Escola cívico-militar funciona?

Escola cívico-militar funciona?

Escolas cívico-militares: solução ou enganação?

Bolsonaro quer implementar escolas cívico-militares no país. Será que elas realmente funcionam?

No último dia 5, Bolsonaro lançou o Programa Nacional das Escolas Cívico-Militares, cuja intenção é incluir a metodologia cívico-militar em 216 escolas até 2023. De acordo com o site institucional do Programa, o objetivo é “melhorar o processo de ensino-aprendizagem nas escolas públicas e se baseia no alto nível dos colégios militares do Exército, das Polícias e dos Corpos de Bombeiros Militares”. Bolsonaro ainda fez a seguinte declaração:

Queremos colocar na cabeça de toda essa garotada a importância dos valores cívico-militares, como tínhamos há pouco no governo militar, sobre educação moral e cívica, sobre o respeito à bandeira. Botar na cabeça dele que ele tem que entender que a Amazônia é nossa e não aceitar provocações de outro líder mundial, achando que aquele mar verde mais ao norte não pertencer a nós, pertence.


De acordo com o governo, a proposta soou positiva aos ouvidos da população. Uma pesquisa encomendada pelo MEC ao Instituto Checon teria revelado que 85% dos entrevistados gostariam de matricular seus filhos em escolas cívico-militares.

Mas será que a proposta é realmente tão boa quanto soa? Neste artigo, tentaremos desmistificar alguns dos aspectos apontados como positivos da militarização das escolas.

A escola cívico-militar realmente educa mais?

Um dos argumentos utilizados pelo Governo para a implantação do modelo é o de que as escolas cívico-militares teriam um melhor desempenho em relação às demais. O exemplo mais utilizado é o do Colégio Estadual da Polícia Militar de Goiás, que subiu de 5,0 para 6,1 pontos no IDEB em dois anos. Esse avanço foi atribuído à nova disciplina organizacional da escola, que, se submetendo a maior “rigidez”, teria propiciado um ambiente mais adequado ao aprendizado.

No entanto, muitos educadores apontam que talvez não seja a militarização que melhorou o desempenho dos colégios. Isto porque existem outras diferenças entre essas unidades e as demais escolas públicas além da militarização.

A primeira delas é que, na maioria dessas escolas, há reserva de vagas para filhos de militares e processos seletivos para o ingresso. Isso significa que os alunos já ingressam na escola melhor preparados, o que certamente auxilia na melhora dos números.

Outro fator é que, mesmo nos colégios onde não acontecem processos seletivos, há uma barreira significativa: a econômica. De acordo com um levantamento do professor do Departamento de Educação e Sociedade da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) Rodrigo Lamosa, os uniformes dessas unidades podem chegar a custar R$600, e os alunos que não estiverem com material completo podem sofrer punições. Deste modo, a família que não pode arcar com despesas desta monta continuam vendo seus filhos fora destes espaços.

Além disso, as escolas cívico-militares recebem maior aporte financeiro do que as demais. Para a implantação do modelo, Bolsonaro afirmou que investirá R$ 1 milhão por escola. O Distrito Federal, por sua vez, repassa às suas quatro escolas militarizadas cerca de R$ 200 mil por ano, vindos da Secretaria de Segurança Pública – as demais escolas só recebem repasses da pasta da educação.

Uma pesquisa concluiu que um aluno de colégios militares custam três vezes mais aos cofres que os demais estudantes; segundo a doutora em educação Míriam Alves, da Universidade Federal de Goiás, o modelo militarizado, que vem sendo implantado em escolas goianas desde a década de 90, cria uma divisão em que os modelos tradicionais de educação ficam abandonados pela Secretaria de Educação.

Uma evidência clara de que são os recursos, e não a militarização, que trazem avanços, é o das escolas federais. Esses colégios recebem um valor ligeiramente menor que o das instituições militarizadas – são R$ 16 mil por ano para o aluno da federal, e R$ 19 mil para o da escola militar; ambos recebem investimento muitíssimo maior do que o aluno da rede pública regular, que é de R$ 6 mil -, mas tem colocação melhor nos rankings de vestibulares e do ENEM país afora. Isto tudo sem precisar recorrer à militarização.

Na ditadura a educação era melhor… era mesmo?

É comum ouvirmos de pessoas mais velhas que, na época em que o país estava sob o jugo da ditadura militar, a educação era melhor. Esse é, inclusive, um dos argumentos utilizados pelo Presidente para justificar a implantação do programa de escolas cívico-militares.

Mas isso não é exatamente verdade.

A maior dificuldade em realizar uma análise comparativa entre os dados de hoje e os daquela época é que os institutos de avaliação da educação que atuavam no país sofriam restrições, e alguns foram até mesmo fechados pelo governo ditatorial. Apesar disso, temos informações o bastante para afirmar que a qualidade da educação era inferior e os índices educacionais melhoraram muito com a redemocratização.

É o caso da alfabetização. No período da ditadura, 24 a cada 100 crianças entre 10 e 14 anos eram analfabetas; com a redemocratização, este número caiu para 5.

Fonte: IBGE

Hoje, também temos muito mais crianças na escola do que naquela época. Esses números são verdadeiramente espantosos: naquele então, apenas 67% das crianças de 7 a 14 anos frequentavam a escola; em 2015 já alcançávamos 98,5%. No ensino médio o cenário era ainda pior: menos da metade dos adolescentes estavam matriculados em 1970, auge da ditadura militar.

Fonte: IBGE

Essa grande taxa de alunos fora da escola pode ter sido, em grande parte, culpa do modelo existente na época. Isto porque, ainda hoje, as escolas militarizadas sofrem com o esvaziamento. No Distrito Federal, a coordenadora do Comitê DF da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Catarina Santos, aponta que 50% dos alunos das escolas militarizadas foram expulsos ou abandonaram os estudos. De acordo com Catarina, nesse grupo de excluídos, negros são maioria.

Qual a solução?

Demonstramos aqui que as escolas militarizadas não são tão boas quanto o governo pretende vender. A partir disso, surge o questionamento: como melhorar, então, o panorama da educação no Brasil?

A resposta é complexa e perpassa por uma série de fatores a serem observados pelo Poder Público e pela sociedade civil. Porém, já é possível se espelhar em diversas experiências exitosas que alinharam boa disponibilidade de recursos, gestão democrática e inteligente, capacitação de professores e escuta atenta das demandas estudantis.

De nada adianta fornecer uma escola que se resuma em quatro paredes onde o estudante, passivamente, recebe informações descontextualizadas e que a ele nada interessam, repassadas por um professor desmotivado e a quem falta qualificação. A boa escola deve ser atrativa o suficiente para que o aluno ali permaneça não porque a mãe ou o pai mandaram, mas porque para ele, o espaço é efetivamente interessante e desafiador.

Eu mesma posso, felizmente, atestar o sucesso da receita utilizada pelas escolas federais. Oriunda de uma escola pública municipal, onde os professores eram altamente esforçados, mas dispunham de poucos recursos para um número grande de alunos, comecei a estudar no Colégio Pedro II aos 14 anos.

No primeiro momento, foi um choque. Parecia fora da realidade de tudo que eu havia visto até então.

Nós estudávamos de segunda a sábado. Meu turno era de 12h até 18h, mas me recordo que tínhamos tantas atividades extracurriculares que a maioria de nós – sem sermos obrigados a isso – chegava mais cedo e saía mais tarde. A escola ocupava uma quadra praticamente inteira de Realengo, e dispunha dos mais variados laboratórios, salas climatizadas (inclusive para a prática de esportes), quadras poliesportivas, piscina, teatro… Era tanta coisa que eu saí do colégio sem utilizar todos os espaços.

As matérias regulares nos exigiam bastante, e, por essa razão, nós mesmos, os alunos, organizávamos monitorias nas quais reforçávamos os conteúdos coletivamente. Foi graças a esse programa de monitoria, inclusive, que eu pude participar de um programa da Embaixada Americana que abriu meus horizontes.

O resultado disso? Além das meninas que tentavam Medicina, não consigo me recordar de ninguém da minha turma que não tenha passado para uma Universidade de qualidade. As três meninas que tentavam Medicina conseguiram na segunda tentativa. O melhor de tudo: todos nós continuamos nos falando quase que diariamente, e parece que vai ser assim pro resto da vida.

Isso tudo, sem hierarquização, militarização ou disciplina. Mas com dedicação, atenção integral e muito, muito trabalho.

 

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