Ensinar e aprender com sentido
Ensinar e aprender com sentido em tempos de pandemia
Ana Claudia Gomes¹
Fabiana Vilas Boas²
Aqui estamos novamente, problematizando algumas reflexões acerca desse fluxo de adaptações do Ensino Remoto em tempos de Pandemia. Já vimos tecendo percepções acerca desse tema considerando também nossas experiências como mães de estudantes da rede privada/pública e educadoras da rede pública.
Recentemente, em uma publicação intitulada “Os erros pedagógicos que estamos cometendo durante a pandemia”, o companheiro Rudá Ricci nos inspirou a continuar o debate por aqui, permanecendo na mesma pauta: Desafios da transformação do ensino presencial, que estava, inclusive, já saturado, na oferta do que estamos chamando “Ensino Remoto”.
Nesse artigo Rudá elenca problemas como organização da carga horária compartimentada, relação verticalizada e passiva na entrega dos conteúdos/atividades pelos drives das escolas/secretarias aos estudantes, foco nos resultados sistêmicos, ignorando os desequilíbrios emocionais e intelectuais instalados, etc. Erros gerados por uma ansiedade pedagógica que resiste em compreender e contextualizar-se com a realidade dos seus estudantes e educadores.
Calma, muita calma nessa hora. É preciso respirar e ressignificar tudo isso, aproveitando a potência das circunstâncias, para ativarmos mudanças necessárias de paradigmas no nosso sistema educacional. Todos nós estamos sendo convidados a adaptações, contudo podemos escolher fazê-las com reflexão, buscando sentidos, ou nos rendermos de novo e de novo, num loop eterno, aos automatismos, e permanecendo na zona de conforto.
O que gostaríamos de trazer aqui é o convite freiriano reinventado, de reconstruir novos fazeres pedagógicos pela autonomia e sentido nosso de cada dia, que pulsa latente para ser o que se é, sentindo o que sente. Esse convite traz como premissa a humanização da nossa comunicação pedagógica, e a potência do ensinar e aprender pela interação, pelos relacionamentos que dialogam com empatia nos colocando em lugar de prioridade, frente a qualquer outro numeral. Somos humanos e tal como precisamos ser vistos, esse direito já foi preconizado há bom tempo e precisa ser sustentado na nossa capacidade de nos reinventar nas relações pedagógicas.
Em primeiro lugar, a gestão do tempo na pandemia não deveria ser “industrial”, como ocorre em geral nas escolas, com uma imposição massificante de conteúdos, especialmente na forma de longos textos e concentrada na fala do professor. A qualidade da interação, o enfrentamento dos obstáculos em relação aos meios tecnológicos, a aposta na afetividade e uma relação mais personificada com os estudantes poderiam ser princípios.
Domenico De Masi tratou disso com relação à Itália. Ele sugeriu, por exemplo, que a educação escolar aproveitasse a ocasião para aceder à vida cotidiana dos estudantes em casa. O que os estudantes fazem em casa envolve saberes que podem ser conectados à educação escolar. Um exemplo do filósofo foi a alimentação. Sugerir aos estudantes que ajudem seus familiares na preparação das refeições e escrevam receitas. E como é hábito na educação pensar por meio de disciplinas, aqui temos língua materna, ciências, matemática, geografia, história, artes…
Nós diríamos que a escrita das receitas pode ser orientada, conforme o gênero textual correspondente, e depois corrigida pelos professores. Os professores deveriam, não se preocupar logo em passar ao próximo passo, mas analisar as receitas do ponto-de-vista da qualidade da alimentação. Sugerir enriquecimento e diversidade das refeições com base em alimentos de época, que são mais baratos. Escolher receitas saudáveis e saborosas, na produção dos próprios estudantes, e sugeri-las aos demais.
Orientar a feitura de hortas seria uma unidade de estudos irresistível. Hortas podem ser feitas em quintais, mas também em pequenos espaços, utilizando materiais descartáveis, como as garrafas de plástico. Podem ser feitas nos muros, com ajuda de madeiras que estejam ociosas nas comunidades. Cuidar de plantas envolve influências culturais, e aqui se pode lembrar da necessidade de ensinar matrizes afro-indígenas, conforme determinado pela legislação educacional brasileira. Uma perspectiva mais ecológica aqui também se pode fazer presente.
Da mesma forma, os animais domésticos podem ser pontos-de-partida. Quais os estudantes têm? Cachorros, gatos, galinhas, talvez passarinhos presos (infelizmente). Quem cuida e como cuida?
Como alimentar, imunizar, harmonizar com hábitos de higiene? Uma unidade de estudos de gênero poderia partir do estímulo a que todos, garotos e garotas, tivessem trabalhos domésticos sob sua responsabilidade e deles fizessem relatos. Posso imaginar o quanto mais saberiam de seus estudantes os professores…
Os modos-de-fazer docentes precisariam se reorientar, mobilizando os recursos disponíveis para que o maior número possível de estudantes tivessem acesso aos estudos remotos: aplicativos de comunicação, rádio, como cita Ricci, no caso de Alagoas, atuação sindical para garantir a aquisição de dispositivos tecnológicos e acesso à internet pelos estudantes, participação em programas de formação de educadores, com atenção, pois há propostas conservadoras em andamento em algumas instâncias federativas, etc.
Há 73 anos a Declaração Universal dos Direitos Humanos manifesta que a educação é direito, mas também meio para o acessar. Isso nos lembra que já é hora de mudar as estruturas do sistema atual que por si só muitas vezes desqualifica esse fluxo. E essa é a hora, mesmo com o lamento de que tenha sido preciso o freio de uma pandemia para esse despertar. Ansiamos por uma educação presencial, virtual ou híbrida focada na missão inexorável de mediar processos na formação de cidadãos responsáveis com direito a seus direitos.
Enfim, aqui apenas apresentamos elementares contribuições ao debate, fartamente alimentado por professores e pesquisadores nas circunstâncias atuais. É produtivo pensar que a educação talvez não volte a se dar nos moldes de 2019. O protagonismo dos educadores urge, para não serem levados na esteira de propostas mercadológicas e não-comprometidas com as reais condições da sociedade brasileira.
1Mestre em História pela UFMG. Professora da rede municipal de Betim com ampla experiência em formação de educadores.
2Especialista em Pedagogia pela PUC/MG. Professora e pedagoga da rede municipal de Betim, Ensino Fundamental, com ampla experiência na docência e gestão de projetos pedagógicos, atuou como Presidente do Conselho Municipal de Educação de Betim de 2009 a 2012.