Fibromialgia e aposentadoria
Fibromialgia e aposentadoria por deficiência: a Lei nº 15.176/2025
30 de julho de 2025
A recente sanção da Lei nº 15.176, de 23 de julho de 2025, que estabelece um programa nacional de proteção aos direitos das pessoas acometidas por síndrome de fibromialgia e fadiga crônica, representou um avanço significativo na proteção e visibilidade dessas condições de saúde.

Contudo, a divulgação açodada e a interpretação superficial do texto legal têm gerado uma perigosa distorção no ambiente digital: a crença de que o mero diagnóstico de fibromialgia automaticamente confere ao indivíduo a condição de pessoa com deficiência para fins de aposentadoria. Assim, este pequeno e humilde artigo propõe-se a desmistificar essa premissa, argumentando que a nova lei, embora progressista, reitera a necessidade de uma avaliação biopsicossocial rigorosa para a equiparação à pessoa com deficiência.
Trajetória legislativa do reconhecimento da fibromialgia
Para situar a discussão, é imperativo reconhecer a evolução legislativa no tratamento da fibromialgia. O marco inicial dessa jornada foi a Lei nº 14.705, de 25 de outubro de 2023. Esta norma, de caráter pioneiro, estabeleceu as diretrizes fundamentais para o atendimento integral das pessoas com fibromialgia e condições correlatas no âmbito do SUS (Sistema Único de Saúde).
Dentre suas previsões, destacam-se o atendimento multidisciplinar, o acesso a exames, a assistência farmacêutica e a modalidades terapêuticas, solidificando a abordagem organizada e completa dessas condições na rede pública.
A Lei nº 15.176/2025, por sua vez, amplia e fortalece esse arcabouço. Ao instituir um programa nacional, ela visa aprofundar o compromisso estatal com diretrizes essenciais, como:
- Atendimento multidisciplinar: foco abrangente no tratamento e suporte ao paciente.
- Disseminação de informações: aumento do conhecimento sobre a doença para pacientes, familiares e profissionais.
- Estímulo à pesquisa científica: fomento a estudos para melhor compreensão e desenvolvimento de novas abordagens.
- Incentivo à inserção no mercado de trabalho: promoção da inclusão e manutenção da atividade laboral das pessoas com fibromialgia.
Ambas as leis, inegavelmente, representam conquistas notáveis em termos de reconhecimento, proteção e dignidade para os indivíduos que enfrentam essas condições complexas e muitas vezes invisíveis.
Desinformação e interpretação contraditória
O ponto central da controvérsia e da interpretação equivocada reside no Artigo 1º-C da Lei nº 15.176/2025. Esse dispositivo legal, ao abordar a “equiparação” da pessoa com fibromialgia à pessoa com deficiência, tem sido erroneamente interpretado como uma chancela automática dessa condição.
É crucial transcrever o teor do dispositivo para análise:
“Art. 1º-C. A equiparação da pessoa acometida pelas doenças de que trata o art. 1º desta Lei à pessoa com deficiência fica condicionada à realização de avaliação biopsicossocial por equipe multiprofissional e interdisciplinar que considere os impedimentos nas funções e nas estruturas do corpo, os fatores socioambientais, psicológicos e pessoais, a limitação no desempenho de atividades e a restrição de participação na sociedade, nos termos do art. 2º da Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência).”
A leitura atenta e técnica deste artigo revela que a equiparação não é inerente ao diagnóstico, mas sim um efeito condicionado a um processo avaliativo específico. O legislador, ao invés de criar uma presunção absoluta de deficiência, optou por vincular essa equiparação a um instrumento já consagrado no ordenamento jurídico brasileiro.
Paralelo indispensável
A inteligência do artigo 1º-C da Lei nº 15.176/2025 reside justamente em sua remissão expressa ao Artigo 2º da Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015, o Estatuto da Pessoa com Deficiência. Este diploma legal é taxativo ao conceituar a deficiência não meramente como uma condição de saúde, mas como o resultado da interação entre impedimentos de longo prazo (de natureza física, mental, intelectual ou sensorial) e as barreiras que, em conjunto, obstruem a participação plena e efetiva da pessoa na sociedade em igualdade de condições.
Dessa forma, o Estatuto da Pessoa com Deficiência já estabelece que a aferição dessa condição jurídica se dá por meio da Avaliação Biopsicossocial. É nesse ponto que a nova lei se alinha à legislação existente, e não a subverte. Quando a Lei nº 15.176/2025 menciona a “equiparação”, ela não está criando uma nova via automática de reconhecimento, mas sim direcionando o processo para essa avaliação já prevista.
A Avaliação Biopsicossocial, conduzida por equipe multiprofissional e interdisciplinar, analisa a complexidade da condição do indivíduo sob diversas perspectivas:
- Impedimentos nas funções e estruturas do corpo: As limitações biológicas e fisiológicas decorrentes da fibromialgia.
- Fatores socioambientais, psicológicos e pessoais: O contexto de vida do indivíduo, seu suporte e suas características pessoais.
- Limitação no desempenho de atividades: A capacidade ou dificuldade em realizar tarefas cotidianas e profissionais.
- Restrição de participação na sociedade: O grau em que a condição impede a interação social e o engajamento em diferentes esferas da vida.
É a conclusão dessa análise holística, e não a presença isolada de um diagnóstico, que determinará a existência de uma deficiência e seu grau (leve, moderada ou grave) para fins legais.
Reflexos na aposentadoria da pessoa com deficiência
A discussão sobre a fibromialgia e a deficiência ganha particular relevância no âmbito do Direito Previdenciário, especificamente no que tange à Aposentadoria da Pessoa com Deficiência, regida pela Lei Complementar nº 142/2013. Esta modalidade de benefício, ao prever requisitos de idade ou tempo de contribuição reduzidos, objetiva compensar as dificuldades enfrentadas no mercado de trabalho por aqueles que possuem impedimentos de longo prazo.
Contudo, a obtenção dessa aposentadoria não é simplificada pela Lei nº 15.176/2025 no que se refere à comprovação da deficiência. O Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) exige, para a concessão do benefício, que a condição de deficiência seja devidamente comprovada por meio da perícia biopsicossocial, nos moldes já delineados pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência.
Portanto, o diagnóstico de fibromialgia, ainda que vital para o tratamento e reconhecimento na saúde pública, não dispensa o segurado da necessidade de demonstrar, por meio da avaliação oficial do INSS, que a doença gera um impedimento de longo prazo que limita suas atividades e participação social, configurando, assim, a deficiência nos termos da legislação previdenciária e assistencial.
Imperatividade da interpretação jurídica responsável
A Lei nº 15.176/2025 é, sem dúvida, um marco legislativo que solidifica o reconhecimento e a proteção às pessoas com fibromialgia no Brasil. No entanto, é fundamental que sua interpretação seja pautada pela técnica jurídica e pela cautela, evitando a propagação de informações imprecisas que podem gerar expectativas infundadas e litígios desnecessários.
O diagnóstico de fibromialgia, por si só, não constitui um atalho para a aposentadoria da pessoa com deficiência. A lei é clara ao condicionar a equiparação à realização de uma avaliação biopsicossocial que examine a funcionalidade e a inserção social do indivíduo. A tarefa da comunidade jurídica, e dos operadores do direito em particular, é esclarecer essa distinção, garantindo que os pacientes com fibromialgia busquem seus direitos com base em informações sólidas e orientação profissional adequada.
A informação correta, baseada na integridade do texto legal, é a ferramenta mais eficaz para assegurar a efetividade dos direitos sem distorções.