Governo aplica 5,7% do PIB
Muito, pouco, mal, de forma irregular? Especialistas avaliam o gasto do Brasil com educação
Governo aplica 5,7% do PIB na área, percentual maior do que média dos países desenvolvidos, mas gasta pouco por estudante na comparação
Os US$ 4.450 anuais que o governo aplica por estudante na rede pública são 54%
menor do que a média dos países da OCDE
Ao tomar posse como ministro da Educação na terça-feira passada (9), o economista Abraham Weintraub afirmou que pretende transformar a pasta em um "paradigma de eficiência". A preocupação exposta pelo novo titular do Ministério da Educação (MEC) é clara: o Brasil, defende ele, gasta muito com educação e não demonstra resultados equivalentes ao que investe.
— Com esses R$ 120 bilhões (orçamento do MEC), a gente consegue entregar mais, deve entregar mais do que os indicadores atuais do Brasil, internacionais. Eles são ruins. O Brasil gasta como país rico e tem indicadores de país pobre per capita — garantiu o ministro.
Apesar de investir em educação 5,7% do Produto Interno Bruto (PIB), um percentual maior do que a média dos países desenvolvidos, o Brasil realmente gasta, em comparação, pouco por aluno. Os US$ 4.450 anuais que o governo aplica por estudante na rede pública são 54% menor do que a média dos países membros da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) — que reúne 36 nações, em sua maioria desenvolvidas, mas também emergentes como China, México e Turquia. Nesta reportagem, os valores em dólares não são convertidos para a cotação atual do real porque foram calculados a partir de uma fórmula que permite a comparação mundial.
Especialistas em educação avaliam que, mesmo com parcela significativa do PIB dedicada ao tema, o investimento do país é insuficiente para a necessidade da população. Há ainda significativa demanda educacional a ser suprida, fruto de tempos em que essa área não foi prioritária no país.
— Nossa estrutura demográfica conta com muitas crianças e muitos jovens, diferentemente de países desenvolvidos que dedicam um percentual menor do PIB à educação. E, no Brasil, essa divisão de pouco recurso por muita gente, ainda que o percentual seja alto, dá um valor bastante baixo — explica Caio Callegari, coordenador de projetos do movimento Todos pela Educação.
Nossa estrutura demográfica conta com muitas crianças e muitos jovens, diferentemente de países desenvolvidos que dedicam um percentual menor do PIB à educação. E, no Brasil, essa divisão de pouco recurso por muita gente, ainda que o percentual seja alto, dá um valor bastante baixo.
Professor titular da Universidade de São Paulo (USP) e ex-presidente da Associação Nacional de Pesquisa em Financiamento da Educação (Fineduca), José Marcelino de Rezende Pinto salienta que o Brasil precisa fazer um esforço grande por ter descuidado da educação durante tanto tempo. Resolvida a lição de casa, como fizeram todos os países que hoje são considerados desenvolvidos, ele aponta, a tendência é o gasto brasileiro se estabilizar no patamar de 6% a 7% do PIB.
— Parece, e é, um valor elevado, mas para um país que arrecada 33% do PIB em tributos, ele é plenamente realizável dentro de um pacto nacional por uma educação de qualidade para todos. Basta que a União, o ente que mais arrecada e que menos aplica em educação, assuma essa prioridade.
Parece, e é, um valor elevado (6% a 7% do PIB em educação), mas para um país que arrecada 33% do PIB em tributos, ele é plenamente realizável dentro de um pacto nacional por uma educação de qualidade para todos.
Os educadores concordam que é preciso investir mais. Não é só, porém: também se faz necessário gastar melhor, com eficiência e em ações que realmente façam a diferença. Callegari menciona que ações estratégicas, como a formação de professores e o incentivo ao ensino em tempo integral em escolas, têm muito mais impacto, por exemplo, do que a compra de alguns computadores.
— Sempre o debate fica nessa dicotomia, se gastamos muito ou pouco em educação. E, com dados cada vez mais robustos, vemos que investimos pouco, investimos mal e temos uma distribuição muito injusta dessa verba — destaca o pesquisador, formado em Economia pela USP, que estuda o financiamento da educação pública.
— A questão não é se gastamos muito ou pouco, a questão é: dado o que gastamos, estamos tendo um retorno adequado? E o que se vê é que não. Temos um desempenho ainda aquém daquele de países próximos, como México e Colômbia. Muito abaixo do que se esperaria para o nosso nível de gastos — complementa Renan Pieri, professor de economia do Insper, em São Paulo.
Por que o investimento não se reflete em maior qualidade do ensino?
Há um fator histórico que deve ser considerado quando se compara o Brasil a países desenvolvidos, apontam educadores ouvidos pela reportagem. Para Grabowski, avaliações como o Pisa precisam ser melhor contextualizadas, pois analisam, lado a lado, países, processos, públicos, realidades bem diferentes. O Brasil, ele argumenta, não tendo investido em educação durante séculos, contando com grande contingente de analfabetos e baixa escolaridade de níveis médio e superior, é "comparado a nações que há 200 anos não têm analfabetismo".
— Por não ter investido massivamente em seus mais de 500 anos em educação, o Brasil, com 210 milhões de habitantes, apresenta uma das maiores demandas educacionais do mundo, na ordem de 46% da nossa população, ou seja, em torno de 100 milhões de brasileiros.
Um relatório produzido pela Secretaria do Tesouro Nacional, intitulado "Aspectos fiscais da educação no Brasil", também faz algumas considerações sobre o paradoxo de um país que está entre os que mais gastam com a educação pública, mas mesmo assim aparece nas últimas colocações de avaliações como o Pisa. O estudo, porém, vai no caminho contrário do pesquisador ao entender que o volume de gastos atual é suficiente: o percentual aplicado em educação não apresentaria correlação significativa com o desempenho no ensino.
"Apesar da forte pressão social para a elevação do gasto na área de educação, existem evidências de que a atual baixa qualidade não se deve à insuficiência de recursos. Tal observação não é específica ao Brasil, tendo em vista que já é estabelecida na literatura sobre o tema a visão de que políticas baseadas apenas na ampliação de "insumos" educacionais são, em geral, ineficazes", aponta o documento.
O problema está ainda no uso que é feito desses investimentos. Renan Pieri, professor do Insper, aponta uma falta de diálogo entre as diferentes esferas do Executivo, o que leva à presença maior do governo brasileiro no Ensino Superior público, predominantemente federal.
Na Educação Básica, o governo federal atua mais como tutor, sugere as políticas e fornece os recursos, mas pouco as executa. Poderia haver um intercâmbio maior de boas práticas entre secretarias estaduais e municipais, em que o governo federal poderia ajudar. Mas o que vemos hoje é um viés de gastos muito voltado para o Ensino Superior.
— Na Educação Básica, o governo federal atua mais como tutor, sugere as políticas e fornece os recursos, mas pouco as executa. Poderia haver um intercâmbio maior de boas práticas entre secretarias estaduais e municipais, em que o governo federal poderia ajudar. Mas o que vemos hoje é um viés de gastos muito voltado para o Ensino Superior.
Maior parte do valor é destinado a pagamento de pessoal
Rezende Pinto, pesquisador na área de financiamento da educação, aponta que, de cada R$ 100 gastos em educação, cerca de R$ 85 destinam-se ao pagamento de pessoal. E essa folha estaria muito propensa a fraudes nas contas públicas.
— Há elementos que apontam que os dados de gasto declarados pela União, Estados e municípios podem estar inflacionados, indicando que os gastos poderiam ser menores do que os valores declarados, particularmente na Educação Básica — diz o professor da USP.
Para o pesquisador, há muitas fraudes no orçamento da educação, o que também atrapalha o bom uso dos recursos. Os desvios mais comuns aconteceriam nas construções e reformas de escolas, bem como nos contratos, em geral terceirizados, de alimentação e transporte escolar.
Os últimos dados completos divulgados pelo estudo Education at a Glance mostram que o Brasil investe 56% menos por estudante do que a média da OCDE na educação primária da rede pública e 53,9% a menos no total, somando todos os níveis de ensino. No Ensino Superior, porém, o gasto por aluno é 11,8% maior do que a média dos países desenvolvidos.
Por que o percentual do PIB investido em educação não deve ser o único parâmetro?
Se faltou investimento no passado, uma nação terá que gastar mais para tentar chegar a um patamar melhor, algo que já foi atingido por países desenvolvidos. O doutor em Educação Gabriel Grabowski exemplifica isso comparando os investimentos da Alemanha e do Brasil. Em 2015, o Brasil investia 5,7% do PIB em educação e a Alemanha, 4,4%.
— Isso significa que o Brasil investe mais que a Alemanha? Não! Por quê? Porque o PIB da Alemanha é muito maior do que o do Brasil e o número de alunos lá, a demanda educacional, é muito menor do que aqui.
Enquanto os alemães dedicam US$ 10.339 por aluno ao ano, o Brasil investe US$ 4.450. Com 4,4% do PIB, portanto, a Alemanha investe, em cada estudante, 132% mais do que o Brasil, que utiliza 5,7% do PIB.
Desperdícios na educação
Burocracia, mau uso do dinheiro, desvios, privilégios, estas e tantas outras deformações precisam ser identificadas com nitidez e corrigidas urgentemente
17/04/2019
É meritório que o governo Jair Bolsonaro se disponha a discutir publicamente a qualidade dos gastos com a educação no Brasil. De fato, os números revelados ontem por reportagem de Zero Hora mostram que, se fosse levado em conta o percentual equivalente ao Produto Interno Bruto (PIB) investido na área, o Brasil deveria estar em posição bem menos embaraçosa em rankings mundiais da educação. Ainda falta debater todos os lados do problema para uma conclusão definitiva e correção das distorções. Ainda assim, é evidente que o Brasil gasta mal, pois só uma pequena parcela dos recursos chega a quem as políticas de ensino são dirigidas de fato: os estudantes.
Só uma pequena parcela dos recursos chega a quem as políticas de ensino são dirigidas de fato: os estudantes
Os números da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) mostram que o Brasil tem investimentos públicos em educação equivalentes a 5,7% do PIB. O percentual é superior ao de países notabilizados pela excelência em educação, como Irlanda, Japão, Alemanha e Coreia do Sul, entre outros. Ainda assim, mesmo gastando como país rico nessa área, o Brasil acaba, na média, investindo menos por aluno, e mal. Em consequência, patina em resultados de países pobres. Os dados apontados pelas avaliações oficiais são desanimadores _ da fase de alfabetização, que num percentual elevado não se conclui na idade recomendada, aos reduzidos níveis de aprendizado de quem deixa o Ensino Médio.
Educação de qualidade depende de políticas continuadas, de preferência que possam passar de um governo para outro. Por isso, é importante que o Ministério da Educação (MEC) se dê conta de uma vez por todas da importância de seu papel como formulador de políticas que impactam municípios e Estados. O MEC precisa se focar no essencial, deixando de lado polêmicas secundárias, que não contribuem para assegurar ganhos práticos na aprendizagem. Uma alternativa eficaz é se basear sempre nos resultados de avaliações, que não se constituem em meros números, mas são indicadores com potencial para garantir mais eficácia aos investimentos e avanços em aspectos nos quais a educação vai mal.
Burocracia, mau uso do dinheiro, desvios, privilégios, estas e tantas outras deformações precisam ser identificadas com nitidez e corrigidas urgentemente. Essa deveria ser a missão primeira, com absoluta prioridade, do Ministério da Educação. Se o novo ministro aposentar as controvérsias inúteis e diversionistas de seu antecessor, já será um bom começo.