Fundeb, usurpação dos recursos

Fundeb, usurpação dos recursos

Fundeb: a usurpação dos recursos continua 

Por Gabriel GrabowskiPublicado em 6 de junho de 2023

As brechas da lei, o jabuti e os recursos do Fundeb

“A desigualdade social precisa ser combatida sem retirar recursos do ensino brasileiro:
os programas de assistência social devem ser financiados com recursos suplementares à MDE”
Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil

 

 

Por conter as provas de um jogo injusto é que o orçamento
é tão complicado, técnico, oculto, disfarçado, arredio.
Herbert de Souza, sociólogo mineiro

 

A educação brasileira, da educação infantil até a pós-graduação, possui desafios gigantescos – desigualdades educacionais, tecnológicas, regionais, raciais, de gênero, de classe e destruição da carreira docência, escancarados e agravados pela pandemia da covid-19.

Corre-se sério risco ainda de ter redução de recursos financeiros imprescindíveis do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) devido uma emenda do relator no novo ‘arcabouço fiscal” em discussão no Congresso Nacional.

A tentativa de utilizar e/ou acessar tal fundo público não é nova.

As brechas da lei, o jabuti e os recursos do Fundeb

Na aprovação da PEC do Novo Fundeb, em 2020, a disputa pelos recursos foi muito intensa e a lei que o regulamentou posteriormente, em 2021, abria brechas para repasse de seus recursos para entidades e grupos empresariais, conforme já abordado no artigo A usurpação dos recursos do Fundeb.

O relator e deputado Cláudio Cajado (PP-BA) introduziu uma emenda no texto do “Arcabouço fiscal”, enviado pelo executivo, incluindo o Fundeb nas novas regras fiscais considerando que as complementações à educação passam a constituir-se em despesas obrigatórias da União – tais como saúde, pessoal, previdência, assistência e outras – englobando, consequentemente, o Fundeb nos limites de gastos do novo arcabouço.

A Consultoria de Orçamento e Fiscalização Financeira da Câmara dos Deputados aponta que a medida, se aprovada pelo Senado, obrigará a redução de outras despesas, “inclusive em programas educacionais, como os da merenda e do transporte escolar, além do livro didático”.

Mesmo que a iniciativa de incluir estes gastos no arcabouço não tenha partido do governo atual, este apresenta uma postura ambígua.

Técnicos do Tesouro Nacional e, mesmo o Ministro da Educação, Camilo Santana, afirmam que ““Por todos os cálculos que nós fizemos, os cálculos que a Fazenda fez, isso não terá impacto no orçamento geral do Ministério”.

Técnicos da Consultoria da Câmara afirmam que o Fundep não constar no teto de gastos que permitiu mais de R$ 39 bilhões para a educação, que na nova regra não seriam possíveis.

Reação das entidades e instituições educacionais

O “jabuti” inserido pelo relator teve reação imediata de entidades e instituições educacionais, como A Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), que divulgou uma moção de repúdio, chamando de ‘precipitada’ a forma como a matéria foi pautada e votada na Câmara dos Deputados e solicitando sua reversão no Senado.

Campanha Nacional pelo Direito à Educação e a Associação Nacional de Pesquisa em Financiamento da Educação (Fineduca), adoram, posição igualmente contrárias à proposta.

A Fineduca se pronunciou contrária à proposta contida no Projeto de Lei n° 1049/2023 por considerar que a vinculação de recursos oriundos da receita de impostos a serem aplicados em despesas com Manutenção e Desenvolvimento do Ensino (MDE).

A entidade lembra que a matéria foi definida pela Constituição Federal de 1988, em seu artigo 212, foi uma conquista dos movimentos e entidades que atuam na defesa da educação pública e percorreu um longo caminho de avanços e retrocessos, até chegar à definição que se tem atualmente.

A desigualdade social precisa ser combatida sem retirar recursos do ensino brasileiro: os programas de assistência social devem ser financiados com recursos suplementares à MDE.

O Fórum Nacional Popular de Educação (FNPE), que reúne 45 entidades representativas do campo educacional, emitiu nota pela preservação das despesas com investimentos públicos em educação pública, afirmando que as entidades defenderão, em todo país e junto ao Congresso Nacional, que não deve haver qualquer constrangimento ao financiamento da educação pública em nosso país. Desta forma, é central que as despesas com investimentos públicos em educação pública não devem ser penalizadas no diploma legal a ser aprovado.

As entidades supra citadas e o FNPE requerem que o relator do PLP nº 93/2023, bem como o conjunto dos/as parlamentares, que mantenham as exceções de despesas no arcabouço fiscal, tal como consta no projeto original do Poder Executivo, uma vez que representam salvaguardas mínimas a setores vulneráveis da sociedade.

Já a análise do economista David Deccache, assessor econômico na Câmara dos Deputados, é a de que a melhora da Educação – e da Saúde, também incluída nas novas regras fiscais –, são incompatíveis com o novo arcabouço, pois, conforme a Constituição, Educação e Saúde crescem com base em 100% da receita, e o teto geral limita todas as despesas a 70%. Neste sentido, algumas entidades e especialistas consideram esta iniciativa do relator inconstitucional.

Esta iniciativa da Câmara dos Deputados reafirma que a disputa pelos fundos públicos inviabiliza avanços na educação básica como tem sido historicamente no Brasil.

Modelo de financiamento e recursos

A maioria das Metas do PNE (2014-2024) foram inviabilizadas por esta razão e, principalmente, pelo descumprimento total da Meta 20 que previa ampliar os recursos para a educação, passando de 5% para 10% do PIB.

Na sequência, a PEC 95/2016 e opção política dos governos Temer e Bolsonaro de reduzir os gastos e investimentos com as políticas sociais e educacionais evidenciam o ataque ao ensino público.

Em 2021, novamente, forças comprometidas com os interesses mercado financista, derrotados na aprovação do Novo Fundeb em dezembro de 2020, voltaram a carga na discussão do da regulamentação do Fundeb flexibilizando recursos públicos para entidades privadas e mesmo o Sistema S.

Como demonstra ampla literatura, uma ampliação da oferta de educação com qualidade implica, imediatamente, a revisão, pela sociedade e pelo Estado brasileiro, de sua posição e relação com o financiamento da educação.

Temos um modelo de financiamento que é a expressão da estrutura social e econômica do país, injusto, desigual e, predominantemente, privado.

Historicamente, desde quando o Estado financiou a formação das elites, fê-lo com recursos públicos e, quando o povo começou a acessar a escola, o mesmo Estado incentivou a expansão da escola e de instituições de Ensino Superior (IES) privadas.

Portanto, como aponta Tadeu Silva, pesquisador em educação da Ufrgs, a educação pública não se encontra no presente e deplorável estado principalmente por causa de uma má gestão […], mas sim, sobretudo porque há um conflito na presente crise fiscal entre propósitos imediatos de acumulação e propósitos de legitimação (os governos estaduais não remuneram mal seus professores porque os governadores são maus, ou pouco iluminados, mas porque isto compete com os objetivos do financiamento – necessários ao processo de acumulação – mais imediatos).

As escolas privadas não são mais eficientes que as (…) públicas por causa de alguma qualidade inerente e transcendental da natureza da iniciativa privada (…), mas porque um grupo privilegiado (…) pode financiar, privadamente, uma forma privada de educação […]. As escolas públicas não estão no estado em que estão simplesmente porque gerenciam mal seus recursos ou porque seus métodos ou currículos são inadequados. Elas não têm os recursos que deveriam ter porque a população a que servem está colocada numa situação de subordinação (…) às relações dominantes de poder.

A título de exemplo recene, em 2022, os gastos do governo federal com o pagamento de juros e amortizações da dívida pública somaram R$ 1,879 trilhão, o que representou 46,3% do Orçamento Federal Executado (pago), consumindo, portanto, a maior fatia de todos os recursos públicos federais, conforme relatório elaborado pela Auditoria Cidadã da Dívida (ACD).

Os gastos com educação no mesmo período foram de apenas 2,70%.

Qual é a prioridade nacional estratégica da nação brasileira no presente e no futuro?

De acordo com nossa Constituição, a educação é dever o Estado, das famílias e da sociedade. Portanto, esta mesma sociedade que elege um congresso tão diverso e conservador, majoritariamente elitista e comprometido com os interesses do capital e do mercado, tem o dever ético e político de exigir a preservação dos recursos para a educação e para as demais áreas sociais, exigindo que não sejam incorporadas no atual arcabouço fiscal.

Por fim, como adverte o professor e pesquisador Valdemar Sguissardi (UFSCar e Unimep), analisar as políticas públicas de educação pela ótica do financiamento contribui para compreender os estreitos caminhos de nosso (sub)desenvolvimento econômico e social e dos seus grandes e inarredáveis desafios presentes e futuros.

E o financiamento, como sinalizava também o educador Dias Sobrinho (Unicamp, falecido recentemente, é uma questão crucial no quadro de mudanças de relação entre o Estado e as instituições educacionais, especialmente as públicas.

Precisamos menos de um Estado Avaliador – submetendo estudantes trabalhadores e pobres a inúmeros testes de desempenho, e mais um Estado Financiador da educação, da ciência e da cultura, para todos estudantes, da educação infantil a pós-graduação.

FONTE: clique aqui

 




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