Falsos diplomas

Falsos diplomas

Estudantes enganados pela FICS relatam vidas em suspenso e humilhações e cobram MEC e universidades por omissão 

Vítimas da FICS buscam culpados e revelam graves impactos na vida pessoal e profissional. Há gente sendo demitida e adoecendo, segundo relatos

Por Marcelo Menna Barreto / Publicado em 18 de setembro de 2025

 

Estudantes enganados pela FICS relatam vidas em suspenso e humilhações, e cobram MEC e universidades por omissão

 

Na foto publicada em 2024 no jornal paraguaio Ultima Hora, Ismael Fenner (C), que agora se apresenta como diretor da FICS, é citado em investigações de fraudes envolvendo diplomas falsos. Foto: Ultima Hora/ Reprodução

 

“Eu não comprei o meu diploma, eu paguei com muito sacrifício, com muita dor na minha alma”, desabafa um profissional que se considera vítima da Facultad Interamericana de Ciencias Sociales (FICS). O sentimento de ter sido ludibriado é compartilhado por centenas de pessoas. Elas mobilizam grupos de WhatsApp para lidar com as consequências de um sonho que virou pesadelo.

A frustração, além de direcionada ao responsável pela suposta Instituição de Ensino Superior (IES) paraguaia, agora se volta contra quem – segundo elas – deveria ter sido o guardião da legalidade: universidades brasileiras que revalidaram diplomas e o próprio Ministério da Educação (MEC).

O pedido para não ter o nome revelado é unânime entre os afetados. Os motivos vão do medo de retaliações à profunda humilhação. “É vergonhoso para a gente. Muita gente falou que era mestre em ciências da educação”, conta uma professora que hoje teme o estigma profissional.

O impacto na saúde mental é devastador. “Passei o final de semana chorando. Tem muita gente medicada, gente indo para o médico. Ontem uma menina teve um surto, ela surtou”, relata a mesma fonte, exemplificando o desespero que tomou conta do grupo.

 

Estudantes enganados pela FICS relatam vidas em suspenso e humilhações, e cobram MEC e universidades por omissão
Imagem: Reprodução

 

A organização em meio ao caos

Diante do que descrevem como sentimento de abandono, estudantes e pessoas que já concluíram seus supostos cursos stricto sensu na FICS buscam se organizar. Grupos com mais de cem pessoas, incluindo alunos de diversas partes do Brasil e até do exterior, tornaram-se o principal canal de troca de informações e apoio.

Em um primeiro momento, em especial quando a Universidade Federal do Alagoas (Ufal) remeteu correspondência informando que suspendeu títulos da FICS devido à investigação da Polícia Federal (PF), reuniões chegaram a ser realizadas com representantes da FICS.

Os encontros que deveriam trazer clareza, no entanto, foram marcados pela tensão e por promessas vagas. “A gente fez uma primeira reunião com ele (Ismael Fenner). Ele quase apanhou de todo mundo”, lembra uma participante sobre o clima hostil.

Em uma reunião via videoconferência, estudantes afirmam ter ouvido garantias de que a situação seria regularizada. Só que as ações concretas nunca vieram. “Ele (Fenner) prometeu, jurou de pé junto que ia regularizar”, conta uma aluna.

Segundo ela, foi uma conversa tensa e a desconfiança era tamanha que muitos gravavam os áudios para se proteger. “Ele não deixou gravar, né? Eu peguei um outro celular e gravei a voz de toda a reunião inteirinha”, revela.

Após um primeiro encontro tumultuado, outra reunião marcada para o dia 10 de setembro foi cancelada. Isso aumentou a sensação de descaso. “Ele (Fenner) disse que daria um retorno para a gente até o final do mês, que tudo estaria certo”, relata uma mensagem compartilhada no grupo. Depois disso, nada mais aconteceu.

O deslocamento da culpa: MEC e IES na mira

A percepção de que foram enganados pela FICS foi apenas o primeiro estágio da indignação. A revolta cresceu e foi mudando de alvo. O Extra Classe chegou a ser um deles, na medida em que as reportagens da série Fraude nos Diplomas apresentava expressões como ‘titulações compradas’.

Agora, as vítimas da FICS começaram a questionar o papel das instituições brasileiras no processo. Para elas, a responsabilidade é compartilhada. A principal justificativa para terem confiado na FICS foi a presença chancelada de mestrados e doutorados da suposta IES na Plataforma Carolina Bori, portal oficial do MEC para revalidação de diplomas estrangeiros.

“Quando a gente foi começar o mestrado, a primeira coisa que a gente olhou foi a Carolina Bori”, afirma uma das vítimas. Essa conferência prévia, segundo todos as vítimas que deram depoimentos, deu a segurança para investir tempo e dinheiro que em alguns casos ultrapassou os R$ 50 mil.

A descoberta da fraude gerou uma revolta direta contra o sistema. “Minha responsabilidade, o caramba! Eu fui lá na Carolina Bori e vi que ela existia. Então a responsabilidade não é minha. A responsabilidade é do MEC, do Inep, da Capes, do raio que o parta, menos do aluno”, exclama irritada uma estudante, expressando um sentimento coletivo.

Para o grupo, as Instituições de Ensino Superior (IES) que chancelaram os diplomas foram, no mínimo, negligentes. “Quem deveria fazer isso (a verificação), na realidade, são as universidades que chancelam”, argumenta um participante.

A percepção é de que o processo se tornou uma “indústria de ganhar dinheiro”, como define uma das fontes. “Elas estão ganhando dinheiro. Virou uma indústria”. A situação se agrava com a postura das próprias universidades, que agora tentam se isentar. “A Ufal já mandou um e-mail para mim, falou que a responsabilidade não é dela. Como assim? Ela ficou dois anos com o meu diploma?”, questiona uma aluna, indignada.

A mobilização agora foca em ações concretas. “A gente está querendo fazer uma ação conjunta contra o MEC, contra a plataforma Carolina Bori, todo mundo que está metido nisso”, relata uma liderança do grupo que já busca contato com o que chama grande mídia para “fazer barulho”.

A exigência é clara: uma solução institucional para quem agiu de boa-fé. “Alguma coisa tem que ser feita com esses alunos que foram enganados, alguma oportunidade tem que ser dada. Isso não pode ficar assim. É algo que o MEC tem que assumir”, desabafa.

Resposta do MEC

Em nota, o Ministério da Educação (MEC) afirmou que atua exclusivamente na gestão da plataforma Carolina Bori, sistema pelo qual os interessados pela revalidação e reconhecimento de diplomas estrangeiros, podem cadastrar e enviar seus pedidos diretamente às universidades brasileiras habilitadas para tal procedimento.

No caso de denúncias relacionadas a diplomas obtidos no exterior, o MEC notifica as instituições sobre a situação e acompanha as investigações em andamento, como no caso da Faculdad Interamericana de Ciencias Sociales (FICS).Listar Matérias

Qualquer medida na Plataforma Carolina Bori só poderá ser adotada após a conclusão dos processos que apuram as eventuais irregularidades no reconhecimento de diplomas.

Estudantes enganados pela FICS relatam vidas em suspenso e humilhações, e cobram MEC e universidades por omissão

Acima de qualquer suspeita: empresa mantém portal ativo na web e mostra as supostas parcerias que mantém com instituições como o BB.   Imagem: Reprodução

 

Paradoxo: fraude com bons professores

Paradoxalmente, há estudantes que defendem a qualidade do ensino recebido. “Eu nunca tive uma orientadora como a minha orientadora da FICS. Pensa numa pessoa inteligente, que me auxiliou na dissertação”, elogia uma formada que expressa a confusão entre a possível fraude institucional e a qualidade dos professores envolvidos.

O certo é que os reflexos do caso já atingem a vida profissional e pessoal de quem estudou ou estuda na FICS. Há relatos de demissões, exigências de devolução de progressões salariais e constrangimento no ambiente de trabalho.

“Tem gente que está sendo mandada embora, está tendo que fazer devolução de dinheiro”, conta uma fonte.

O impacto emocional é evidente nos depoimentos. Uma estudante relata ter desenvolvido hipertensão intracraniana durante o curso, tamanha era a exigência acadêmica. “Você pensa que foi um mestrado qualquer? Ela (a orientadora) ia, voltava, devolvia a dissertação. Eu coloquei minha dissertação no Lattes. Três editoras ligaram para mim para publicar”, descreve para demonstrar a seriedade com que levou seus estudos.

“Nós não somos bandidos; estudamos”, desabafa, ao mesmo tempo que busca conter a emoção do sentimento de ter caído em um golpe que, conforme relatou o Extra Classe na primeira matéria de sua série, em 1º de setembro, é a ponta de um iceberg.

 

LEIA A SÉRIE DE REPORTAGENS “FÁBRICA DE DIPLOMAS”:

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FONTE:

https://www.extraclasse.org.br/educacao/2025/09/estudantes-enganados-pela-fics-relatam-vidas-em-suspenso-e-humilhacoes/?utm_source=news+18%2F09%2F2025&utm_medium=news+18%2F09%2F2025&utm_
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