ilegal e abusiva prática colégios cívico-militares
Tribunal julga ilegal e abusiva prática adotada nos colégios cívico-militares de Ratinho Jr.
TJPR negou recurso do Estado que tentava manter regra interna que proíbe cabelo afro e punia aluno negro por conta da sua identidade étnica-racial
Uma decisão do Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR) reforça as ilegalidades e abusos denunciados pela APP-Sindicato sobre o programa de Colégios Cívico-Militares do governador Ratinho Jr. (PSD). Os(as) desembargadores da 7ª Câmara Cível rejeitaram um recurso do Estado que tentava proibir um aluno negro de usar o corte de cabelo vinculado à sua identidade étnico-cultural. Na decisão, o Tribunal afirmou que “a imposição de padrão capilar desvinculado de finalidade pedagógica fere os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.”
Para o secretário executivo Educacional da APP-Sindicato, Vandré Alexandre da Silva, o julgamento corrobora a posição defendida pela APP Sindicato, de que é dever do Estado assegurar uma educação pública, de qualidade e livre de qualquer discriminação e racismo. “Trata-se de uma vitória para nossa luta contra a militarização das escolas, que frequentemente viola as identidades dos estudantes ao impor padrões de vestimenta, cortes de cabelo e outras expressões individuais”, afirma.
Vandré acrescenta que a decisão ocorre em um momento relevante, já que, mesmo com as ilegalidades do modelo, o governo tenta ampliar o número de escolas com a presença de militares sem formação para atuar com estudantes. “Esperamos que este veredicto se dissemine, para que todas as famílias e estudantes vítimas da truculência da militarização nas escolas se sintam encorajados a exigir seus direitos,” completa o secretário.
O julgamento se baseou em direitos fundamentais, como a liberdade de expressão (Constituição Federal, art. 5º, IV) e o respeito à identidade e à integridade moral (Estatuto da Criança e do Adolescente, arts. 16 e 17). A Justiça considerou que, mesmo sem o impedimento formal de frequentar as aulas, as advertências disciplinares baseadas na aparência configuram tratamento discriminatório e afrontam o necessário ambiente educacional inclusivo.
Para o Tribunal, embora as instituições de ensino tenham autonomia para criar normas, elas não devem restringir o(a) aluno(a) por um corte de cabelo que é parte de sua identidade étnico-cultural, e não apenas um “mero adorno estético”.
A 7ª Câmara Cível concluiu que as normas internas podem ser flexibilizadas para proteger os direitos fundamentais dos(as) estudantes, especialmente quando há risco de abalo à autoestima e ausência de prejuízo ao aprendizado. A norma contestada foi considerada “incompatível com a missão constitucional da educação pública”. O julgamento foi realizado no dia 21 de outubro deste ano.
Inconstitucional
As escolas militarizadas começaram a funcionar no Paraná em 2021, após consultas à comunidade realizadas no ano anterior marcadas por casos de autoritarismo e desrespeito às comunidades escolares. A última consulta ocorreu em 2023 e atualmente o estado possui 312 colégios militarizados, mesmo após o presidente Lula encerrar, em 2023, o Programa Nacional das Escolas Cívico-Militares (Pecim), criado em 2019 pelo ex-presidente Jair Bolsonaro.
O programa prevê a contratação de policiais militares aposentados para atuar e interagir com os(as) estudantes nas escolas. Os(as) militares são chamados de monitores militares, mas em muitas escolas são conhecidos como diretores(as) militares, em sobreposição à autoridade dos profissionais da educação.
Esse conflito também se demonstra na remuneração. Ratinho Jr. paga aos militares a quantia mensal de R$ 5,5 mil. Mesmo não tendo formação ou conhecimento sobre processo pedagógico, educação e interação com adolescentes e jovens, eles recebem mais do que os(as) professores(as), que têm o piso atual fixado em R$ 4,9 mil, para jornada de 40 horas semanais, e mais ainda do que os(as) funcionários(as) de escola que tem formação e qualificação para interação com os estudantes, os Agentes II, cujo piso salarial é R$ 4 mil.
Não à militarização
Desde o anúncio do modelo, a APP-Sindicato tem atuado na resistência, denunciando os problemas da iniciativa para estudantes, educadores(as) e para a qualidade do ensino. O sindicato também tem acompanhado e notificado casos de violência nas unidades militarizadas.
>> Saiba mais: Escola Não é Quartel: 7 motivos para dizer não às escolas cívico-militares
Uma reportagem publicada em 2024 pela APP-Sindicato ouviu estudantes indignados(as) com as mudanças impostas a partir daquele ano após em escolas que abandonaram o modelo democrático e passaram a adotar o cívico-militar. Os(as) adolescentes relataram que foram obrigados(as) a cumprir uma série de regras estéticas consideradas abusivas e que não possuem qualquer relação com o ensino.
“Me sinto péssimo, porque eles estão querendo mudar a personalidade das pessoas. Eles falaram que quem não tirar os piercings e os bonés vai ter que mudar de escola. O ambiente no colégio está péssimo. A gente vai para a escola estudar e aprender, mas chega lá, parece uma prisão”, contou um estudante.
As regras constam no manual das escolas cívico-militares. O documento alega que a padronização do cabelo e a proibição de acessórios seriam “aspectos educacionais relacionados com a higiene, boa aparência, sociabilidade, postura, dentre outros”. Mas, para os(as) estudantes, a prática é abusiva e promove discriminação contra a identidade de grupos sociais, como pessoas negras e LGBTI+.
Inconstitucional
Uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), movida pelo PT, PSOL e PCdoB, pede que o Supremo Tribunal Federal (STF) declare a inconstitucionalidade da Lei 20.338/2020, que criou o Programa Colégios Cívico-Militares do Paraná, e do art. 1º, inciso VI, da Lei 18.590/2015, que proíbe eleições para direção nas escolas cívico-militares.
Em manifestação no processo, a Advocacia-Geral da União (AGU) considerou que o programa de escolas Cívico-Militares de Ratinho Jr. é inconstitucional. O parecer da AGU argumenta que estados não podem criar um modelo educacional que não esteja previsto na Lei de Diretrizes e Bases da Educação. Além disso, o órgão ressalta que a Constituição Federal não prevê que militares exerçam funções de ensino ou de apoio escolar. O relator do caso no STF é o ministro Gilmar Mendes.
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