Escola arrombada pelo governo estadual
‘É tudo muito cruel’, diz diretora de escola arrombada pelo governo estadual
Comunidade escolar fez ato em frente a Escola Estadual Rio Grande do Sul, contra o fechamento realizado pelo Governo do Estado. Foto: Luiza Castro/Sul21
Luciano Velleda
Pais, alunos e educadores da Escola Estadual de Ensino Fundamental Estado do Rio Grande do Sul, localizada no centro de Porto Alegre, fizeram um ato em frente à instituição, nesta sexta-feira (4), em repúdio a ação do governo do Estado realizada na véspera. Na quinta-feira (3), agentes da Secretaria Estadual da Educação (Seduc) arrombaram a porta da escola, trocaram o cadeado, e deram início à retirada de móveis e documentos, desocupando a escola fundada há mais de 60 anos.
A drástica ação do governo de Eduardo Leite (PSDB) foi o ato final de um processo confuso. No dia 10 de agosto, a direção da escola foi comunicada pela Seduc de que deveria entregar as chaves, em função da intenção do governo estadual de criar no espaço uma casa para atendimento de pessoas em situação de rua durante a pandemia do coronavírus. O governo também comunicou que a estrutura da escola Rio Grande do Sul seria transferida para a escola Parobé. A direção então solicitou que o governo previsse prazo para a mudança temporária, em função da pandemia, mas o pedido foi negado.
A intenção de mudança do governo estadual, e a falta de diálogo, não foi bem aceita pela comunidade escolar e tampouco pelo conselho escolar, razão pela qual a diretora da escola, Elisa Santana Oliveira, explica não ter entregue as chaves no último dia 31. O intuito era dialogar com a Secretaria Estadual da Educação (Seduc). Nos últimos dias, houve novo pedido de entrega das chaves e a diretora não pode ir a Seduc por problemas de saúde. Ela aguarda o resultado do teste para covid-19. Todavia, Elisa não imaginava que o governo tomasse a decisão de arrombar a escola e iniciar o despejo à revelia.
“O mais forte disso tudo foi a invasão da escola, enxergar que a Secretaria da Educação não teve respeito, um ato muito forte, um ato criminoso. E o secretário Faisal Karam não se abrir pro diálogo”, critica a diretora da escola Rio Grande do Sul. “Tiraram tudo da secretaria, os computadores, impressoras, documentos dos alunos, removeram tudo. É tudo muito cruel, muito difícil.”
Elisa diz que a comunidade seguirá lutando e espera que o governo do Estado volte atrás em sua decisão. “Não foi apresentado nada pra gente, nenhum plano, simplesmente fomos expulsos.” A diretora contesta as justificativas apresentadas pelo secretário Karam, nesta sexta-feira (4), durante audiência promovida pela Assembleia Legislativa. Na reunião, ele disse que a escola tem poucos alunos e que há salas interditadas.
A diretora diz que a escola tem 284 alunos, uma biblioteca nova, recém reformada, com apenas uma sala fora de uso, aguardando a reforma que deve ser feita pela própria Seduc. Ano passado, uma outra sala foi reformada e pintada com recursos e mão de obra da própria comunidade escolar, pois a Secretaria não realizou o serviço. “É uma escola que a comunidade se envolve.”
Comunidade se mobilizou em frente à escola nesta sexta. Foto: Luiza Castro/Sul21
Pablo Kmohan, vice-diretor da Rio Grande do Sul, destaca que a direção da escola não é contrária à criação de um espaço para atender a população em situação de rua, apenas defende que a instituição não seja fechada para esse objetivo. “Fomos despejados como se não houvesse toda uma comunidade escolar que disse ‘não’. É um governo desumano, que não pensa em nada, que só vive pra especulação imobiliária e para o que os empresários falam”, critica. “Uma escola que leva o nome do Estado e sendo tratada do jeito que o Estado trata a educação, mostrando como é o descompromisso.”
Inconformado, o vice-diretor afirma que a direção se sentiu “aviltada” com o arrombamento da escola. Kmohan pondera que a decisão de não entregar a chave foi respaldada pelo Conselho Escolar, com apoio da comunidade. “É uma gestão democrática que não aceita a democracia. É muito fácil falar a palavra ‘democracia’, mas não exercer a democracia. A escola não é do governo, é do seu público.”
Ele também sustenta que a escola tem as salas de aula ocupadas, ao contrário do que diz o secretário da educação do governo Leite. “Ele falou que a escola não chega a ter 12 alunos por sala de aula e isso é mentira, temos quase 25 alunos em algumas salas. A escola é pequena? É, mas ela é pequena porque, com isso, a gente consegue atender melhor um público. Não é botando 40 alunos que se resolve o problema da educação.”
Mãe e pais se dizem surpresos com a notícia do fechamento da escola. Foto: Luiza Castro/Sul21
Apoio da comunidade
O bom atendimento apontado pelo vice-diretor é citado também por mães de alunos, que se dizem surpresas com a notícia de que a escola foi fechada pelo governo do Estado. Bianca Garbelini, mãe de uma aluna de 12 anos, que está no 6º ano do ensino fundamental, diz ter recebido com “tristeza e apreensão” a informação do fim da escola Rio Grande do Sul. “O fechamento da escola não tem justificativa plausível. É uma escola excelente, a melhor para a minha filha, que é pessoa com deficiência e tem todo o suporte para inclusão ali. O estado está sendo desumano e autoritário, ao desrespeitar a vontade do conselho escolar e da comunidade. São cerca de 300 famílias atendidas pela escola e não queremos mudar”, afirma.
Bianca confirma o apoio da comunidade à direção e ao conselho da escola e diz que os pais estão mobilizados em tentar evitar o fim da escola. Com a filha portadora da Síndrome de Williams, ela enaltece o trabalho desempenhado pela Rio Grande do Sul. “A escola faz um trabalho de inclusão excelente. Lá, minha filha sempre foi acolhida e incluída nas atividades, respeitada na sua individualidade, e tem seu potencial reconhecido. As professoras da sala de recursos, que ela frequentava uma vez na semana antes da pandemia, adaptam as atividades e assessoram os professores pra que ela possa aprender junto com a turma”, explica Bianca.
Embora reconheça que esse trabalho de inclusão não exista apenas na escola Rio Grande do Sul, ela enfatiza que não é simples para uma criança ou adolescente com deficiência mudar de escola, considerando o trabalho de adaptação e sociabilização que exige tempo e investimento emocional. “Agora, durante a pandemia, minha filha sente muita falta da escola e dos colegas, sinceramente não é uma opção trocar. Vai causar um dano psicológico enorme ela voltar às aulas em outro espaço, depois de meses esperando o momento de voltar pra escola onde ela desenvolveu laços afetivos, onde ela tem sua autoestima trabalhada pela equipe e que ela identifica como seu espaço de aprender. A Rio Grande do Sul é a escola onde o desenvolvimento intelectual da minha filha teve um salto de qualidade, não aceitaremos perder isso!!”
O filho de Thaise Rodrigues de Britto também precisa de atenção especial. Surdo de um ouvido, tem 16 anos, cursa o 8º ano do ensino fundamental e está na escola desde os 6 anos de idade. “É uma escola que se preocupa com os alunos, se dedica aos alunos. Não tenho nada pra reclamar da escola, pelo contrário. É um absurdo isso que está acontecendo, em fechar a escola para colocar um albergue”, lamenta Thaise, que diz ter ficado sabendo da mudança por meio da mobilização em rede social.
Para ela, caso se confirme a transferência para a escola Parobé, por morar perto, seria menos pior. A dúvida está com a situação dos professores e colegas. “E se não vão os professores? Ele tá acostumado com os alunos, os amigos, os professores que fazem seu aprendizado. Ele tem muita dificuldade de aprender, ele tem problema de audição, é surdo de um ouvido.”
Em audiência hoje, secretário disse que decisão sobre fechamento já foi tomada. Foto: Luiza Castro/Sul21
Ana Paula Monjelo Barcellos tem seu filho de 12 anos no 6º ano do ensino fundamental da escola e pondera que a instituição é a única voltada só para o ensino fundamental no centro da cidade, além de reconhecê-la como um ambiente seguro e um ensino de excelência. “A escola se sobressai por ser muito organizada e orgânica em relação à integração com a comunidade que dela usufrui”, explica.
Sobre a eventual mudança para a escola Parobé, Ana Paula diz não ver motivos para isso acontecer. “Se eles têm infraestrutura para receber tantas turmas do ensino fundamental, que implementem lá, um ensino fundamental. Sendo que seria uma diferença enorme, uma vez que uma escola que só tem crianças é totalmente diferente de uma que mistura todas as faixas etárias. Na escola Rio Grande do Sul, deixo meu filho com a tranquilidade de não haver abuso ou uso de drogas, pois é um ambiente familiar, onde só estudam crianças do ensino fundamental”, avalia.
Assim como outras mães, ela diz que os pais se uniram à direção da escola logo que souberam da intenção do governo estadual de fechar a instituição. A mobilização culminou na audiência pública realizada nesta sexta com a comunidade e a Secretaria da Educação. O resultado, porém, foi decepcionante. “O secretário não conversou, só avisou que a decisão já estava tomada e saiu.”
Foto: Luiza Castro/Sul21