Escolas podem infectar alunos
Pesquisadores simularam interações e curva de infecção nas escolas, de acordo com orientações da retomada do governo de São Paulo
Escolas mais comprimidas, menos arejadas, com poucas áreas livres e salas de aulas mais apertadas têm potencial para um cenário de mais infecções.
A curva de contágios também dependeria de como o público escolar (estudantes, professores e demais profissionais) segue os protocolos de segurança e higiene e mantém as regras de distanciamento social.
Os pesquisadores partiram de dois modelos hipotéticos de escolas nos bairros de Pinheiros e Brasilândia, em São Paulo.
Para cada uma, projetaram um cenário em que o retorno às aulas seria de apenas 35% do público – levando em consideração a proposta de volta escalonada já na fase 1 do Plano de Reabertura.
Na unidade de Pinheiros foram considerados 400 estudantes, 25 professores, 9 funcionários e 4 gestores em uma área de 9 mil metros quadrados, índice de densidade escolar igual a 1.
Já na escola da Brasilândia, 700 estudantes, 100 professores, 6 funcionários e 5 gestores ocupariam uma área de 6.500 metros quadrados, uma densidade escolar de 2,77.
A partir daí, os pesquisadores simularam o que aconteceria em cada uma das unidades depois de 60 dias.
Na escola de Pinheiros, com menor densidade, o índice de infectados seria de 10,76% e o de mortos, 0,03%. Na da Brasilândia, os infectados chegariam a 46,35% e os mortos, 0,30%.
No ambiente com mais adensamento de pessoas, ainda que a maioria respeitasse os protocolos de higiene e segurança, a chance efetiva de transmissão do vírus seria de 39%.
No mesmo espaço, para que maioria das pessoas pudesse respeitar o distanciamento social, 70% deveriam ficar parados, sem circulação.
Os pesquisadores afirmam que, nas duas escolas, a quantidade de estudantes admitida para que não haja dinâmica de infecção está bem abaixo dos 35% propostos para a Fase 1 do plano de reabertura das escolas do governo de São Paulo.
O estudo sugere também que, para um retorno mais seguro, se considere menos de 7% dos estudantes nas escolas comprimidas.
“Isso equivaleria a apenas um dia e meio letivo para cada estudante durante um mês”, explica a pesquisadora Patrícia Magalhães, da Universidade de Bristol (Inglaterra) e participante da Ação Covid-19.
Nas escolas maiores, a taxa segura fica em pouco mais de 20% dos estudantes.
Uma retomada inviável
Os pesquisadores apontam que os cálculos inviabilizam o plano de reabertura das escolas do estado – o governador João Doria (PSDB) sinalizou que as escolas podem retomar suas atividades de maneira opcional a partir de 8 de setembro, e projetou um funcionamento compulsório a partir de 7 de outubro.
Para o professor da UFABC, Fernando Cássio, que também integrou o estudo, “não há argumento pedagógico ou de ‘aprendizagem’ que justifique uma frequência de uma ou duas vezes por mês, e ainda por cima sem a garantia de que estudantes e profissionais da educação não vão ser infectados no trajeto entre a casa e a escola”.
Os autores do estudo ainda destacam que a eventual reabertura das escolas, mesmo que em esquema de rodízio, envolveria mobilizar mais de 30% da população do estado a sair de casa regularmente, a utilizar o transporte público e a adensar os entornos dos prédios escolares.
Professor de políticas públicas da UFABC e membro da REPU, Salomão Ximenes afirma que o governo deve assumir que a alternativa responsável e segura para o momento é manter as unidades fechadas.
“Tem sido muito difícil conviver com o fechamento das escolas, mas os nossos resultados indicam que essa ainda é a única alternativa”, alerta. “Reabrir escolas coloca vidas em risco ao mesmo tempo em que aumenta as desigualdades educacionais, pois onde é maior o risco, menor será a adesão das pessoas”.
Simule sua escola
O simulador desenvolvido pelos pesquisadores está disponível para que as pessoas possam reproduzir os impactos de uma eventual reabertura a partir das condições reais de suas escolas. O grupo, inclusive, pede que famílias, estudantes e profissionais da educação se apropriem da ferramenta, inteiramente gratuita.
O simulador parte de três passos principais. Para começar, você deve informar aproximadamente o número de pessoas que circula em sua escola, entre estudantes, professores e demais funcionários.
O número deve considerar o espaço total da escola. Se ela for arejada, com espaços abertos e áreas verdes, o ideal é que se coloque menos pessoas no simulador, prevendo que a aglomeração dos indivíduos será menor.
Se a escola estiver em uma área comprimida, com menos espaços arejados e salas mais apertadas, o ideal é que se coloque mais pessoas no simulador, prevendo um maior contato entre elas. A ferramenta sugere como máximo para o cálculo 100 pessoas em uma escola maior (dispersa) e 307 em uma menor comprimida.
Depois, é preciso apontar como seria o cumprimento dos protocolos sanitários na unidade: se seriam seguidos pela maioria da escola, por metade do público, ou pela minoria.
No terceiro parâmetro, é necessário informar como se daria o distanciamento social: se respeitado pela maioria, metade ou minoria do público da escola.
Definidos esses campos, é só clicar no botão “resetar” e depois no botão “iniciar/parar”.
Feito isso, no quadro ao lado, é possível ver uma interação simulada na escola entre pessoas não contaminadas (em verde), contaminadas (em vermelho) e as imunes após contaminação (em cinza).
Ao lado, gráficos mostram a evolução dos infectados e dos imunes, por dia, de acordo com os dias letivos.
CartaCapital testou
A reportagem de CartaCapital fez uma simulação com 200 pessoas em uma escola, onde a maioria respeita os protocolos de segurança e as regras de distanciamento.
Em 60 dias letivos – que seriam mais ou menos a média de dias da rede estadual de São Paulo até o final do ano, caso as aulas voltem a partir de 7 de outubro – o simulador prevê um total de 11,5% de infectados, ou seja, 23 pessoas. Eles consideram que 6,5% do público já estaria imune ao vírus.
Em uma simulação com o mesmo número de pessoas, no mesmo espaço de tempo, em que a minoria respeita os protocolos de higiene e o distanciamento social, a porcentagem de infectados salta para 58,1%, ou seja, 116 pessoas infectadas. Os imunes seriam 43,3%.