Educar crianças com autonomia e liberdade
Como educar crianças com autonomia e liberdade para desbravar o mundo
Proposta de ensino é praticada por instituição caxiense há seis anos e coloca as crianças como centro do próprio aprendizado, contribuindo com o desenvolvimento de suas habilidades
16/09/2023
Crianças são incentivadas a desenvolver habilidades a partir das próprias vontades, a
começar pela escolha da roupa para ir à escola. Porthus Junior / Agencia RBS
Em três recipientes sobre a mesa redonda, mãos pequenas e habilidosas despejam um líquido rosa de um para o outro, com o auxílio de uma concha. Na mesa ao lado, dentro de um pote, a água e a massinha são misturadas com concentração. Os olhares dos adultos, que observam de longe, parecem não entender o que está sendo feito, mas para a gurizada da Cataventura Escola Infantil, de Caxias do Sul, aquele é um trabalho importante e que exige total dedicação. A escola aplica o método montessoriano, em que cada um dos 43 alunos têm autonomia para usar o ambiente escolar como forma de explorar o mundo e descobrir como interagir com ele.
Criado por Maria Montessori, em 1937 na Itália, o modelo de educação coloca as crianças no centro do próprio conhecimento (saiba mais abaixo). Na escola de Caxias, o método é usado há seis anos. No local, cada um pode escolher o que fazer dentro das possibilidades de aprendizagem que são oferecidas como culinária, biologia, musicalização, idiomas, arte, yoga e meditação, filosofia e faz de conta.
Como o ensino é centrado nas crianças, os educadores comumente procuram ocupar os ambientes de forma que fiquem na mesma altura dos pequenos, para conversas olho no olho. Além dos brinquedos coloridos, comuns nas mais diversas escolas infantis, o ambiente da Cataventura é decorado com sofás, mesas, cadeiras e até mesmo pias de cozinha na altura dos pequenos.
Sofás da escola tem o tamanho certo para que as crianças sintam que estão em um
ambiente próprio para elas. Porthus Junior / Agencia RBS
— As crianças são convidadas a participar ativamente de todas as etapas de modo que essa aprendizagem se torne significativa e estimule habilidades importantes para uma vida de qualidade. Assim, elas aprendem sobre auto cuidado pessoal, como assoar o nariz, vestir as próprias roupas, expressar emoções e os próprios limites, além de cuidados com o ambiente, como guardar o material que utilizam, lavar a louça do almoço, preparar lanches, e cuidados com o outro, como auxiliar as crianças menores, ensinar sobre o que já sabem, respeitar as necessidades das outras crianças, resolver os conflitos com diálogo e proteger a natureza — explica a diretora Laina Brambatti, mestre em Filosofia/Ética pela UCS.
Para que desenvolvam as habilidades mencionadas pela diretora, os pequenos são ensinados a fazer atividades por conta própria, de acordo com a idade e habilidade que possuem. O local ensina estudantes de 18 meses a seis anos. Além disso, lavar quando necessário e guardar os materiais depois de usá-los estão entre os ensinamentos que contribuem para que aprendam lições sobre responsabilidade e independência.
A iniciativa de deixar os pequenos expressarem as próprias emoções está atrelada a um pedido feito aos pais, para que deixem os filhos escolherem as próprias roupas. A ideia, desafiante para os pais e divertida para as crianças, acaba se tornando em um ambiente ainda mais lúdico. Conforme a diretora, a saia de tule usada por uma das meninas e o vestido de Chapeuzinho Vermelho, usado por outra, contribuem para que cada aluno construa, aos poucos, a própria identidade.
Pais dos estudantes são incentivados a deixar que as crianças escolham as próprias roupas
para que elas desenvolvam suas identidades. Porthus Junior / Agencia RBS
Desenvolvimento a partir do ensino guiado
O método de ensino montessoriano é um incentivo direto no futuro das crianças, de acordo com Karen Cristina Rech Braun, psicóloga clínica especializada em Infância e Adolescência, professora do curso de Psicologia da UCS e Coordenadora do curso de Psicologia do Campus da Região das Hortênsias.
Conforme ela explica, nos estágios iniciais da educação de um ser humano o desenvolvimento ocorre de maneira física, cognitiva e psicológica. Por este motivo, métodos de ensino que incentivem a exploração das crianças de maneira autônoma e ativa, contribuem para que elas desenvolvam habilidades por conta própria.
— É importante dizer que esse método de ensino não é aleatório ou completamente livre. É um método guiado, em que as crianças recebem a oportunidade da autonomia e a liberdade de escolha, mas têm educadores prestando orientações e cuidando de cada um. Ou seja, as crianças têm as ferramentas para explorarem e cada escola que trabalha com métodos de ensino neste formato, escolhe com quais materiais trabalhar para contribuir com esse desenvolvimento — explica a psicóloga.
Karen afirma que tudo o que é vivenciado na infância permanece com cada pessoa. Por isso, os sensos de responsabilidade, autonomia, independência, colaboração e segurança ensinados na escola, podem contribuir para que as crianças se tornem pessoas confiantes e com boa autoestima.
— Elas se tornam autoras da própria história, não somente na educação, mas na vida. Elas internalizam os valores, relacionando isso a independência e autonomia. Além disso, são curiosas e buscam os próprios interesses. É uma chance de que, de fato, se tornem mais felizes ao longo da vida e que sejam adolescentes e adultos mais independentes, curiosos e autônomos — afirma a psicóloga.
De acordo com a diretora, a visão montessoriana acredita na criação de crianças felizes. Para que isso ocorra, é necessário o incentivo para que cada uma delas construa o próprio conhecimento a partir de experiências e descobertas de acordo com aquilo que sentem curiosidade em aprender.
— Acreditamos que pessoas felizes, autônomas e conscientes da realidade pessoal e do mundo. Pessoas assim são capazes de contribuir para um mundo de paz — defende Laina.
Dever de casa para os pais
Na escola de Caxias, além dos materiais em salas de aula, os estudantes podem aprender em um espaço equipado ao ar livre. No local, que tem espaço para que corram ou vivam aventuras na casinha de madeira, há uma horta onde aprendem a plantar e também esperar para colher. Segundo explica a diretora da escola, as atividades de culinária são feitas na escola com itens plantados pelos alunos na horta cultivada por eles.
Em diferentes ocasiões, contudo, os pequenos levam o fruto da colheita da horta para preparar os alimentos em casa. Para que ocorra essa interação, é essencial que haja um contato direto entre a escola e os pais de cada aluno. Conforme Laina, a cada dois meses os pais participam de uma reunião para que estejam a par de tudo o que os filhos estão aprendendo e de que forma estão se desenvolvendo.
Esse contato direto, enfatiza a psicóloga Karen, é essencial para dar continuidade dentro do ambiente familiar aquilo que os pequenos aprendem na escola. Entretanto, pode ser desafiador para os pais acompanhar essa rotina dos filhos.
— Muitos desses pais podem não ter tido esse mesmo método de educação, por isso é essencial que absorvam a ideia da proposta pela escola e deixem a criança fazer coisas que ela já consegue fazer sozinha. Claro, é essencial oferecer ajuda, mas até o ponto em que ela precisa. Muitas vezes os pais assumem aquela tarefa para otimizar o tempo, porque a criança faz em um tempo e os adultos em outro. Mas é essencial deixar a criança agir e estar conectada com a proposta do ensino que está sendo aplicado pela escola — conta a psicóloga.
Conforme Laina, os pais precisam estar preparados para respeitar a criança como sujeito que sente e tem voz. Além disso, é essencial que os pequenos convivam em um ambiente onde sintam segurança e pertencimento, estimulados em sua autonomia.
— Dessa forma eles se tornam capazes de investigar, criar hipóteses, buscar o saber, buscar alternativas para a resolução de problemas. Assim, sentem que são capazes e seguros diante dos desafios da vida, além de estabelecerem uma relação prazerosa com o saber. São curiosas, proativas e, consequentemente, tranquilas e capazes de diálogos complexos. Possuem maior senso de responsabilidade e respeito às diferenças — reforça Laina.
Educadores buscam ocupar os ambientes de forma que fiquem na mesma altura
dos pequenos. Porthus Junior / Agencia RBS
Autonomia e independência também em casa
Na casa de Marion Martinato e Felipe Neumann, pais de Lara, quatro anos, e Nina, dois, que estudam na escola, o aprendizado vivenciado pelas pequenas é aplicado no ambiente familiar. Conforme a mãe, o convívio diário com as meninas se tornou um aprendizado constante sobre a infância e sobre as próprias filhas.
— Para nós, ter um filho que estude em uma escola com esse método de ensino é um pouco difícil, porque a gente tem que estar sempre se desconstruindo e se reconstruindo. Ali existe uma filosofia de estudo e pedagogia aplicados. Eles veem as crianças de uma forma diferente, em que elas são o centro delas mesmas. O centro de aprendizagem surge a partir delas e não têm adultos dizendo o que deve ser feito, e, sim, são elas que manifestam o que precisam — conta Marion.
Além disso, a mãe percebe em atividades rotineiras a independência das meninas. Lara está na escola há dois anos, enquanto Nina está há 10 meses. Conforme Marion, entre as percepções que já teve sobre as duas, estão os olhares para si mesmas, sobre as próprias necessidades e sobre o que querem e o que não querem. O respeito sobre elas mesmas, faz com que todos em volta percebam quem elas são e as respeitem a partir da autonomia que manifestam.