Estudo prevê déficit de professores
Brasil sob ameaça de 'apagão': estudo prevê déficit de professores por desinteresse pela carreira
Redução no número de docentes formados e precarização das condições de trabalho têm feito jovens se desinteressarem pela profissão e deixarão o país sem 235 mil profissionais na educação básica em 2040
Por O GLOBO — Rio de Janeiro
Um estudo revela que o Brasil poderá ter um "apagão" de professores se não investir na formação de docentes para a educação básica. O país precisará de 1,97 milhão de professores em 2040, mas projeções indicam que o total deles cairá 20,7% em 18 anos, gerando um déficit de 235 mil profissionais. Os dados são da pesquisa Risco de "apagão" de professores no Brasil, do Instituto Semesp, divulgada na manhã desta quinta-feira (29).
O principal motivo para a redução contínua do número de professores é o desinteresse pela carreira, marcada por baixos salários e más condições de trabalho. Hoje, a proporção é de 20 estudantes com idades entre 3 e 17 anos na educação básica para cada docente em atividade.
O cenário atual é de uma preocupante redução do número de concluintes da graduação. O percentual de formados em cursos de licenciatura apresentou um crescimento de apenas 4,3%, devido à alta evasão em Ensino a Distância (EaD), que ganhou destaque sobretudo a partir da pandemia de Covid-19. A partir de 2020, a modalidade passou a representar 73,2% dos novos alunos, porém tem alto índice de abandono.
Somado a isso, o número de ingressantes em cursos presenciais de licenciatura diminuiu 37,6% nos últimos 10 anos. Em média, um a cada três alunos ingressantes não termina a faculdade.
— Com base nessa pesquisa, fica claro que o principal problema do Brasil não está relacionado à formação de docentes na modalidade EaD porque os dados mostram que na verdade não estamos formando novos professores. Os jovens não demonstram interesse pela carreira de professor — aponta o diretor executivo do Semesp, Rodrigo Capelato.
Além disso, o crescimento de ingressantes em licenciaturas, de 2010 a 2020, foi bem inferior ao crescimento registrado nos demais cursos. Em 10 anos, o número de calouros em licenciaturas cresceu 53,8%, porém, nos demais cursos, o índice foi de 76,0%. Entre os ingressantes com até 29 anos, houve um aumento de apenas 29,7% do corpo discente, enquanto nos demais cursos esse número chegou a 49,8% na mesma faixa etária.
— Esse crescimento de estudantes acima dos 29 anos se dá, em sua maioria, por pessoas que já trabalham na educação. Isso acontece em razão da lei que obriga o professor em exercício a ter formação mínima na área de pedagogia ou em licenciaturas para o magistério na educação básica — explica a presidente do Semesp, Lúcia Teixeira.
Precarização da profissão
A pesquisa mostra que o desinteresse dos jovens em seguir a carreira de professor está relacionado a diversos problemas, entre eles o processo de precarização da profissão, como a baixa remuneração e a falta de reconhecimento de sua importância na sociedade. Em 2020, um professor do ensino médio no Brasil recebia, em média, um salário de R$ 5,4 mil mensais, o que representa cerca de 82% da média geral da renda mensal das pessoas empregadas com ensino superior completo (R$ 6,5 mil).
— Para reverter o cenário e estimular que pessoas escolham a carreira de professor, é necessário tornar a profissão mais atrativa para os jovens. Melhorar a remuneração, a segurança dentro das salas de aula, a infraestrutura das escolas — afirma Rodrigo Capelato.
Os docentes também deixam de lecionar por falta de infraestrutura nas escolas. O Brasil contava, em 2021, com aproximadamente 180 mil escolas de educação básica em funcionamento, sendo 77% públicas (maioria municipais) e 23% privadas. Considerando apenas as escolas públicas (138 mil), pelo menos 3,8% não possuíam sequer banheiro, 2,6% não tinham abastecimento de água, 2,5% não possuíam energia elétrica e 5,5% não tinham esgotamento sanitário. Além disso, 21,6% das escolas não tinham acesso à internet e 39,9% não contavam com sala de professores.
O levantamento concluiu ainda que os professores são a categoria que mais sofrem com burnout — síndrome de esgotamento físico e mental, apontada como um dos principais motivos de afastamento da sala de aula. Em 2021, menos da metade desses profissionais (47%) avaliou sua saúde mental como boa ou excelente, mais de 34% continuaram reclamando do estresse prolongado e 72% disseram não ter acesso a apoio psicológico.
De acordo com Rodrigo Capelato, medidas como cortes constantes na educação, como o proposto pelo Governo Federal nesta semana, também é um ponto de desestimulo para escolher a carreira.
— Para que o professor possa exercer a profissão dele é necessário que tenha investimento. Se o local de trabalho dele impeça que ele dê aula não tem como ser professor.
Cai número de professores mais jovens
Além do desinteresse dos jovens em ingressar em licenciatura, o número de professores jovens em início de carreira (com até 24 anos) caiu 42,4% de 2009 a 2021, passando de 116 mil para 67 mil. Enquanto isso, o número de docentes com 50 anos ou mais e, possivelmente na iminência de se aposentar nos próximos anos, tem aumentado significativamente, chegando a subir 109% no mesmo período.
Entre os cursos de licenciatura escolhidos, a pesquisa apontou que entre 2016 e 2020, Pedagogia liderou com o maior número de formados. A situação de defasagem é alarmante, no entanto, quando se trata do número de egressos em cursos de Formação de Professor de Biologia, Química, Educação Física e Letras.