Falta de funcionários de escola

Falta de funcionários de escola e terceirização fragilizam instituições estaduais de ensino no RS
Recentemente, o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE) divulgou um estudo que revela um problema estrutural nas redes estaduais de ensino de 14 estados brasileiros. Entre os analisados, o Rio Grande do Sul se destaca negativamente pela escassez de funcionárias(os) de escola, uma situação denunciada quase diariamente pelo CPERS Sindicato.
Na análise, o Departamento aponta uma dificuldade nacional em obter dados precisos sobre trabalhadoras(es) não docentes nas escolas, como merendeiras(os), vigilantes e agentes administrativos. Essa falta de informação compromete a transparência, dificulta o planejamento de políticas públicas e agrava a precarização das condições de trabalho e a sobrecarga das equipes existentes em todo o país.
Essas(es) trabalhadoras(es), responsáveis por funções essenciais como merenda, limpeza, vigilância, administração e apoio pedagógico, estão em número muito abaixo do necessário. A situação se torna ainda mais crítica quando se compara o efetivo disponível com o número de matrículas na rede estadual: atualmente, segundo dados do DIEESE, o RS registra 694.664 matrículas na rede estadual e somente 18.639 funcionárias(os) de escola.
Destas(es), 16.245 possuem vínculo com o estado e 2.394 são terceirizadas(os) — alocadas(os), principalmente, na preparação de merenda (1.788), limpeza (453) e vigilância (153). Do total de servidoras(es), apenas 5.989 são efetivas(os) e 10.256 possuem vínculos temporários.
A escassez dessas(es) profissionais e a falta de concurso público para essas áreas tem provocado o aumento da terceirização e a contratação de agentes com vínculos temporários, o que compromete a qualidade dos serviços prestados e a estabilidade no ambiente escolar.
Vale destacar que o governo Eduardo Leite (PSD) promoveu recentemente uma reestruturação de cargos no funcionalismo, com a promessa de corrigir distorções históricas e valorizar as(os) servidoras(es) de escola. Entretanto, parte significativa dessa categoria — trabalhadoras(es) que ficaram quase uma década sem reajuste, exceto os 6% de revisão geral concedidos em 2022 —, ficaram de fora desse reenquadramento. Segundo análise do DIEESE apresentada ao CPERS em março deste ano, pelo menos 37% das(os) agentes educacionais não foram beneficiadas(os).
Para agravar ainda mais a situação, o DIEESE identificou que a quantidade de profissionais terceirizadas(os) aumentou de 1.866 em 2024 para 2.394 em 2025 no RS, um crescimento de 28%. Esse dado indica a ampliação desse modelo de trabalho, evidenciando que a terceirização continua sendo a principal alternativa adotada pelo governo Leite (PSD). A insistência nessa estratégia, marcada por vínculos empregatícios frágeis e alta rotatividade, reafirma a falta de investimento em concursos públicos e na desvalorização dessas(es) profissionais.
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A terceirização também levanta a questão da transferência das responsabilidades para empresas privadas, reduzindo a transparência e o controle da qualidade dos serviços prestados. No fim, é o próprio Estado que arca com as indenizações e os custos de um modelo repleto de falhas.
O papel fundamental das funcionárias na rotina escolar e a luta por condições adequadas de trabalho
Em uma rápida visita à maioria das escolas da rede estadual, fica evidente que o número atual de funcionárias(os) é insuficiente para atender adequadamente as demandas dos ambientes escolares. Considerando todos os vínculos, a proporção é de apenas uma(um) agente educacional para cada 37 estudantes, o que escancara um cenário de sobrecarga de trabalho e a ineficiência das políticas de gestão adotadas.
Em meio aos desafios diários enfrentados pela educação pública estadual, conversamos com Judite Ramos, monitora concursada, que atua há mais de 20 anos na EEEM Ijucapirama, localizada no município de Jaguari.
Judite desempenha um papel fundamental no apoio à equipe pedagógica e à rotina da escola, realizando diversas atividades como a busca e organização de materiais didáticos para as(os) professoras(es), gestão do tempo e da disciplina durante os intervalos, acompanhamento das(os) estudantes nos horários de entrada e saída, além do monitoramento dos corredores e demais espaços escolares, contribuindo para um ambiente seguro, organizado e acolhedor.
Quando questionada sobre o número de colegas na mesma função e o aumento das demandas, Judite descreve um cenário desafiador. Ela explica que, com o passar dos anos, suas atribuições se intensificaram de forma significativa. Além das tarefas rotineiras, como o apoio às(aos) colegas e o acompanhamento das(os) alunas(os) nos horários de entrada, saída e recreio, passou também a atender estudantes com necessidades educacionais especiais, o que exige um olhar atento, sensibilidade e dedicação contínua.
Atualmente, Judite também presta suporte direto a um aluno cadeirante, que necessita de auxílio em tempo integral para locomoção na escola, durante o recreio, nos deslocamentos e nos momentos de entrada e saída, inclusive no transporte escolar, ou seja, ela precisa conciliar esse atendimento individualizado com as demais responsabilidades da escola.
Sobre a escassez de funcionárias(os) e o fato de assumir funções que não são suas, Judite afirma: “Sim, eu me sinto assumindo outras funções que não seriam a minha atribuição. Erguer um aluno com maior peso por muito tempo acaba gerando uma sobrecarga por excesso de peso. Eu penso que, nessas situações, deveria haver uma valorização maior do servidor.”
Judite ressalta que a falta de valorização afeta a dignidade das(os)trabalhadoras(es): “A nossa presença na escola é importante o tempo todo. Por exemplo, já aconteceu de eu ficar doente, e se eu faltar, não tem outra pessoa para me substituir, o que sobrecarrega os colegas que estão lá. Eu acredito que, para a minha função, deveria ter, no mínimo, duas pessoas para realizar o trabalho. A gente acaba se sobrecarregando. É a gente, com a gente mesmo, sabe? A gente precisa estar sempre ali”.
Outro exemplo é o de Nerli de Freitas Dutra, merendeira concursada há 33 anos, que atua na EEEB Cruzeiro, em Santa Rosa. Ela relata que, no setor da cozinha da escola, além dela, trabalham mais duas servidoras nomeadas, uma contratada e duas terceirizadas, responsáveis por dividir as tarefas entre a merenda do turno integral e a do turno da noite.
Quanto à demanda de funcionárias na cozinha, ela relata a existência de lacunas significativas no quadro de pessoal. “Hoje, por exemplo, uma merendeira teve que trabalhar sozinha, pois duas estavam doentes. Como as demais funcionárias cumprem horários de turnos diferentes, não havia como cobrir a ausência. Isso demonstra uma escassez de profissionais, especialmente porque minha escola é bastante grande”.
Nerli, segue trazendo mais relatos sobre a sobrecarga, inclusive, que já desempenhou funções que não faziam parte das suas demandas: “Além disso, no caso da minha escola, por exemplo, contamos com apenas duas serventes e já percebemos que as colegas estão começando a ficar doentes. Hoje, eu trabalho apenas na cozinha, mas até o ano passado a gente também ajudava na limpeza e a cuidar do pátio. E mesmo eu trabalhando apenas na cozinha, ainda assim, volta e meia, tentamos ajudar as colegas, porque são poucas, então acabamos tentando auxiliar.”
Quando questionada sobre como se sente quanto à valorização profissional, ela afirma: “Não, nós não nos sentimos mais valorizados, a gente trabalha muito mais e não é valorizado em nada. O trabalho da gente, na maioria das vezes, não é reconhecido, exigem demais e coisas que não são da nossa responsabilidade.”
A partir do relato da Judite, de Nerli e de tantas(os) outras(os) funcionárias(os) de escola, fica nítida a urgência de investimentos na valorização salarial das(os) agentes educacionais, na oferta regular de formação, bem como na melhor distribuição e aumento do número de profissionais nas escolas.
Reconhecer e apoiar essas(es) trabalhadoras(es) é fundamental para garantir uma educação pública de qualidade, que atenda com eficiência e humanidade as(os) estudantes, contribuindo para um ambiente escolar mais justo e acolhedor para toda a comunidade.
Diante desse quadro, o CPERS se posiciona veementemente contra as terceirizações e reforça a necessidade da realização de concursos públicos para garantir estabilidade, direitos trabalhistas e a continuidade dessas(es) profissionais nas escolas!
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