Escola coberta de lama
Um mês submersa e outro coberta de lama, escola na zona norte retrata drama da rede pública
Colégio Estadual Cândido José de Godói deve começar limpeza nesta quarta, mas ainda não têm prazo para retornar às aulas presenciais.
A Escola Estadual Candido Godoy, no bairro Navegantes, ficou quase um mês inundada.
Foto: Isabelle Rieger/Sul21
Quase um mês depois do dia em que a água baixou e a direção conseguiu entrar no local, finalmente a limpeza do Colégio Estadual Cândido José de Godói irá começar nesta quarta-feira (26). Localizada no bairro Navegantes, um dos mais atingidos pela histórica enchente de maio, a escola ficou praticamente um mês submersa nas águas barrentas do Guaíba.
Construído em dois pisos, o andar térreo do edifício, onde funciona toda a parte administrativa, além do refeitório, ficou completamente devastado. A força da água e o longo período de inundação arrasaram tudo: as lembranças e memórias do museu; as salas de projeções; o laboratório de física; as salas dos professores e da diretoria. Todos os espaços são o retrato da ruína, com perda total de mobiliário, equipamentos e documentos. O primeiro andar, no entanto, não foi atingido e está intacto.
Caminhar pelos corredores com marcas d’água de quase 1,70 metro e sentir o silêncio fulminante dos espaços destruídos torna até mesmo difícil imaginar o ambiente repleto de estudantes, correndo aos gritos de um lado ao outro ou concentrados numa aula qualquer. A destruição se assemelha a uma história de hecatombe em que, de um minuto para outro, as pessoas tiveram que abandonar o local e nunca mais voltaram.
De certa forma, é o que aconteceu na trágica enchente que devastou o Rio Grande do Sul. Os alunos do colégio são prioritariamente dos bairros Navegantes, região das ilhas e de Eldorado do Sul, justamente alguns dos locais mais atingidos pela enchente histórica.
Maria Luiza de Castro, vice-diretora do Colégio Estadual Cândido José de Godói, conta ter sido impactante entrar na escola pela primeira vez, no dia 29 de maio. Desde então, diz que a postura dela e dos colegas de direção tem sido a de se manterem calmos e fortes para que possam recuperar a escola. Agora, quase um mês depois, o sentimento estava sendo de frustração ao ver que o colégio nem sequer havia sido limpo ainda. Além da frustração, a indignação e a preocupação com o futuro da escola também afloram.
“A tragédia da enchente vai ficando maior quanto mais tempo se leva para resolver. Vão se criando outros problemas em torno disso. A gente vê que aquela população mais sofrida, mais atingida, continua sofrendo porque não tem aqui a ação que deveria ter do Estado”, lamenta.
Nesta terça-feira (25), depois de semanas de difícil diálogo com a Secretaria Estadual de Educação, finalmente houve a boa notícia de que a limpeza começará. Antes, logo quando conseguiram entrar na escola e comunicaram o órgão responsável pela educação, ouviram a resposta de que o governo estadual havia contratado empresas para fazerem a limpeza grossa. Desde então, três vistorias foram feitas, mas até esta segunda-feira (24) não havia definição sobre o início da limpeza.
“Semana passada enviamos um ofício para a Secretaria em que colocamos nosso descontentamento. Na nossa avaliação, há uma morosidade, um descaso com a escola e com a comunidade. Não é possível que tenha passado quase um mês e sequer a limpeza foi encaminhada”, disse Maria Luiza, indignada, um dia antes de saber do desfecho positivo.
Ela conta que o governo estadual enviou R$ 40 mil à escola para a contratação da limpeza e deixou o negócio sob responsabilidade da direção. Todavia, a vice-diretora explica que os orçamentos feitos giram em torno de R$ 75 mil e R$ 80 mil, o dobro do recurso recebido. Sentindo-se sozinha, Maria Luiza pediu que o governo estadual estivesse junto com a direção da escola na tarefa de reconstrução diante da magnitude dos desafios.
Nos últimos dias, a Secretaria Estadual de Educação acenou para a possibilidade de enviar duas geladeiras e um freezer para o refeitório, que foi completamente arrasado, além de verba para a compra de alguns computadores e impressoras. Por ter o primeiro ano do ensino médio em período integral, a direção considera fundamental ter novamente o refeitório funcionando para voltar às aulas presenciais, ainda que em condições mínimas.
O receio de Maria Luiza era que o governo de Eduardo Leite (PSDB) dissesse para usar o recurso dos equipamentos para completar o orçamento da limpeza. “Encaminhamos para a Secretaria de Educação se ela pode complementar o valor da limpeza sem retirar da próxima verba, porque pensamos em comprar computadores e copiadoras”, afirma.
Foi o que aconteceu. Nesta terça-feira (25), a Secretaria Estadual de Educação informou a direção do colégio que depositará R$ 80 mil no começo do mês de julho e mais R$ 40 mil em agosto.
“Com essa autorização foi possível agilizar as tratativas de contratação da empresa (de limpeza). O subsecretário também empenhou sua palavra em fazer todo esforço para repor os bens patrimoniais pedidos pela escola e anunciou já terem feito aquisição de vários itens e que, tão logo a escola esteja apta a receber, serão entregues. Também ficou acertado a revisão elétrica da escola tão logo a limpeza seja finalizada”, explica Mário Antônio da Silva, também vice-diretor do colégio.
A previsão é que a empresa contratada faça o serviço de limpeza durante os próximos 20 dias, incluindo sábado e domingo, devido à extensão dos danos. A energia elétrica é outro problema sério. O atual gerador não está funcionando e precisa ser revisado por um técnico especializado. Enquanto isso, a luz do colégio tem funcionado com um gerador emprestado pela CEEE Equatorial, porém não se sabe até quando o equipamento estará disponível.
“São muitas questões, mas ainda assim achamos que com algumas medidas já poderíamos retornar porque nosso primeiro andar está intacto. Tomando algumas medidas urgentes, podemos retornar e continuarmos o trabalho ao longo do ano”, acredita Maria Luiza.
Com mais de 300 alunos, o Colégio Estadual Cândido José de Godói tem entre seus estudantes e familiares uma parcela da população mais afetada pela enchente de maio. A direção da escola tem mantido contato com boa parte dos alunos, mas não com todos. Ainda assim, o desejo das famílias e dos alunos é de retornar à escola.
Enquanto as aulas presenciais não são retomadas, algumas atividades estão sendo realizadas a distância. Entretanto, a vice-diretora Maria Luiza sabe que a plataforma digital funciona apenas com uma parte dos alunos que tem melhor acesso à internet.
Ela conta que muitos estudantes foram desalojados e estão agora no processo de voltar às suas casas. A vice-diretora entende que, nesse momento, a escola poderia cumprir uma importante função de apoio emocional e social, além do que a escola significa na construção do futuro. Todavia, ainda sem perspectiva de data de reabertura do colégio devido à demora do governo estadual em viabilizar o início da limpeza, os alunos não estão tendo esse suporte. Para ela, os estudantes estão sendo duplamente penalizados com tal indefinição.
“Eles querem voltar, querem continuar aqui na escola. Quanto mais tarde a escola retorna, pior para esses alunos. Precisamos recuperar nossa escola e trazer a nossa comunidade de volta”, afirma Maria Luiza, sem esconder uma pontinha de medo de que isso pudesse não ocorrer. “Faremos de tudo para que isso aconteça.”
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