Entre a esperança e a resistência
Entre a esperança e a resistência: o que é ser professor no Brasil
Diretor de políticas públicas da Fundação Santillana, André Lázaro fala a respeito da coragem e a paixão que movem os educadores brasileiros
postado em 19/10/2025
Diretor de políticas públicas da Fundação Santillana, André Lázaro
Ser professor é muito mais do que dar aulas. É exercer uma das missões mais desafiadoras do país: formar cidadãos, inspirar sonhos e transformar realidades — mesmo diante de condições adversas. É lidar, todos os dias, com as dores e alegrias de ensinar em um cenário marcado pela desvalorização, falta de recursos, sobrecarga e pela esperança de que a educação possa, um dia, ocupar o lugar que merece.
Exercer a docência é, também, gesto de coragem. É escolher permanecer em sala de aula quando o reconhecimento ainda é pequeno, os desafios grandes e as políticas públicas nem sempre acompanham as necessidades reais. É resistir, mesmo diante das dificuldades, acreditando que o conhecimento é ferramenta capaz de romper ciclos de desigualdade e abrir novos horizontes para próximas gerações
André Lázaro sabe bem disso. Diretor de políticas públicas da Fundação Santillana — mantida pela Santillana Educação, empresa de conhecimento, inovação e tecnologia educacional na América Latina.
Nesta entrevista ao Correio Braziliense, Lázaro reflete a respeito dos desafios e potenciais da carreira docente, o papel da tecnologia em sala de aula, a urgência da valorização profissional e o que ainda falta para que a educação deixe de ser uma promessa distante e se torne, de fato, uma realidade presente.
Diante das dificuldades enfrentadas pela categoria, como a desvalorização da profissão, a baixa remuneração e a falta de reconhecimento, o senhor acredita que ainda há motivos para comemorar o Dia dos Professores?
André Lázaro: há muitos ângulos para olhar. Um ângulo é esse, o social/político, que encara as condições, prestígio, respeito e valorização que ela tem no meio da sociedade. De fato, por esse aspecto há mais motivos para preocupação. Mas também há o ângulo da realização pessoal. As professoras e professores têm motivo para comemorar, sim, porque a vida do docente é muito intensa e exigente, mas ao mesmo tempo, de muita gratificação pela relação com os estudantes e colegas de trabalho. Então, sim, há motivos para comemorar, e são esses que nos levaram a escolher a profissão. Tem um historiador que eu gosto muito, Luiz Antonio Simas, que fala que a gente não faz festa porque a vida é boa, pelo contrário, fazemos festa para torná-la boa. Acho que as professoras e os professores têm muito motivo para fazer festa.
Entre os desafios da sala de aula, a indisciplina parece se destacar. O senhor acredita que esse comportamento pode revelar algo mais profundo, e que o tema deveria ser tratado com mais seriedade nas políticas educacionais?
André Lázaro: eu não gosto de ver a indisciplina apenas como um comportamento inconsequente e irresponsável. A indisciplina pode ser um sintoma da inconformidade. Uma inconformidade com o formato pedagógico, com as condições cotidianas das escolas. É importante vê-la como sintoma e tratá-la pedagogicamente. Claro que há várias formas de expor o seu descontentamento, como de forma agressiva com os colegas e docentes, mas eu acho que a gente deveria também pensar na indisciplina como um sintoma. Temos que investigar, e não apenas reprimi-la. É importante que isso seja feito não a partir da premissa que responsabilize e culpe o estudante, mas a partir de que a relação pedagógica não está satisfatória.
Na sua avaliação, quais são as maiores dificuldades que esses professores enfrentam tanto em salas de aula quanto praticando a profissão aqui no Brasil?
André Lázaro: em primeiro lugar eu gostaria de chamar de ‘as professoras’. Quando estamos falando de educação básica, 80% dos profissionais são mulheres. Esse plural masculino é injusto, porque oculta as questões de gênero que afetam a categoria docente. Temos que acabar com esse masculino genérico, que não nos ajuda a conhecer de fato quem são as profissionais de educação no Brasil. A segunda coisa importante é o respeito ao profissional. Que pode ser traduzido com salários a altura das responsabilidades, condições de trabalho que deem segurança e conforto e progresso na carreira. Acho que as professoras deveriam ter apoio para pensar em um novo modelo pedagógico. A indisciplina infantil, por exemplo, tem a ver com o modelo. No Anuário Brasileiro da Educação Básica, vemos que não podemos aceitar que metade das funções docentes das redes estaduais sejam professores temporários, isso não ajuda a educação, não respeita os profissionais e é um erro que deve ser corrigido imediatamente. Não dá para ter vínculos frágeis e esperar resultados satisfatórios.
A docência, em geral, é uma profissão marcada por muita resistência e pouca valorização. Que tipo de políticas públicas o senhor acredita que seriam mais urgentes para mudar esse cenário?
André Lázaro: não existe só uma solução para o problema, é um conjunto. Há um problema sério na educação brasileira em relação ao piso salarial baixo. Então, uma coisa importante era ter um piso salarial mais atrativo. Outra coisa importante é ter condições dignas, sem a violência nas escolas, com acolhimento e ambientes favoráveis. A educação deve receber o apoio proporcional à sua importância para a nossa vida presente e futura. Eu não gosto dessa ideia de que a educação é um projeto futuro. A educação é hoje, a sala de aula está funcionando, a merenda tem que chegar. A educação brasileira deveria gritar isso: ‘não faça de mim uma promessa, faça de mim uma realidade presente’.
Nós vivemos em uma era tecnológica, que acabou mudando uma certa “rotina” já estabelecida nas salas de aulas, onde muitas vezes parece que o meio acaba fazendo o “trabalho” do professor. Assim, que papel o senhor acha que a tecnologia deve ter para os professores? O senhor acredita que ela pode ser uma ameaça?
André Lázaro: a tecnologia ameaça todos nós. Ela nem sempre é um bom caminho, então, eu não acho que a gente deveria prosseguir endeusando a tecnologia como se ela fosse a resposta positiva para todos os nossos desafios. 70% dos concluintes de pedagogia estão vindo do Ensino a Distância (Ead), e isso é um mal sinal. A EAD é importante para algumas situações, mas não supre as condições necessárias para a formação de um profissional docente. Nesse ponto, a precarização da formação é a grande ameaça. O problema não está na tecnologia em si, mas em certos usos que têm sido feitos dela.
Algo que também vem crescendo muito é o ‘apagão’ dos professores. Causado, em grande parte, pela desvalorização da docência, que leva muitas profissionais a deixar a carreira. O que você tem para comentar a respeito do assunto?
André Lázaro: eu ainda não tenho uma análise tão clara sobre o assunto, essa análise quantitativa no ciclo de aposentadoria, permanência e ingresso, eu gostaria de ver com mais atenção para ver se, de fato, estamos tendo esse apagão. Porém, acho que nós não estamos ainda. Embora seja um risco por conta da falta de atratividade da profissão. Mas mesmo que ainda não estejamos tendo esse apagão, é importante que nós tenhamos meios que evitem Divulgação/ 2º Simpósio Internacional de Educação Infantil essa perda dessa mão de obra tão fundamental.
Qual é o papel das professoras para mudar esse cenário de desigualdades educacionais do nosso país, a fim de promover um país mais justo, inclusivo e sustentável?
André Lázaro: acho que a primeira coisa é a luta pela própria profissão. Elas já fazem muito com as condições que são oferecidas. A própria luta é a defesa da profissão. É você conseguir salário, carreira e condições de trabalho dignas. Acho que essa é a luta. E os sindicatos docentes são muito mobilizados e com muita coragem. Acho que a sociedade deveria dar mais valor. Dessindicalizar os sindicatos é o primeiro passo para destruir as condições de trabalho de alguma profissão, então, precisamos ouvi-los e tratá-los com respeito.
Qual mensagem o senhor gostaria de deixar para as professoras brasileiras que lutam todos os dias com dedicação e coragem, para mudar o futuro do Brasil?
André Lázaro: nós temos que lutar pela educação, mas não somente por ela. Também temos que lutar pela democracia, por eleições que coloquem no Congresso Nacional parlamentares comprometidas com a educação; pelo fim da jornada 6x1, para que as pessoas tenham mais tempo para viver e não viver para trabalhar. Lutar pela educação é lutar por uma sociedade que a valorize.
* Estagiária sob a supervisão de Ana Sá