Extensão da crise em 2022

Extensão da crise em 2022

Dieese projeta extensão da crise em 2022 

País fecha 2021 com 13,5 milhões de desempregados, aumento de até 18% na cesta básica, 15,1 milhões de famílias em situação de extrema pobreza e perspectiva baixa de reação da economia

Da Redação / Publicado em 16 de dezembro de 2021

Depois do “Touro de Ouro” instalado na porta da Bolsa de Valores em São Paulo, outra escultura foi instalada no local no começo de dezembro. A obra “Vaca Magra”, da artista cearense Márcia Pinheiro, era parte de uma intervenção em protesto contra a fome    Foto: Mídia Ninja

 

A situação socioeconômica do Brasil neste final de 2021 é desoladora e terá reflexos no próximo ano, como a manutenção do crescimento econômico inexpressivo, inflação em alta, recordes de desemprego, retrocessos das políticas sociais e dos direitos dos trabalhadores. Devastado pela pandemia, o país está à deriva devido à omissão do governo federal no combate à covid-19 e avança para mais retrocessos por conta da política econômica que aprofundou a desigualdade social e aumentou a pobreza.

É o que aponta a análise de conjuntura de final de ano do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese)“A inflação crescente tem impacto maior para as pessoas de menor renda e, no mercado de trabalho, o desemprego é alto e as ocupações criadas são informais, de modo que o mercado consumidor interno não tem força para promover um crescimento sustentado da economia”.

O desempenho do Produto Interno Bruto (PIB) é desanimador. Acumula dois trimestres de queda: o terceiro trimestre de 2021 variou -0,1% em relação ao segundo, que já havia caído -0,4% em relação aos três primeiros meses do ano. A formação bruta de capital fixo, isto é, o investimento em máquinas e equipamentos, caiu 3,0% no segundo trimestre e ficou praticamente estagnada no terceiro (-0,1 %).

Outros indicadores também apontam que 2022  será mais um ano de dificuldades na economia brasileira e no mercado de trabalho, com desemprego e perda do poder de compra dos salários, causada pela inflação, demonstra o estudo assinado pelos economistas Cesar Andaku, José Álvaro Cardoso e Thomaz Ferreira Jensen.

Preços dos alimentos continuam em alta

O custo da cesta básica de alimentos, pesquisada pelo Dieese em 17 capitais brasileiras, continua em elevação. Somente em 2021, o preço da cesta aumentou 18,2% em Curitiba, 15,4% em Florianópolis e 13,6% em Natal. Além dessas capitais, Campo Grande, Porto Alegre, Vitória e Recife também registram aumento do custo da cesta básica superior a 10%, de janeiro a novembro de 2021.

Em Florianópolis, a cesta básica pesquisada pelo Dieese chegou a custar R$ 710,53, em novembro, o equivalente a 69,8% do valor do salário mínimo líquido (após o desconto de 7,5% referente à Previdência Social). Em Aracaju, a capital com o menor custo da cesta entre as capitais do Norte e Nordeste, o valor dos itens alimnetícios básicos para uma pessoa adulta representava 46,5% do salário-mínimo líquido.

A composição da cesta no Norte e Nordeste difere da cesta do Centro-Sul. Enquanto no Norte e Nordeste são pesquisados 12 produtos, no Centro-sul, são acompanhados os preços de 13 produtos. As quantidades e os produtos se baseiam no Decreto Lei 399, de 30 de abril de 1938.

Vale mencionar que a proposta do governo federal de reajuste do salário mínimo, a partir de janeiro de 2022, somente com base no Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), calculado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), deve elevar o valor do piso nacional em apenas cerca de R$ 100.

 

Arte: Dieese

“Os preços dos alimentos, principalmente dos grãos, poderiam sofrer menos pressões se o governo reativasse a política de formação de estoques reguladores, utilizada desde os anos 1980 e praticamente desmantelada a partir de 2016, quando houve desmonte da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), empresa pública ligada ao Ministério da Agricultura. Somente ao longo de 2019, o governo federal fechou 27 armazéns públicos da estatal. Em um país continental como o Brasil, a segurança alimentar da população tem a ver inclusive com a soberania nacional”, aponta o Boletim de Conjuntura do Dieese.

Os economistas lembram que o estado tem funções de “planejamento, fiscalização e controle” na produção de alimentos, incluindo o abastecimento de água. “Mas o governo atual, dando continuidade às ações do governo de Michel Temer, está destruindo as estruturas públicas no setor agropecuário, responsáveis pela segurança alimentar, além de reduzir recursos direcionados à agricultura familiar, que poderia fornecer alimentos de qualidade e melhorar a situação das regiões mais carentes. A ausência de intervenção e de politicas públicas adequadas tem transformado todo o país em uma grande área de produção de culturas para a exportação”.

Não é apenas a alimentação que pesa no custo de vida das famílias de menor renda. As sucessivas altas nos valores da energia elétrica e do botijão de gás, que acumularam taxas de 30,3% e 37,9%3, respectivamente, também trazem grandes desafios à sobrevivência da população mais carente.

No gráfico acima, a evolução da inflação (Indicador Ipea de Inflação por Faixa de Renda) acumulada nos 12 meses anteriores a cada mês de referência, por faixas de renda. A partir de maio de 2020, ocorre uma escalada contínua dos preços que supera 11% em 12 meses, penalizando mais, em todo o período, as famílias com rendimentos mais baixos.

Desemprego e trabalho precário

 

Arte: Dieese

 

O desemprego atinge contigente significativo de trabalhadores/as: eram 13,5 milhões de pessoas no terceiro trimestre de 2021. A taxa média de desocupação, conhecida como taxa de desemprego, chegou a 12,6% no país, nesse período. Em alguns estados, no entanto, o desemprego era bem mais alto do que a média, como em Pernambuco (19,3%), na Bahia (18,7%) ou ainda no Rio de Janeiro (15,9%) e em São Paulo (13,4%).

Ainda que tenha havido aumento no número de ocupados em relação ao mesmo período de 2020, a quantidade de pessoas fora da força de trabalho continua maior do que no momento anterior à pandemia. Pessoas fora da força de trabalho são aquelas que não estão ocupadas ou buscando ativamente colocação. No terceiro trimestre de 2019, havia 61,0 milhões de pessoas de 14 anos ou mais de idade fora da força de trabalho e, no terceiro trimestre de 2021, cerca de 4,5 milhões a mais, ou 65,5 milhões.

É importante ressaltar que uma parte considerável dos postos de trabalho criados recentemente é informal. Segundo o IBGE, 40,6% dos ocupados encontram-se na informalidade, o equivalente a 38 milhões de trabalhadores/as. Além disso, 16 dos 17 estados com taxa de informalidade maior que a média nacional estão localizados no Norte e Nordeste.

O rendimento médio habitual do/a trabalhador/a, no terceiro trimestre de 2021, teve queda de -4,0% em relação aos três meses anteriores e de -11,1% na comparação com o mesmo período de 2020. Isso evidencia que a geração de postos de trabalho concentrou-se em ocupações de baixos rendimentos, num cenário de alta inflação, que corrói o poder de compra do/a trabalhador/a.

Maior parte dos reajustes salariais não recupera poder de compra

Análise dos reajustes salariais, realizada pelo Dieese, mostra que, na data-base de outubro, 65,1% deles não conseguiram repor a perda inflacionária. Considerando todo o período de janeiro a outubro de 2021, praticamente a metade (49,8%) ficou abaixo da inflação. Ademais, 10,5% dos reajustes conquistados pelos/as trabalhadores/as no período analisado foram aplicados aos salários em duas ou mais parcelas.

O aumento da inflação dificulta a correção salarial nas negociações coletivas. Em outubro de 2021, era necessário um reajuste de 11,08% para repor as perdas, enquanto em outubro de 2020, o percentual necessário era de 3,89%. O contexto de pandemia, a elevada desocupação e a ampliação da informalidade tornam a ação sindical ainda mais desafiadora nas negociações coletivas.

 

 
Arte: Dieese com dados da Síntese de Indicadores Sociais 2021 do IBGE

 

Desigualdade nos rendimentos por regiões e cor da pele

O Brasil segue marcado por profunda desigualdade regional, segundo dados da Síntese de Indicadores Sociais, do IBGE, realizada em 2020, mesmo quando ainda se tinha, na maior parte do período, o auxílio emergencial.

Mesmo assim, o rendimento domiciliar médio per capita no Nordeste (R$ 891) equivalia a 55% do rendimento domiciliar médio per capita no Sudeste (R$ 1.623).

“Quando se faz o recorte por cor da pele, o rendimento domiciliar médio per capita dos/as negros/as (pretos/as e pardos/as) no Brasil, equivalente a R$ 963, em 2020, correspondia a praticamente metade (52%) do rendimento domiciliar médio per capita dos/as brancos/as (R$ 1.842). Mas, na análise por região do país, o rendimento médio per capita dos/as negros/as no Nordeste (R$ 773) equivalia a apenas 37% do rendimento médio per capta dos/das brancos/as no Sudeste (R$ 2.089). A maior diferença no rendimento de negros/as e brancos/as foi registrada no Sudeste: os/as negros/as receberam, em média, 53% do rendimento médio per capita dos/as brancos/as”.

Ainda segundo o IBGE, “as taxas de extrema pobreza e pobreza entre pretos/as e pardos/as eram de 7,4% e 31,0%, mais do que o dobro das taxas observadas entre os/as brancos/as: 3,5% e 15,1%”. Vale ressaltar que, se não fosse o auxílio emergencial e outros programas sociais, em 2020, os indicadores seriam ainda mais dramáticos.

Perspectivas para 2022

A tímida recuperação da economia brasileira após os primeiros impactos da pandemia tem se mostrado profundamente desigual. Ancorada numa situação de baixo dinamismo, a economia não gera postos de trabalho suficientes e de qualidade e a alta inflação corroi o poder de compra da população. Em 2021, o crescimento deve ficar entre 4,0% e 4,5%, muito mais por efeito estatístico, já que a base de comparação é bastante baixa em 2020, devido aos efeitos da pandemia, do que por crescimento efetivo. Mostram claramente essa situação os resultados dos últimos trimestres. A indústria de transformação não apresentou qualquer resultado positivo em 2021, também na comparação trimestral.

As incertezas no plano internacional, diante dos riscos da nova variante do coronavírus e, principalmente, a equivocada política econômica do governo federal apontam que 2022 será “mais do mesmo”, com baixo crescimento e inflação ainda em patamar elevado. As eleições em outubro tornam as previsões ainda mais difíceis, ainda mais com um governo que busca a reeleição a qualquer preço, inclusive questionando, por antecipação, a lisura do processo eleitoral.

“Assim, avalia-se que, em um cenário otimista, o PIB poderá crescer em torno de 1,4% e, em um cenário pessimista, poderá cair até 1,5%. No momento, o cenário indica crescimento zero (0%) em 2022. De fato, com um mercado de trabalho ainda deprimido e altamente precarizado e poder de compra corroído pela inflação, o consumo interno não se tornará um vetor relevante de crescimento”, demonstram os técnicos.

O investimento público, que também poderia ser uma alavanca para o crescimento econômico, não parece estar na rota do governo federal. “Com essas referências, o número de pessoas desocupadas, no cenário otimista, poderia diminuir em cerca de 200 mil, mas poderia aumentar em quase dois milhões de trabalhadores em busca de ocupação, no cenário pessimista”.

Em meio ao desmonte do Programa Bolsa Família, a partir de novembro deste ano, o número recorde de famílias inscritas no CadÚnico em situação de extrema pobreza – cerca de 15,1 milhões em setembro de 2021 –, aumentou de 16,3% em relação a janeiro de 2019, quando eram 13 milhões de famílias.

Mais golpes contra os direitos dos trabalhadores

“Ainda no “pacote de surpresas”, o governo prepara nova e intensa mexida na legislação trabalhista. O relatório construído pelo Grupo de Altos Estudos do Trabalho (Gaet), criado em 2019, no âmbito do Ministério do Trabalho e Previdência, sem participação do movimento sindical, foi divulgado agora em novembro, pronto para se transformar em projetos de lei para apreciação pelo Congresso Nacional”.

As propostas do relatório aprofundam ainda mais a reforma trabalhista, retirando direitos dos trabalhadores e garantindo proteção jurídica às empresas. As medidas aumentam a informalidade e a precarização, trazem insegurança jurídica aos trabalhadores e reduzem o papel do sindicato. “Entre as propostas do relatório estão a proibição do reconhecimento de vínculo de emprego entre prestadores/as de serviço e aplicativos, o acordo entre trabalhadores/as e patrões para o trabalho aos domingos, além da alteração de mais de 330 dispositivos da legislação trabalhista”.

Para trabalhar aos domingos e feriados, é necessário estar na lista de atividades autorizadas pela Secretaria Especial do Trabalho, convertida em ministério, ou possuir autorização de entidade sindical, mediante convenção ou acordo coletivo.

Ao invés de estimular o crescimento da economia, com investimentos, transferências de renda e valorização do trabalho, o governo aposta na retirada de direitos e desproteção dos/as trabalhadores/as para uma suposta geração de renda e trabalho no país.

“É urgente a retomada do caminho do crescimento econômico com redução da desigualdade social e preservação do meio ambiente. Até as eleições gerais de outubro de 2022, há muitas lutas a serem travadas em defesa dos direitos dos/as trabalhadores/as, para impedir ainda mais retrocessos. O vigor dessas lutas e a ousadia do movimento sindical em propor caminhos para o Brasil do futuro serão decisivos”, alerta o Dieese.

 

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