Ensino domiciliar no STF

Ensino domiciliar no STF

Barroso vota a favor do ensino domiciliar, sem a matrícula do aluno na escola

julgamento no STf será retomado na próxima semana, com os votos dos outros dez ministros

POR CAROLINA BRÍGIDO      

O ministro Luís Roberto Barroso, durante sessão do STF - Ailton de Freitas / Agência O Globo

BRASÍLIA – O Supremo Tribunal Federal (STF) começou a julgar nesta quinta-feira um processo que definirá se é permitido no Brasil o “homeschooling” – ou seja, a prática de educar alunos em casa, sem a frequência na escola. O relator, ministro Luís Roberto Barroso, votou a favor do ensino domiciliar. O julgamento será retomado na próxima quarta-feira, com os votos dos outros dez ministros. O caso tem repercussão geral. Portanto, a decisão da Corte deverá ser seguida por juízes de todo o país.

No voto, Barroso explicou que os pais têm o direito de escolher o tipo de educação que consideram melhor para os filhos. O relator reforçou o argumento com dados da Prova Brasil, o sistema do Mistério da Educação (MEC) para avaliar a qualidade do ensino oferecido no país – que, segundo ele, teve “resultados desoladores”. O teste mostrou que apenas 5% dos alunos obtiveram o nível adequado em Matemática. Em Português, o índice foi de 1,7%.

— Por convicção filosófica, sou mais favorável à autonomia e emancipação das pessoas do que do paternalismo do Estado — declarou o relator.

— O fato de eu considerar o ensino domiciliar como compatível com a Constituição não significa que eu considere essa uma opção melhor ou pior. Esse juízo não é meu. Para os meus próprios filhos, eu optei por uma escolarização formal. Mas respeito quem opte por um caminho diferente.

O ministro ponderou que as crianças e adolescentes submetidos a esse tipo de educação seriam cadastradas nas secretarias de educação municipais. Eles precisam fazer provas periódicas. Se o aprendizado estiver deficiente, os pais seriam notificados. Em caso de não haver melhora, o aluno deverá ser obrigado a frequentar uma escola regular.

— A criança não ficará entregue à própria sorte, nem ficar sob a eventual irresponsabilidade dos pais — declarou Barroso.

O ministro enfatizou que, em todo o mundo, especialmente nos países desenvolvidos, a população praticante da educação doméstica tem aumentado de maneira significativa. No Reino Unido, são 100 mil alunos nessa condição. Nos Estados Unidos, são 1,8 milhão. Embora não haja previsão legal, a experiência é compartilhada por ao menos 3.201 famílias no Brasil, segundo mapeamento feito em 2016 pela Associação Nacional de Educação Domiciliar (Aned).

O julgamento começou com a sustentação oral dos advogados interessados na causa. A advogada-geral da União, Grace Mendonça, fez a defesa do ensino escolar tradicional:

— A Constituição diz que a educação é dever do estado e da família, que será feito com a colaboração da sociedade, uma tríplice participação. Que deve ser organizada com atuação conjunta, voltada a que sejam atingidos objetivos: pleno desenvolvimento da pessoa, preparo para exercício da cidadania, e qualificação para o trabalho.

O vice-procurador-geral da República, Luciano Mariz Maia, se manifestou no mesmo sentido.

— O processo de educação é de partilha de valores, de conhecimento, construção de habilidade. Faz com que nós desenvolvamos nossa própria personalidade e reconheçamos as pessoas, num processo de socialização — declarou.

O tema chegou ao STF em maio de 2015, na forma de um recurso apresentado por uma família gaúcha do município de Canela empenhada em tirar a filha, Valentina, da escola formal e instituir o ensino em casa. Antes de chegar ao STF, a família iniciou a guerra para tirar a filha da escola formal em 2012, quando ela tinha 11 anos, em recurso à Secretaria de Educação municipal.

A menina frequentava uma escola municipal que oferecia ensino multisseriado, o que obrigava crianças pequenas a conviverem em sala de aula com adolescentes. Os pais consideraram a situação inapropriada, porque os alunos mais velhos tinham “sexualidade bem mais avançada”, segundo argumentaram no processo.

A família ainda argumentou que tinha discordâncias religiosas em relação ao conteúdo lecionado. “Por princípio religioso, a impetrante discorda de algumas imposições pedagógicas do ensino regular, como, por exemplo, a questão atinente ao evolucionismo e à Teoria de Charles Darwin. Com efeito a impetrante é cristã (criacionista) e não aceita viável ou crível que os homens tenham evoluído de um macaco, como insiste a Teoria Evolucionista”, argumentam os pais.

A família também alegou que tinha condições financeiras de custear o estudo em casa, com a contratação de professores para todas as disciplinas. Com o recurso negado pela Secretaria de Educação, a família recorreu à Justiça, que também negou o pedido.

Em parecer enviado ao STF em dezembro de 2015, o então procurador-geral da República, Rodrigo Janot, opinou contra o pedido da família gaúcha. Argumentou que o artigo 205 da Constituição garante a educação como “direito de todos e dever do Estado e da família”, mas não abre brecha para o ensino doméstico.

No documento, Janot também fez uma defesa da escola como espaço de convívio das diferenças e de aprendizado coletivo. “É altamente desejável, para a construção do projeto constitucional de uma sociedade livre, justa e solidária, que as crianças possam conviver com outras crianças e com elas aprender a respeitar e valorizar as diversidades que permeiam o corpo social, sejam elas de gênero, etnia, origem, credo, aptidão física ou qualquer outra”, anotou. Ele atentou, ainda, para a falta de mecanismos de controle em relação ao ensino domiciliar, como a frequência do aluno e o conteúdo lecionado.

O procurador-geral ainda argumentou que a liberdade religiosa “não legitima a possibilidade de excluir os fiéis de determinada religião do convício em sociedade com pessoas que professam outras crenças”. E acrescentou: “Nem se cogita que se possa negar o acesso do educando ao conhecimento científico com fundamento nas convicções religiosas ou filosóficas da sua família”.

De 2014 a 2016, o número de adeptos do “homeschooling”, prática regulamentada em vários países, cresceu 136%. Apesar do salto, o modelo de substituir a escola pelo ensino em casa, ministrado pelos próprios pais ou professores contratados, ainda é controverso do ponto de vista jurídico.

Segundo a Aned, existem ao menos 18 famílias com problemas na Justiça por manterem os filhos longe da escola. A legislação prevê o crime de abandono intelectual, com detenção de 15 dias a um mês, para pais que não matriculam os filhos para a escola. Portanto, é comum que a prática seja escondida pelas famílias.

Na pesquisa feita pela Aned, as principais motivações declaradas pelos pais foram dar uma educação mais qualificada fora da escola (32%) e problemas relacionados ao princípios de fé da família (25%). Violência, bullying e doutrinação são outras razões apontadas. São Paulo tem o maior número de adeptos do homeschooling (583 famílias), seguido de Minas Gerais (380), Rio Grande do Sul (363), Santa Catarina (336) e Bahia (325).

Em nota, o Ministério da Educação (MEC) condenou a prática. A pasta recomenda que as famílias sigam o parecer do Conselho Nacional de Educação (CNE), segundo o qual “a Constituição Federal aponta nitidamente para a obrigatoriedade da presença do aluno na escola”. Ainda segundo o MEC, cabe ao “Poder Público a obrigação de recensear, fazer a chamada escolar e zelar para que os pais se responsabilizem pela frequência à escola”.



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