Falsos saberes
Falsos saberes: o papel da inteligência artificial na docência
As inovações tecnológicas têm sido um grande aliado dos professores, mas não devemos perder de vista o sentido do ato educativo, que é a formação de sujeitos conscientes
Por Ronan Moura Franco / Publicado em 25 de abril de 2025

Nos últimos anos temos sido fortemente interpelados por discursos sobre Inteligência Artificial (IA), ao ponto da sigla IA ter sido eleita a palavra do ano de 2023 pela editora que publica o dicionário Collins.
Os discursos que diariamente tentam nos convencer da suposta revolução que essa tecnologia tem provocado evidenciam uma importância sem ao menos sabermos de fato do que se trata e como se dá a sua funcionalidade.
Os chamados chatbots, são as ferramentas que se apresentam como salvacionistas para a prática docente, tanto na educação básica quanto na superior.
Para nós, professores, a explosão dessas ferramentas divulgadas amplamente nas redes sociais seduz pela facilidade de elaboração de atividades que desoneram a prática docente.
Mas seria essa uma contribuição valiosa para a atuação dos professores na educação básica?
A resposta para esse questionamento poderia ser um não imperativo, se não estivéssemos sobrecarregados de demandas que distanciam a preocupação com o que deveria ser a centralidade da atuação docente, a dedicação com o processo de ensino-aprendizagem.
Cada dia mais somos responsabilizados com demandas em vórtices burocráticos que tomam tempo e energia na elaboração de planos infindáveis, adaptações curriculares para transtornos que mal conhecemos e sistemas informatizados que transformam a atuação docente em gerenciamento de dados.
No entanto, estamos reservando cada vez menos tempo para a elaboração autêntica de projetos e propostas pedagógicas com foco no sentido para a nossa prática com deliberadas intencionalidades de proporcionar aprendizagens prazerosas e significativas.
Se o papel da IA é ser uma alternativa ao tempo dedicado ao planejamento, essas ferramentas estariam a serviço do neoliberalismo de capturar a capacidade criativa dos professores, reduzindo sua atuação na reprodução de materiais prontos que não carregam o saber genuíno dos docentes de pensar aquilo que pode provocar mudanças e estabelecer processos de ensino-aprendizagem transformadores.
Quando o olhar se volta para a formação de professores – e podemos dizer que para a educação superior de forma geral a IA tem implicações diretas na forma com que os estudantes estão compreendendo o seu processo formativo – tais ferramentas tecnológicas ocupam o lugar do esforço para a escrita, pesquisa e elaboração de recursos que expressam as sínteses dos seus conhecimentos, esforço esse inerente ao processo de ensinar e aprender.
Mais do que isso, esse esforço se caracteriza como a própria aprendizagem, em que o momento de escrita reflexiva e pesquisa como princípio educativo são necessários para que os profissionais comprometidos com a sua formação aprendam as minúcias das suas especialidades.
A IA estaria, novamente, ocupando o lugar da produção de saberes que os espaços educativos formais poderiam estabelecer, revestida de agente potencializador, implicada em ser uma geradora de atividades e textos genéricos, desconexos das realidades contextuais.
Assim como os professores da educação básica passam a ser aplicadores de fórmulas prontas, os estudantes da academia doam sua voz para a fala de robôs digitais que expressam falsos saberes como se fossem construções próprias.
A pesquisa acadêmica tem sido atravessada por iniciativas que visam inserir a IA em suas etapas com promessas de autonomia, aumento da produtividade e inovação, em que os pesquisadores que não utilizam tais ferramentas estão ultrapassados e obsoletos.
A pesquisa acadêmica, por essência, evidencia um valor humano de conseguir produzir conhecimentos acerca dos fenômenos naturais e/ou produzidos pela sociedade, e isso demanda um forte empreendimento de tempo e energia daqueles que trabalham para que as ciências avancem.
Os conhecimentos científicos não são somente aqueles resultantes ao final do processo de pesquisa, mas sim os métodos, a forma e os artifícios desenvolvidos para se conseguir atingir os objetivos dos processos investigativos.
E é nesse sentido prático que as ferramentas de IA se inserem, como se os meios fossem de menor importância para se chegar aos resultados, estando os pesquisadores relegados à entrega dos relatórios de suas pesquisas para obtenção dos títulos.
Nosso papel enquanto professores e formadores é mantermo-nos em constante questionamento sobre as intencionalidades das inovações tecnocráticas que encantam pela praticidade, mas que acabam por dissolver o sentido próprio do ato educativo de desenvolver capacidades que formem os sujeitos para agir com o mundo de forma consciente.
Nesse momento, releguemos à IA o seu sentido de ferramenta auxiliar, que não produza nem fale por nós, para não sermos engolidos pelos discursos tecnológicos e deslegitimados da nossa função.
Ronan Moura Franco é doutor em Educação em Ciências, coordenador de Ciências da Natureza da Secretaria Municipal de Educação de Uruguaiana/RS, professor do Curso de Ciências da Natureza – Licenciatura da Universidade Federal do Pampa (Unipampa), campus Uruguaiana/RS.
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