Escassez de professores

Escassez de professores

Escassez de professores desafia a educação mundial, diz estudo

Segundo relatório da Unesco, são necessários mais 44 milhões de professores para atender a educação básica até 2030 em todo o mundo. valorização da profissão está entre principais desafios

Gabriella Braz  - postado em 17/08/2025

 

O quarto Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS 4) da Organização das Nações Unidas (ONU) objetiva “assegurar a educação inclusiva e equitativa e de qualidade” até 2030. Apesar dos avanços nos últimos anos, a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) estima que 251 milhões de crianças ainda estejam fora da escola. 

As estimativas mostram um longo caminho a percorrer até 2030 para cumprir a agenda e voltar os olhares para outra questão: há estrutura e profissionais suficientes para atender a essa demanda? O Relatório global sobre professores mostra que esse deficit é um desafio mundial. 

Segundo o documento, publicado em português em julho, são necessários mais 44 milhões de docentes para dar conta da educação primária e secundária até 2030. O deficit é maior na África Subsaariana, com necessidade de mais de 15 milhões de profissionais, mas atinge países de todos os continentes.  

Na América Latina, faltam 3,2 milhões de profissionais. O abandono da profissão é o principal desafio. As condições de trabalho e a carreira pouco atrativa também fazem com que o número de profissionais permaneça aquém do necessário. 

Os impactos? Salas superlotadas, professores sobrecarregados, acúmulo de funções e vários fatores que afetam a qualidade da educação. “O problema do abandono é bastante grande, mas a escassez não é só o fator abandono, também tem o fator desinteresse, porque o salário é pouco atrativo, a carreira é pouco atrativa, não há benefícios para o docente, ele não vê uma perspectiva de vida lá na frente sendo professor”, destaca Rebeca Otero, coordenadora do Setor de Educação da Unesco no Brasil. 

A especialista aponta algumas iniciativas que mostraram melhorias em alguns países, como reajuste dos salários, melhores planos de aposentadoria, diminuição das horas de aula e uso da tecnologia. “Se o professor utiliza bem a tecnologia, ele tem um alívio da carga de trabalho, porque coloca a tecnologia o ajudando, trabalhando para ele”, explica. 

“A formação docente também pode ajudar muito, mas uma formação que tem a tutoria, que tem um apoio psicológico”, ressalta. Otero destaca ainda a necessidade da prática na graduação, para preparar os novos educadores para a realidade da educação.  

Repensar a carreira 

Aos 24 anos, Isadora Capobianco repensa a carreira que quer seguir. A mineira se formou no início de 2024 em história pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e iniciou a carreira em uma escola pública de Campinas como professora substituta. Foram cerca de seis meses até ela ser convocada para assumir uma vaga efetiva em Cabo Verde, município de cerca de 14 mil habitantes em Minas Gerais.

Isadora relata que teve experiências que a ajudaram na prática em sala de aula, como o Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (Pibid) e o Programa de Residência Pedagógica. Ainda assim, más condições de trabalho e a falta de incentivos no plano de carreira começaram a fazer com que ela repensasse se queria continuar atuando na educação.  

“Eu fui sentindo uma falta de perspectiva mesmo, de ter dúvida se eu consigo dar aula a longo prazo.” Após refletir por um tempo, ela resolveu pedir exoneração do cargo e pensa se deve continuar lecionando ou se muda de carreira.  

Embora ame dar aula, a jovem exibe a frustração. “Eu sinto que esse desgaste foi me deixando muito cansada e eu não conseguia mais ser essa professora atenciosa”, lamenta. “Então você fala: ‘Meu Deus, parece que eu realmente não dou conta, parece que não importa o quanto eu tento planejar as minhas aulas, parece que eu ainda não alcanço os alunos’. E acho que isso é muito frustrante.” 

Isadora faz parte de uma estatística preocupante apontada pelo relatório: no Brasil, a proporção de professores com até 24 anos caiu 42% entre 2009 e 2021. 

Funções acumuladas

Enquanto Osvaldo Lima de Oliveira conversava com a reportagem, dava um tempo da função cansativa que exercia durante a noite. O professor de filosofia de Ceilândia, no Distrito Federal, terminava de pintar uma sala que serve como espaço de atividades e descanso para os alunos. A pintura não deveria ser uma das funções do docente, mas não é a primeira vez que isso acontece nos quase 30 anos na educação. 

Atualmente, ele ocupa o cargo de coordenador da Política Nacional de Ensino Médio (Pnaem) no Centro Educacional (CED) 06 de Ceilândia, mas a decisão de ir para a coordenação não se deu de forma espontânea. “Não tinha professor para ficar na coordenação, porque na nossa escola, a maioria é contrato temporário”, explica. “Eu amo ser professor, prefiro mil vezes ficar na sala de aula com os alunos.”  

Para o docente, a falta de infraestrutura e de repasse para itens básicos nas escolas, além do plano de carreira pouco atrativo, são fatores que geram frustração e abandono por parte dos professores, além de tornar a profissão pouco atrativa para os mais jovens. “Não é só vocação, o cara ama dar aula, mas ele precisa pagar as contas, ele precisa se alimentar, ler livros, ir para o cinema”, observa. 

As condições dos docentes têm se agravado com o que especialistas chamam de “Uberização da educação”, fenômeno presente em todo o mundo. O nome, uma referência ao aplicativo de transporte Uber, segue a mesma lógica da fragilização dos vínculos empregatícios vista em outras profissões. No DF, 39% dos professores da rede pública são temporários. 

Incertezas 

Breno Mendes Teixeira, 25 anos, relata os efeitos da instabilidade como professor temporário. “A qualquer momento você pode sair dali e você não tem como ter certeza de quanto tempo você vai ficar naquela vaga e, se você sair, qual é a próxima vaga que você vai pegar”, explica. O jovem, que está no segundo ano como professor temporário da Secretaria de Educação do DF (SEEDF), relata que é difícil propor projetos mais duradouros para a classe, já que o docente pode ser remanejado a qualquer momento.  

Em maio, a escola onde ele leciona, o Centro de Ensino Médio Ave Branca (Cemab), em Taguatinga, registrou um caso de agressão física contra um professor. Embora não esteja ligado diretamente ao caso, a violência afetou Breno e toda a rede escolar. “No dia seguinte, eu fui para a escola com medo, com insegurança, com ansiedade e tive crise de pânico”, conta. Para ele, ter acompanhamento psicológico é essencial, além de amparo da própria rede de educação, que precisa ser fortalecida com políticas públicas. 

Saúde mental 

Pensar a saúde mental da classe docente foi o que reuniu Tamar Rabelo, Khrisley Lopes, Gisele Dantas, Kelly Regina, Noelma Silva, Alessandra Gmaf e outras educadoras das mais diversas áreas. O interesse pela pesquisa começou pouco depois que Khrisley Lopes precisou fazer readaptação após a disciplina que ministrava, educação doméstica, ter sido retirada do currículo. Professor readaptado é aquele que, por motivos de saúde ou outras razões, precisam deixar a sala de aula para atuar outra função. “E observava muito o nível de adoecimento dos profissionais, inclusive o meu”, explica.  

A partir disso, as pesquisadoras foram chegando para estudar esse tema tão atual. Segundo o grupo, ainda existe uma subnotificação em relação à saúde dos profissionais da educação. E a falta de dados é maior entre os professores com contrato temporário, já que a eles são assegurados pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e a Secretaria de Educação não tem acesso a esses dados.  

Para assegurar a saúde dos professores, segundo elas, é necessário o maior acompanhamento da saúde deles e campanhas que estimulem jovens a seguirem a carreira docente. “Precisamos encontrar jeitos de ser os professores que queremos ser para termos a escola que sonhamos ter. Isso impacta no desenvolvimento do nosso país”, finaliza. 

Novas contratações 

A SEEDF informou, por meio de nota, que o GDF está comprometido a nomear mais 3 mil docentes até dezembro deste ano e convocar concurso em 2026. Segundo a pasta, a contratação de temporários é indispensável para que os estudantes não fiquem sem aula. 

A Secretaria listou ainda que foram nomeados 6.544 servidores da carreira magistério público desde 2019 e citou avanços na carreira docente conquistadas durante o período, como a criação da gratificação para atuação como coordenador pedagógico nas escolas (Lei nº 7.090/2022), reajuste salarial de 18% dividido em três parcelas para todos os servidores do GDF (Lei nº 7.253/2023) e do auxílio-alimentação (Decreto nº 43.309/2022). 

A pasta destacou também a instituição da Política de Qualidade de Vida, Saúde e Bem-estar para os servidores, que busca “fomentar a implementação de programas, projetos e ações que reconheçam o servidor da educação como um ser integral, incentivem o respeito à diversidade de gênero, raça e etnia, e garantam condições geradoras de bem-estar individual e coletivo no contexto laboral”. 


FONTE:

https://www.correiobraziliense.com.br/euestudante/trabalho-e-formacao/2025/08/7223422-escassez-de-professores-desafia-a-educacao-mundial-diz-estudo.html




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