Extinção de colegiados
Extinção de colegiados pelo governo Bolsonaro, a democracia de poucas vozes
A democracia de poucas vozes: o que representa a extinção de colegiados pelo Governo Bolsonaro
por Tarso Genro e Vinicius Wu*, especial para o Viomundo
O governo Bolsonaro acaba de extinguir 35 órgãos colegiados (comitês, comissões e conselhos setoriais)**, instâncias democráticas de escuta e envolvimento da sociedade na formulação e desenvolvimento de políticas públicas em diferentes áreas de atuação do Estado brasileiro.
Ao que tudo indica, a atual administração federal só não estendeu a medida a outros 35 colegiados semelhantes pelo fato destes terem sido estabelecidos por lei, não sendo possível sua extinção via decreto do atual Presidente da República.
A instituição de Conselhos setoriais para democratizar e tornar mais transparente a gestão pública é um expediente democrático que o Brasil experimenta, com vigor, desde a promulgação da constituição federal de 1988 e, em menor escala, bem antes disso, perfazendo uma larga trajetória interrompida pela ditadura civil-militar que se impôs a partir de 1964.
Para se ter uma ideia, os primeiros conselhos de saúde e cultura, por exemplo, remontam à década de 30 do século passado.
Trata-se de uma prática que encontra lastro no desenvolvimento institucional de diversas democracias ocidentais.
A experiência conselhista, por exemplo, foi decisiva em transições democráticas como a vivida pela Espanha recém-saída do período franquista.
Foi a partir de espaços como estes que pactos sociais e políticos puderam ser estabelecidos, com base no consentimento de diferentes setores da sociedade espanhola chamados a participar da gestão pública e da transição política naquele país.
O Brasil vinha se tornando referência em termos de experimentação democrática com base na adoção de conselhos, conferências e, mais recentemente, no uso de instrumentos digitais de participação social.
Antes disso, a própria experiência do orçamento participativo se tornou referência internacional, recomendada por instituições internacionais como a ONU (Organização das Nações Unidas) e o Bird (Banco Mundial).
Importante destacar o fato de que a trajetória dos conselhos – em que pese o impulso recebido nos dois mandatos do Presidente Lula — atravessa todos os governos civis pós-1988, independente de sua orientação ideológica: Collor, FHC, Lula, Dilma e até mesmo Temer deram sequência à uma experiência que faz parte do arcabouço institucional da frágil e recente democracia brasileira.
Não se trata, de forma alguma, de uma iniciativa tipicamente “esquerdista”.
Governos de orientação liberal mundo afora reproduzem estruturas semelhantes nas mais diversas conformações sociais e políticas.
Por isso, a medida de força do atual governo se caracteriza enquanto um grave retrocesso institucional do ponto de vista democrático.
É um duro golpe sobre o desejo e a pressão por maior transparência e interferência da sociedade na administração pública que vem sendo expressa nas ruas, por diferentes setores sociais e políticos, desde, pelo menos, 2013.
Importa reforçar o fato de que este tema tem sido objeto de reivindicação por parte de movimentos tanto de direita quanto de esquerda nos últimos anos.
É claro que os conselhos careciam de inúmeros ajustes, aperfeiçoamentos e amadurecimento institucional.
Havia – e há – inúmeras lacunas, debilidades e imperfeições que podem até mesmo comprometer a efetividade de muitos destes colegiados.
Porém, nada disto justifica sua extinção, a não ser a escalada autoritária que vem sendo esboçada pelo atual governo.
Diante da quantidade, já inumerável, de retrocessos civilizatórios e decisões estapafúrdias acumuladas pelo atual governo, é provável que este tipo de iniciativa – a interrupção de experiencias institucionais cujo objetivo é o de democratizar o Estado brasileiro – passem despercebidas do grande público.
Mas é preciso denunciar não apenas o caráter autoritário desta medida como também alertar a sociedade brasileira a respeito do enorme risco que estas instâncias participativas sejam substituídas, na prática, pelo lobby, pelo tráfico de influência e o uso ilegítimo do poder discricionário de gestores e servidores públicos não-eleitos que passam ser responsáveis exclusivos por decisões que afetam a vida de milhões de brasileiros e brasileiras.
*Tarso Genro foi Secretário-Executivo do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, CDES, do Governo Federal.
*Vinicius Wu foi Secretário-Geral do Conselho Nacional de Política Cultural, CNPC, do Ministério da Cultura.
** Conforme levantamento realizado pela pesquisadora Carla Bezerra, da USP.
Conselhos extintos são órgãos consultivos e deliberativos que buscam democratizar o debate sobre formulação e controle de políticas públicas.
Escrito por: Porém.net Última modificação: 12/04/2019
Alan Santos/PRMinistro Chefe da Casa Civil da Presidência da República, Onyx Lorenzoni assina decreto
Por meio do Decreto 9759/2019, publicado nesta quinta-feira (11) no Diário Oficial da União, o presidente Jair Bolsonaro (PSL) extinguiu e esvaziou conselhos, comitês e comissões de participação e controle social no governo federal. Segundo o ministro chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, o objetivo é diminuir de 700 para menos de 50 o número de colegiados atualmente previstos pela Política Nacional de Participação Social (PNPS) criada em 2014 pela ex-presidenta Dilma Rousseff (PT).
Decreto nº 9.759, de 11 de abril de 2019 - Extingue e estabelece diretrizes, regras e limitações para colegiados da administração pública federal.
Os conselhos extintos são os órgãos consultivos e deliberativos que buscam democratizar o debate sobre formulação e controle de políticas públicas. Esses colegiados têm o prazo de 60 dias para justificar existência.
De acordo com o chefe da Casa Civil, os conselhos são “resquícios de administrações petistas, com visões distorcidas e viés ideológicos, que não representam a totalidade da sociedade”. Quando da criação da PNPS, setores contrários a chamaram de “Decreto Bolivariano” por diminuir atribuições do Congresso Nacional e da democracia representativa e por buscar a ampliação da democracia participativa.
O decreto do governo Bolsonaro afetará diretamente colegiados como o Conselho das Cidades, Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas, Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), Conselho Nacional dos Povos Indígenas (CNPI), entre outros fóruns de participação popular.
A decisão do governo causou reação imediata de conselheiros e movimentos sociais que integram os colegiados. Eles alegam que o “revogaço” do presidente Bolsonaro é uma “afronta ao princípio participativo da Constituição de 1988 e um duro golpe na democratização da gestão pública que, consequentemente, trará menos transparência nas ações governamentais”.
Confira a íntegra do Decreto:
http://www.in.gov.br/materia/-/asset_publisher/Kujrw0TZC2Mb/content/id/71137350