Fibromialgia e aposentadoria

Fibromialgia e aposentadoria

Fibromialgia e aposentadoria por deficiência: a Lei nº 15.176/2025

  • Gabriel Jotta Vaz

30 de julho de 2025

 

A recente sanção da Lei nº 15.176, de 23 de julho de 2025, que estabelece um programa nacional de proteção aos direitos das pessoas acometidas por síndrome de fibromialgia e fadiga crônica, representou um avanço significativo na proteção e visibilidade dessas condições de saúde.

Pedro França/Agência Senado

 

Contudo, a divulgação açodada e a interpretação superficial do texto legal têm gerado uma perigosa distorção no ambiente digital: a crença de que o mero diagnóstico de fibromialgia automaticamente confere ao indivíduo a condição de pessoa com deficiência para fins de aposentadoria. Assim, este pequeno e humilde artigo propõe-se a desmistificar essa premissa, argumentando que a nova lei, embora progressista, reitera a necessidade de uma avaliação biopsicossocial rigorosa para a equiparação à pessoa com deficiência.

Trajetória legislativa do reconhecimento da fibromialgia

Para situar a discussão, é imperativo reconhecer a evolução legislativa no tratamento da fibromialgia. O marco inicial dessa jornada foi a Lei nº 14.705, de 25 de outubro de 2023. Esta norma, de caráter pioneiro, estabeleceu as diretrizes fundamentais para o atendimento integral das pessoas com fibromialgia e condições correlatas no âmbito do SUS (Sistema Único de Saúde).

Dentre suas previsões, destacam-se o atendimento multidisciplinar, o acesso a exames, a assistência farmacêutica e a modalidades terapêuticas, solidificando a abordagem organizada e completa dessas condições na rede pública.

A Lei nº 15.176/2025, por sua vez, amplia e fortalece esse arcabouço. Ao instituir um programa nacional, ela visa aprofundar o compromisso estatal com diretrizes essenciais, como:

- Atendimento multidisciplinar: foco abrangente no tratamento e suporte ao paciente.

- Disseminação de informações: aumento do conhecimento sobre a doença para pacientes, familiares e profissionais.

- Estímulo à pesquisa científica: fomento a estudos para melhor compreensão e desenvolvimento de novas abordagens.

- Incentivo à inserção no mercado de trabalho: promoção da inclusão e manutenção da atividade laboral das pessoas com fibromialgia.

Ambas as leis, inegavelmente, representam conquistas notáveis em termos de reconhecimento, proteção e dignidade para os indivíduos que enfrentam essas condições complexas e muitas vezes invisíveis.

Desinformação e interpretação contraditória

O ponto central da controvérsia e da interpretação equivocada reside no Artigo 1º-C da Lei nº 15.176/2025. Esse dispositivo legal, ao abordar a “equiparação” da pessoa com fibromialgia à pessoa com deficiência, tem sido erroneamente interpretado como uma chancela automática dessa condição.

É crucial transcrever o teor do dispositivo para análise:

“Art. 1º-C. A equiparação da pessoa acometida pelas doenças de que trata o art. 1º desta Lei à pessoa com deficiência fica condicionada à realização de avaliação biopsicossocial por equipe multiprofissional e interdisciplinar que considere os impedimentos nas funções e nas estruturas do corpo, os fatores socioambientais, psicológicos e pessoais, a limitação no desempenho de atividades e a restrição de participação na sociedade, nos termos do art. 2º da Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência).”

A leitura atenta e técnica deste artigo revela que a equiparação não é inerente ao diagnóstico, mas sim um efeito condicionado a um processo avaliativo específico. O legislador, ao invés de criar uma presunção absoluta de deficiência, optou por vincular essa equiparação a um instrumento já consagrado no ordenamento jurídico brasileiro.

Paralelo indispensável

A inteligência do artigo 1º-C da Lei nº 15.176/2025 reside justamente em sua remissão expressa ao Artigo 2º da Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015, o Estatuto da Pessoa com Deficiência. Este diploma legal é taxativo ao conceituar a deficiência não meramente como uma condição de saúde, mas como o resultado da interação entre impedimentos de longo prazo (de natureza física, mental, intelectual ou sensorial) e as barreiras que, em conjunto, obstruem a participação plena e efetiva da pessoa na sociedade em igualdade de condições.

Dessa forma, o Estatuto da Pessoa com Deficiência já estabelece que a aferição dessa condição jurídica se dá por meio da Avaliação Biopsicossocial. É nesse ponto que a nova lei se alinha à legislação existente, e não a subverte. Quando a Lei nº 15.176/2025 menciona a “equiparação”, ela não está criando uma nova via automática de reconhecimento, mas sim direcionando o processo para essa avaliação já prevista.

A Avaliação Biopsicossocial, conduzida por equipe multiprofissional e interdisciplinar, analisa a complexidade da condição do indivíduo sob diversas perspectivas:

- Impedimentos nas funções e estruturas do corpo: As limitações biológicas e fisiológicas decorrentes da fibromialgia.

- Fatores socioambientais, psicológicos e pessoais: O contexto de vida do indivíduo, seu suporte e suas características pessoais.

- Limitação no desempenho de atividades: A capacidade ou dificuldade em realizar tarefas cotidianas e profissionais.

- Restrição de participação na sociedade: O grau em que a condição impede a interação social e o engajamento em diferentes esferas da vida.

É a conclusão dessa análise holística, e não a presença isolada de um diagnóstico, que determinará a existência de uma deficiência e seu grau (leve, moderada ou grave) para fins legais.

Reflexos na aposentadoria da pessoa com deficiência

A discussão sobre a fibromialgia e a deficiência ganha particular relevância no âmbito do Direito Previdenciário, especificamente no que tange à Aposentadoria da Pessoa com Deficiência, regida pela Lei Complementar nº 142/2013. Esta modalidade de benefício, ao prever requisitos de idade ou tempo de contribuição reduzidos, objetiva compensar as dificuldades enfrentadas no mercado de trabalho por aqueles que possuem impedimentos de longo prazo.

Contudo, a obtenção dessa aposentadoria não é simplificada pela Lei nº 15.176/2025 no que se refere à comprovação da deficiência. O Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) exige, para a concessão do benefício, que a condição de deficiência seja devidamente comprovada por meio da perícia biopsicossocial, nos moldes já delineados pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência.

Portanto, o diagnóstico de fibromialgia, ainda que vital para o tratamento e reconhecimento na saúde pública, não dispensa o segurado da necessidade de demonstrar, por meio da avaliação oficial do INSS, que a doença gera um impedimento de longo prazo que limita suas atividades e participação social, configurando, assim, a deficiência nos termos da legislação previdenciária e assistencial.

Imperatividade da interpretação jurídica responsável

A Lei nº 15.176/2025 é, sem dúvida, um marco legislativo que solidifica o reconhecimento e a proteção às pessoas com fibromialgia no Brasil. No entanto, é fundamental que sua interpretação seja pautada pela técnica jurídica e pela cautela, evitando a propagação de informações imprecisas que podem gerar expectativas infundadas e litígios desnecessários.

O diagnóstico de fibromialgia, por si só, não constitui um atalho para a aposentadoria da pessoa com deficiência. A lei é clara ao condicionar a equiparação à realização de uma avaliação biopsicossocial que examine a funcionalidade e a inserção social do indivíduo. A tarefa da comunidade jurídica, e dos operadores do direito em particular, é esclarecer essa distinção, garantindo que os pacientes com fibromialgia busquem seus direitos com base em informações sólidas e orientação profissional adequada.

A informação correta, baseada na integridade do texto legal, é a ferramenta mais eficaz para assegurar a efetividade dos direitos sem distorções.

é advogado, especialista em Direito Previdenciário (Legale), pós-graduado em Previdenciário Empresarial (Ieprev), Planejamento Sucessório (CR Soluções), Créditos Fiscais (Aprimora) e Direito Bancário (FGV/RJ), diretor-adjunto da Diretoria Científica do IBDP (2024-2026), diretor jurídico da Amerj (Associação dos Militares Oficiais Estaduais do Rio de Janeiro), presidente da Comissão de Direito Previdenciário da 1ª Subseção da OAB Nova Iguaçu/RJ (2025-2027), conferencista e palestrante.

 

FONTE:

https://www.conjur.com.br/2025-jul-30/fibromialgia-e-aposentadoria-por-deficiencia-a-lei-no-15-176-2025/

 

 

 

Dia da Conscientização sobre Fibromialgia: direitos e benefícios garantidos por lei

  • Luciana Silva

13 de maio de 2024

 

Ontem, 12 de maio, lembrou-se do Dia Mundial da Conscientização sobre Fibromialgia. É fundamental apoiar aqueles que vivem com essa condição complexa e debilitante, causadora de dor crônica, fadiga e uma série de sintomas que impactam a qualidade de vida dos afetados.

De um modo geral, legislações e políticas públicas para os portadores de fibromialgia podem ser divididas em três eixos. O primeiro é a proteção ao suporte financeiro, representado pela concessão de auxílio-doença, aposentadorias e benefícios de prestação continuadas, desde que atendidos os requisitos estabelecidos em lei.

O segundo envolve o desenvolvimento de meios e políticas para a melhora da condição de vida, saúde física e mental, representado pela garantia de tratamentos eficazes e multidisciplinares e prioridade de atendimento em locais públicos e privados, como repartições e bancos.

O terceiro é o de conscientização da sociedade, representado pelo incentivo à realização de estudos e pesquisas científicas sobre o tema, políticas de informação à sociedade sobre o tema e incentivos à inserção no mercado de trabalho.

Diretrizes

A Lei Federal nº 14.705/2023 define diretrizes para o tratamento da condição em nível nacional, garantindo acesso ao Sistema Único de Saúde (SUS) e estabelecendo padrões mínimos de atendimento. O espectro de atendimento assegura equipe multidisciplinar composta por áreas como medicina, psicologia, nutrição e fisioterapia; como exames complementares, assistência farmacêutica e a diversas modalidades terapêuticas, como fisioterapia e atividade física. Também é imposto o dever de regulamentar listas de exames, medicamentos e terapias afetas ao tratamento da fibromialgia.

Em adição, há leis estaduais e municipais que complementam essas diretrizes, adaptando-as às necessidades e realidades locais, tais como rede de atendimento, orçamento dos entes públicos, políticas de coordenação e fomento entre estados e municípios, entre outros.

Inicialmente, é preciso destacar que uma lei federal é fundamental para garantir uma abordagem uniforme e abrangente para o tratamento da fibromialgia em todo o País. Ela estabelece padrões mínimos de cuidado e acesso aos serviços de saúde, assegurando que os pacientes de todo país tenham direitos básicos garantidos, independentemente de sua localização geográfica, e sinaliza para os órgãos o dever de fomentar e desenvolver tais políticas. A lei desempenha um papel crucial na criação de uma estrutura legal sólida e consistente para lidar com a fibromialgia em nível nacional.

Em Minas Gerais, a Lei nº 24.508/2023 incluiu os portadores de fibromialgia no conceito jurídico de portadores de deficiência, garantindo-lhes todos os direitos e benefícios que, desde 2000, o estado fomenta para melhorar a condição de vida desses cidadãos  (“considera-se pessoa com deficiência, para fins de obtenção dos benefícios previstos na legislação do Estado, aquela que, comprovadamente, apresente desvantagem no que se refere à orientação, à independência física ou à mobilidade, ou de ordem neuropsíquica que acarrete dificuldade para o exercício de ocupação habitual, para a interação social e para a independência econômica, em caráter permanente”; artigo 1º, Lei Estadual 12/01/2000).

No estado, ainda há as Leis nº 23.902/2021 e  24.031/2022, que garantem:

  1. atendimento por equipe multidisciplinar (médico, psicólogo, nutricionista, fisioterapeuta e profissional da educação física);

  2. acesso a exames complementares e medicamentos prescritos;

  3. incentivo à adoção de práticas interativas e complementares no atendimento aos pacientes

  4. o atendimento prioritário nos estabelecimentos públicos e privados localizados no estado organizados por meio de fila ou senha, sendo que, no caso de estabelecimentos privados, a negativa se sujeita a multas e sanções pelo poder público.

A fibromialgia ser considerada uma deficiência em termos jurídicos é de suma importância para garantir que os pacientes tenham acesso a direitos e benefícios específicos previstos na Lei Federal nº 13.146/2015, denominada Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência), destinada a assegurar e a promover, em condições de igualdade, o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais por pessoa com deficiência, visando à sua inclusão social e cidadania.

Ao ser reconhecida como uma deficiência, os pacientes de fibromialgia têm acesso a uma série de benefícios, como aposentadoria por invalidez, auxílio-doença, prioridade no atendimento em serviços públicos e proteção contra discriminação no ambiente de trabalho.

Por fim, no caso de negativa de direitos ou benefícios previstos em lei ou regulamento, os portadores também podem buscar o Poder Judiciário e os órgãos públicos reguladores correspondentes, buscando medidas conciliatórias, corretivas e condenatórias para garantir a plena fruição das suas garantias legais.

Toda a normatização citada contribui para a conscientização e compreensão pública da fibromialgia como uma condição séria que merece apoio e respeito, o que pode ajudar a reduzir o estigma associado à doença e promover uma maior inclusão e apoio para aqueles que vivem com ela.

é doutoranda em Processo Civil pela UFMG, professora de MBA da PUC-MG, coordenadora da Pós-Graduação em Licitações e Contratos Administrativos do Cedin e sócia e coordenadora da área de Direito Público do escritório Suzana Cremasco Advocacia.

FONTE:

https://www.conjur.com.br/2024-mai-13/direitos-e-beneficios-garantidos-por-lei-e-o-dia-mundial-da-conscientizacao-sobre-fibromialgia/




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