Escola Cristóvão em Caxias

Escola Cristóvão em Caxias

Cristóvão quer acabar com a má fama que o persegue em Caxias do Sul

Taxado pela insegurança e estrutura precária, escola vive fase de recuperação do orgulho

Cristóvão quer acabar com a má fama que o persegue em Caxias do Sul Antonio Valiente/Agencia RBS
Daniel Angeli

Reconstruir a imagem de uma escola que já foi uma das principais referências na educação pública do Rio Grande do Sul e que anda arranhada muito mais pela má fama criada nos últimos tempos do que propriamente pelas paredes mal pintadas ou grades enferrujadas. Isso é o que ainda faz brilhar os olhos de integrantes da direção, professores, alunos, ex-alunos e membros do Círculo de Pais e Mestres (CPM) do Instituto Estadual de Educação Cristóvão de Mendoza. A recuperação do orgulho, mesmo que ainda a passos de formiga, se transformou em meta de vida para quem vive o dia a dia da escola.

— Machuca demais ouvir certas coisas porque sabemos que não é assim. Queremos mudar a história, trazer de volta as famílias para cá. E estamos tentando. Saímos de casa com o não e passamos o dia a dia em busca do sim.

Márcio Jardim cansou de garantir a interlocutores que o Cristóvão não é nada daquilo que aparenta ser para quem o vê de fora. Ele estudou até o sétimo ano na escola e se envolveu tanto com a causa que passou a integrar o atuante CPM atual. Ao lado da diretoria e com apoio total e irrestrito dos cerca de mil alunos, um grande mutirão se formou para dar início a uma verdadeira transformação na forma como o colégio é visto. 

 CAXIAS DO SUL, RS, BRASIL (18/02/2020)Instituto Estadual de Educação Cristóvão de Mendoza sofre com problemas estruturais e má fama. Grupo de alunos, ex-alunos, professores, direção e CPM busca mudar a imagem que se formou da escola, que já foi uma das referências no ensino público do Estado. Na foto, Márcio Jardim, membro do CPM. (Antonio Valiente/Agência RBS)

Márcio Jardim ficou chateado com declarações que ouviu sobre a insegurança que ronda o Cristóvão

Foto: Antonio Valiente / Agencia RBS

São pessoas como o vice-presidente do CPM e integrante do Conselho Escolar, Álvaro Ricardo Kervald, 55 anos, que costuma suar a camisa em busca de parcerias para solucionar problemas pontuais, que mantêm acesa a chama da tradicional instituição de ensino, que abriga estudantes de inúmeros bairros do município.

— Ano passado, fizemos um jantar no Medianeira e conseguimos arrecadar R$ 8 mil. Em 2017, não tínhamos um real sequer e conseguimos lotar o ginásio em um almoço. Em abril vamos ter uma festa retrô. Foi por meio de parcerias que encontramos uma gráfica de um ex-aluno nosso que fez as agendas para a gente por dois anos cobrando preço de custo. Converso quase toda a semana com o governo do Estado cobrando as reformas para o prédio. Esse tem que ser o nosso papel — salienta.

Álvaro tem uma história de amor com o Cristóvão. Literalmente. Foi durante uma gincana na escola, em 1985, que conheceu a mulher, Naura. Ali nasceu um namoro de seis meses, que se tornou um sólido casamento de 35 anos. Da união, nasceram Mônica, 16, que está desde as séries iniciais no Cristóvão e hoje está no segundo ano do magistério, e Gabriel, 27, que também passou pela escola. E, se depender de Álvaro, o neto Pietro, cinco, seguirá o mesmo caminho. Será a terceira geração da família a frequentar os bancos escolares do Cristóvão.

 CAXIAS DO SUL, RS, BRASIL (18/02/2020)Instituto Estadual de Educação Cristóvão de Mendoza sofre com problemas estruturais e má fama. Grupo de alunos, ex-alunos, professores, direção e CPM busca mudar a imagem que se formou da escola, que já foi uma das referências no ensino público do Estado. Na foto, Mônica Letícia Kervald, 16 anos e Álvaro Ricardo Kervald, 55 anos  - presidente do CPM. (Antonio Valiente/Agência RBS)Indexador: ANTONIO VALIENTE / AGENCIA RBS
Há três gerações, família Kervald tem no Cristóvão uma referência no ensinoFoto: Antonio Valiente / Agencia RBS

São pessoas como a atual diretora Roseli Bergoza, vista às vésperas do início do ano letivo esfregando o chão e correndo de um lado para o outro para recepcionar os estudantes da melhor maneira possível:

— É triste por sabermos que tudo isso é atribuição do Estado. Mas não vou ficar parada esperando por recursos que nunca chegam. Temos que fazer. São os alunos que constroem o nome da escola. Vai levar muito tempo para voltar a ser o que era, mas vamos tentar.

O que dá ânimo para o grupo seguir de cabeça erguida na missão são justamente essas pequenas mudanças que estão sendo feitas. E que surtiram efeito imediato.

— Desde que entramos, percebemos essas mudanças em relação ao que era há dois anos. O nosso Conselho é ativo, sabe exatamente o que entra e o que sai de dinheiro. Tu não tens ideia da felicidade que fiquei hoje (terça-feira, dia 18, dia de recomeço das aulas) quando vi pais entrando aqui com o sorriso de orelha a orelha. Sinal que estamos fazendo a coisa certa — diz Jardim. — Até nós ficamos surpresos com o engajamento da população — conclui.

Outra pecha que persegue o Cristóvão ao longo dos anos envolve a insegurança. Não são poucas as pessoas que relatam medo de estudar na instituição por terem ouvido falar que "só têm marginais no Cristóvão". Esse episódio voltou à tona recentemente, quando a Secretaria Municipal de Educação definiu a transferência de 600 estudantes da Arnaldo Ballvê, do bairro Santa Lúcia, para um dos blocos da escola do Cinquentenário. A primeira reação dos pais da Ballvê foi de indignação.

— Essa ideia de marginalizar o Cristóvão caiu por terra. Temos problemas, claro. Mas quando os pais vieram aqui conhecer, viram uma realidade diferente e se surpreenderam. Eu fui estudante do Cristóvão e não acho que sou marginal. A diretora do Ballvê estudou aqui. Foram criados rótulos. Em todas as escolas existem estudantes problemáticos. Por isso, foi importante essas pessoas terem vindo aqui para desconstruir essa ideia — conta a diretora Roseli. 

Às vésperas de completar 90 anos, em junho, o Cristóvão de Mendoza possui, sim, inúmeros problemas distribuídos pelos velhos e surrados corredores do imponente prédio de 8.314 metros quadrados — ainda o maior colégio em área construída do Estado. No entanto, conta com pessoas como Márcio, Roseli, Álvaro e tantas outras para virar a chave. E seguir sonhando em voltar a ser referência.

 CAXIAS DO SUL, RS, BRASIL (18/02/2020)Instituto Estadual de Educação Cristóvão de Mendoza sofre com problemas estruturais e má fama. Grupo de alunos, ex-alunos, professores, direção e CPM busca mudar a imagem que se formou da escola, que já foi uma das referências no ensino público do Estado. (Antonio Valiente/Agência RBS)
Interditado desde 2013, auditório da escola é o maior de Caxias do SulFoto: Antonio Valiente / Agencia RBS

Esperança por obras emergenciais

O Cristóvão de Mendoza segue esperançoso de que as obras estruturais prometidas pelo Estado possam, enfim, sair do papel ainda em 2020. O orçamento para uma reforma completa do prédio, incluindo algumas melhorias, custaria em torno de R$ 30 milhões. O valor, conforme o vice-presidente do CPM, Álvaro Kervald, pode ser reduzido pela metade com a exclusão de "artigos de luxo", que incluem uma piscina térmica e um segundo ginásio, previstos no projeto original. Desde julho do ano passado, o Ministério Público (MP) tenta cobrar a execução de um plano de recuperação na Justiça. Mas, apesar de uma liminar favorável, o Estado recorreu e o processo ainda não tem data para ser concluído. 

— Essa promessa (de reformas) estamos ouvindo há muito tempo. Sempre é para começar, mas não acontece nada.

O desinterdição do auditório da escola, o maior da cidade, com 1.007 cadeiras de madeira, é visto como prioridade. Kervald esteve na reunião-almoço da Câmara de Indústria, Comércio e Serviços (CIC), no último dia 5, onde abordou o assunto com o governador Eduardo Leite, cobrando a ajuda do Estado:

— As reformas têm que começar pelo auditório. O secretário da Casa Civil (Otomar Vivian) prometeu agendar uma audiência comigo até março. Se não acontecer, vou continuar cobrando. 

O auditório do Cristóvão sofreu a interdição em julho de 2013 por problemas nas saídas de emergência, na fiação elétrica e com o carpete que cobre as paredes, além da falta de sinalização.

— Lembro que na época era só resolver um problema elétrico para a liberação. Daí veio a tragédia da Boate Kiss e várias outras exigências começaram a ser feitas. E estamos até hoje sem uma definição — lamenta Kervald.

A diretora Roseli Bergoza concorda que, além de reformas pontuais no prédio da escola, o auditório pode ser a salvação da lavoura:

— Se conseguirmos desinterditá-lo já teríamos um gerador de recursos, que seria bem importante para a gente.

 CAXIAS DO SUL, RS, BRASIL (18/02/2020)Instituto Estadual de Educação Cristóvão de Mendoza sofre com problemas estruturais e má fama. Grupo de alunos, ex-alunos, professores, direção e CPM busca mudar a imagem que se formou da escola, que já foi uma das referências no ensino público do Estado. Na foto, Isadora dos Reis, 16, Mônica Kervald, 16, Elias Andrade, 18, Maria Eduarda Paim Bichoff, 17 e Daniela Martins, 18.(Antonio Valiente/Agência RBS)Indexador: ANTONIO VALIENTE / AGENCIA RBS
Integrantes do Grêmio Estudantil fazem campanhas em redes sociais para atrair novos estudantesFoto: Antonio Valiente / Agencia RBS

Grêmio Estudantil trabalha pela desmistificação

O mito criado sobre o Cristóvão ser uma escola insegura incomoda os alunos. Tanto que o Grêmio Estudantil, formado por 17 alunos, vem fazendo um trabalho mais intensivo nas redes sociais para tentar acabar de vez com os rótulos que perseguem a instituição.

— Eu aprendi a amar a escola. O acolhimento das pessoas foi muito bom. Divulgamos as coisas justamente para mostrar que não é nada disso que imaginam. Cansamos de ouvir que aqui só têm marginais, principalmente à noite, que a escola vai cair, que não suporta tantos alunos... — relata Mônica Letícia Kervald, 16 anos, filha de Álvaro.

Os colegas de Mônica compartilham da mesma opinião.

— Como qualquer escola grande e antiga são necessárias reformas. Quando um aluno novo chega, se perde um pouco no início pelo que ouve antes de entrar. Mas, depois, tudo muda. É impossível não gostar de estar aqui, de fazer parte. Por isso a nossa luta, porque amamos o nosso instituto, e a gente quer que ele volte a ser referência, bem falado — diz o presidente do Grêmio Estudantil Anderson Borges Velho, 19.

— Essa fama só continua para quem vê de fora. Não tem como sair falando mal da escola — concorda Maria Eduarda Paim Bichoff, 17.

Daniela Martins, 18, comenta que mudou totalmente de opinião após colocar os pés no novo colégio:

— Já cheguei aqui com essa fama do Cristóvão na cabeça, inclusive vinda de professores da outra escola em que estava. São muitos comentários negativos e nos assustam. Mas quando a gente está aqui percebe-se o contrário. 

Quem está de saída do Cristóvão também ameniza o problema da insegurança. Matheus Freitas Antunes, 17, esteve ontem no colégio para buscar o histórico escolar após finalizar o Ensino Médio. Ele pretende cursar engenharia elétrica em uma universidade pública. Dos quatro anos em que estudou no Cristóvão, onde participou da banda marcial, do time de futebol e do Grêmio Estudantil, não tem queixas.

— Sem palavras. Entrei no nono ano e aprendi que o que faz a escola é o aluno. Vou ficar com saudades.

 CAXIAS DO SUL, RS, BRASIL (18/02/2020)Instituto Estadual de Educação Cristóvão de Mendoza sofre com problemas estruturais e má fama. Grupo de alunos, ex-alunos, professores, direção e CPM busca mudar a imagem que se formou da escola, que já foi uma das referências no ensino público do Estado. (Antonio Valiente/Agência RBS)
Bloco A, onde ficarão os 600 alunos do Arnaldo Ballvê está praticamente pronto para receber os estudantesFoto: Antonio Valiente / Agencia RBS

Problemas solucionados com a Arnaldo Ballvê

Os 600 alunos da Escola Municipal Arnaldo Ballvê, que está em reformas — com previsão de término em quatro meses —, iniciarão o ano no bloco A do Cristóvão de Mendoza, dia 24. Em princípio, eles terão pouco contato com os demais estudantes da escola. A questão do transporte, que segundo Morgana Rizzo, uma das coordenadoras do grupo de pais da Ballvê, era o que mais preocupava, foi resolvido com a Secretaria Municipal de Educação.

— Já temos todo o deslocamento das crianças, horários, datas e informamos a maioria dos pais que estão nos grupos. O grande temor inicial era essa questão de transporte. Mas está tudo organizado, identificação do transporte, quem vai receber as crianças no Cristóvão e outras coisas — diz Morgana.

O transporte para os estudantes do turno da manhã sairá às 7h, do ginásio da Arnaldo Ballvê. À tarde, a saída ocorrerá às 13h. Ontem, pequenos ajustes ainda estavam sendo feitos no bloco que receberá os visitantes da escola municipal, como limpeza das salas de aula e piso. O temor com a segurança também virou página virada, com a visita de alguns pais ao Cristóvão.

— Estamos muito agradecidos para disponibilidade e preocupação da Flávia (Vergani, secretária de Educação) e direção do Cristóvão de Mendoza. Eles estarão de mãos dadas com a gente e nós estaremos de mãos dadas com eles.

 

Uma escola de muitas personalidades

O Cristóvão de Mendoza que já foi referência em educação pública abrigou personalidades reconhecidas no Estado, no Brasil e no mundo. O técnico da Seleção Brasileira, Adenor Bachi, o Tite, foi um dos que passou pela instituição nos anos 1970 e relembra com carinho o período em que esteve nas salas de aula do colégio.

— O estudo qualificado, à noite, foram muito importantes na minha formação e educação. Espero que hoje o Cristóvão de Mendoza possa ser revitalizado em sua estrutura para poder cumprir seu papel social a outras pessoas que, assim como eu, possam ter um estudo digno e qualificado. Claro que sempre ressaltando a valorização humana e profissional dos seus professores. Uma sociedade melhor, mais justa e evoluída, tem como prioridade a educação — destacou Tite.

Ex-governador do Estado, Germano Rigotto também foi aluno da escola no final da década de 1960. Inclusive, fez parte da direção do Grêmio Estudantil, com o ex-deputado veranense Cézar Busatto, morto em 2018. Assim como Tite, ele relembra a qualidade do ensino da escola na época.

— O Cristóvão, assim como o Julinho (Colégio Júlio de Castilhos, em Porto Alegre) sempre foram consideradas como escolas-modelo no ensino público pela qualidade no ensino. Hoje, ambos estão mais ou menos na mesma situação. Houve, principalmente, perda na qualidade e isso é ruim para quem já foi referência, por toda a história que envolve a escola. Eu sei que existe um projeto para recuperação do Cristóvão, que envolveria um financiamento, mas não sei precisar o que está faltando para dar andamento. Eu torço pela retomada do Cristóvão — frisa.

Entre outras inúmeras personalidades da cidade que tiveram no Cristóvão parte ou toda a formação estão o atual bispo-auxiliar de Porto Alegre, Dom Leomar Brustolin, o ex-prefeito de Caxias, Mansueto de Castro Serafini Filho, e o atual secretário da Cultura, Paulo Périco. O técnico pentacampeão mundial com a Seleção Brasileira, Luiz Felipe Scolari e a ex-primeira dama do Estado, Maria Helena Sartori, foram professores na instituição.

 

http://pioneiro.clicrbs.com.br/rs/geral/noticia/2020/02/cristovao-quer-acabar-com-a-ma-fama-que-o-persegue-em-caxias-do-sul-12188910.html?fbclid=IwAR3yyLxGaKsB0u5GM73o1ebGONxHX_r7AUTHKJVic9dcmoDyd-G5NVc7NY8 




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