nota, o Ministério da Educação (MEC) condenou a prática. A pasta recomenda que as famílias sigam o parecer do Conselho Nacional de Educação (CNE), segundo o qual “a Constituição Federal aponta nitidamente para a obrigatoriedade da presença do aluno na escola”. Ainda segundo o MEC, cabe ao “Poder Público a obrigação de recensear, fazer a chamada escolar e zelar para que os pais se responsabilizem pela frequência à escola”.
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