Fechar escolas do campo é arbitrariedade
‘Fechar escolas do campo é arbitrariedade’, avalia Comitê de Educação do Campo
“Esse Levantamento não pode ser tomado como argumento para justificar o fechamento de escolas do campo no Espírito Santo”.
A Redação
“Esse Levantamento não pode ser tomado como argumento para justificar o fechamento de escolas do campo no Espírito Santo”. A afirmação, categórica, é do Comitê de Educação do Campo do Espírito Santo (Comeces), em um documento com “anotações sobre o relatório do Tribunal de Contas”, relatório este que tem sido utilizado por várias prefeituras capixabas como justificativa para fechar pequenas escolas do campo.
“Hora nenhuma o relatório fala em fechar escolas do campo. Ele fala da necessidade de organização, de cada município, com suas particularidades e demandas especificas, pensar conjuntamente com o Estado as soluções pra melhor atender as comunidades”, enfatiza Carminha Paolielo, uma das autoras do estudo do Comeces. Usar esse relatório do Tribunal de Contas como argumento pra fechar escolas do campo, enfatiza a educadora, é “praticamente uma arbitrariedade”.
“Eles [o Tribunal de Contas] fizeram um plano e mediram a distância entre uma escola e outra, mas reconhecem que isso é limitado, porque as escolas não são assim, não retrata as condições de estrada, subidas e descidas, desvios. Eles dizem que os dados não são completos, precisariam ser mais detalhados. Se o próprio Tribunal reconhece isso, por que os municípios não reconhecem?”, inquire.
O relatório do TCE-ES foi feito por meio da Secretaria de Controle Externo de Educação e Segurança Pública (SECEXSES). Trata-se de um levantamento que atende à fiscalização prevista no Plano Anual da instituição, visando “levantar e analisar oferta e demanda por vagas nas redes públicas estadual e municipais de ensino, considerando os níveis, etapas e modalidades da educação básica, sua distribuição nos estabelecimentos de ensino, quantitativo de profissionais e as evoluções nos indicadores pertinentes”.
Os casos de escolas concorrentes, assim denominadas aquelas que se encontram numa distância igual ou inferior a três quilômetros, devem ser estudadas caso a caso, enfatiza o estudo do Comitê Estadual, “pois o que importa é a distância entre as residências e as escolas e não entre as escolas. Menos ainda se essa distância é medida em linha reta”, acentuam os autores.
O Comeces aponta das principais lacunas do levantamento, algumas delas mencionadas pelo próprio TCE-ES. A primeira é o fato dos dados referentes aos anos de 2015 a 2018 terem sido extraídos do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas em Educação Anísio Teixeira (INEP) e, portanto, provenientes de fonte oficial. “No entanto, os dados de 2019, obtidos por meio do questionário enviado aos jurisdicionados, são auto declaratórios, não tendo sido validados”, adverte o Comitê.
Outras fragilidades identificadas: não foi analisada, nem considerada nas análises, a infraestrutura das escolas; não fizeram parte da análise informações relativas ao quantitativo de profissionais do magistério e sua distribuição dentro da rede; não foi considerado na análise as rotas de transporte escolar nem especificidades, tais como relevo, geografia, clima e urbanização, e, por tal razão, as distâncias utilizadas nas análises se referem à distância em linha reta, e não à distância viária; não foram analisados os motivos porque algumas escolas são preteridas pelos alunos, realidade apontada durante reuniões prévias com algumas secretarias municipais de educação; foram consideradas apenas o número de matrículas das escolas, excluindo-se dados sobre a demanda manifesta e a busca ativa.
Escolas multisseriadas
“A escola multisseriada é uma alternativa fantástica pra educação do campo”, ressalta a educadora. “Ela pode ser um caos ou não, depende de investimento, organização”, esclarece Carminha. “Não se pode simplesmente fechar uma escola e colocar as crianças no transporte, porque se sabe as dificuldades de acesso e riscos de vida que as crianças correm nas estradas. O fechamento de uma escola do campo não pode ser assim, sem sequer seguir as resoluções do Ministério da Educação que regulamentam isso”, assevera a educadora.
A análise do Comeces está sendo compartilhada com educadores de todo o Estado, especialmente os que atuam em municípios onde as prefeituras têm fechado escolas dizendo-se orientas pelo Tribunal de Contas. Exemplos são Pancas, no centro-oeste capixaba, Santa Teresa, na região central-serrana, e Cariacica, na Grande Vitória.
Em Pancas, relatam educadores locais, nos últimos três anos, foram fechadas mais de 40 escolas. Os últimos casos, detalham, foram escolas de bairros para crianças de seis a nove anos, que “terão que se deslocar a pé para fora de suas comunidades para um prédio super lotado e sem estrutura de segurança física, nesse último sem nenhum diálogo ou escuta dos pais e professores”.
Há ainda duas escolas do Córrego Paranazinho, em que “as crianças vão sair da comunidade, atravessar a cidade para estudar em uma escola de outra região sem nenhuma consulta aos pais”. Em outras duas, as crianças foram transferidas para “o prédio da antiga secretaria de educação, ao lado da matriz, no centro, mais de 300 crianças de seis a nove anos. Sem grades nas salas e sem nenhuma estrutura adequada e de segurança”.
“Reiteramos aqui nosso apoio às comunidades, na luta contra o fechamento de escolas, pela garantia do direito à Educação do Campo, inclusive na Modalidade da Educação de Jovens e Adultos (EJA)”, solidarizam-se os autores e integrantes do Comeces.
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