Governo e magistério
Governo e magistério

| Foto: Marcelo Oliveira/ALRS
Governos costumam ter razões que a razão humanista ignora. Desde sempre. A política é arte de simular que se faz pelo bem público aquilo que se faz pela carreira pessoal ou pelo interesse partidário. Bom político é o que consegue fazer coincidir essas duas lógicas, aparentemente privilegiando a primeira. Política exige uma enorme habilidade para dizer sem dizer e especialmente para transformar vinho em água no meio da festa. Na política há dois momentos decisivos: o momento da promessa e o momento de se esconder dos credores. Na maior parte do tempo, as escolhas dos políticos chocam o cidadão comum.
Vamos a alguns exemplos colhidos em Marte. Como entender que quem está na ativa ganhe reajuste e aposentados fiquem chupando o dedo? A inflação não pega aposentados? Aposentado tem mais é que morrer logo? Aposentado não vota? Não é cidadão? E funcionário de escola? É atividade “subalterna”? Pode esperar? É tudo de esquerda mesmo e por isso pode ficar vendo o preço do ovo aumentar sem dinheiro para comprar? Que vá criar galinha? Como entender que aposentado não tenha reajuste, mas pague contribuição para a previdência? Estou dizendo, é um mundo muito complexo, que precisa ser decifrado.
Outra coisa que até hoje não entendi. Se o ganho mensal de alguém é dividido em duas partes: salário e complementos. Uso essa linguagem trivial para evitar expressões marcianas que só especialistas em ciências contábeis talvez entendessem. José é professor. Ele ganha 14 como salário e 16 como complemento. Aí recebe um aumento. Passa a ganhar 16 como salário e 14 como complemento. Onde está o aumento? Uma parte dos seus ganhos passou de uma rubrica para outra. Uma cédula voou de um bolso para o outro. Um bolso fez pix para o outro. Cadê o ganho? Na hora de pagar o supermercado, José tinha 30 e agora tem 30. Os preços, porém, subiram de fato. Pode ser chamada de aumento uma operação que nada aumenta? Se existe alguma vantagem futura, do tipo incorporação para o que será ganho na aposentadoria, algo assim, por que não é explicitado, bem explicado à sociedade pelos assessores dos políticos com seus gráficos, ternos e saberes?
Há marcianos que, por falta de capacidade de usar palavras elegantes e por enfado mesmo, veem nesse tipo de mágica uma enganação. Chama a atenção em Marte o fato de que a grande mídia local não costuma questionar o governo sobre esse tipo de detalhe. Nada. Quase nada. Raramente. A responsável pelo setor senta no sofá da mídia e não ouve uma pergunta incômoda dessa ordem maldita. Pode-se supor que os jornalistas tenham entendido tudo e não pergunte por falta de dúvidas. Por que não? Claro que governos sempre se justificam alegando falta de meios para dar reajustes a todos. Essa é uma árdua e universal discussão, que passa por prioridades e competência no uso das receitas. A incompetência, em Marte, é sempre um atributo do outro.
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