Imaturidade política

Imaturidade política

A IMATURIDADE POLÍTICA DO BOLSONARISMO

Julio Perez

 

A IMATURIDADE POLÍTICA DO BOLSONARISMO



Anunciado o resultado das urnas, no último dia 30 de outubro, com a vitória do agora presidente eleito Luís Inácio Lula da Silva, os seguidores do atual presidente negam-se a aceitar os seus termos, provocando toda sorte de confusão país afora. Logo no primeiro dia após a divulgação dos resultados, os manifestantes foram para as ruas, levando caos e confusão em mais de 900 pontos de bloqueios das estradas, tumultuando a rotina de trabalho e compromisso de milhões de brasileiros, enquanto Bolsonaro quedava-se em silêncio tumular, só quebrado na terça-feira, dia 1º de novembro, quando fez seu primeiro pronunciamento após a derrota. Pronunciamento este tão lacônico quanto cheio de ambiguidades, pois, se de um lado condenava as manifestações que embaraçavam o direito de ir e vir das pessoas, por outro as incentivava, desde que pacíficas, como se houvesse alguma legitimidade nelas, dado a ausência de qualquer evidência de irregularidade do processo eleitoral. Fato, então, já consumado pela justiça eleitoral, nas palavras do Ministro Alexandre de Moraes, Presidente do TSE e, depois, pela tal de auditoria que as Forças Armadas fizeram do processo.

No dia seguinte, dia 2, o Presidente voltou às redes, em um vídeo em que aparece trajando um modelito à la Zelensky – de camiseta escura, sem o habitual terno e gravata –, para pedir aos insurgentes antidemocráticos que desobstruíssem as estradas. Fala esta motivada, especula-se, pelo setor produtivo, especialmente do agronegócio, que estava amargando grandes prejuízo por conta dessas paralisações.

A escolha do modelito, contudo, para fazer essa manifestação, não teria nada de acaso. Ele continha claro conteúdo subliminar para indicar aos amotinados que o Brasil estaria em guerra a partir daquele momento, sendo o presidente o seu líder. Não à-toa seriam ainda necessários alguns dias para as estradas serem liberadas, deslocando-se, no entanto, as manifestações para frente dos quarteis, onde, alguns renitentes golpistas permanecem até hoje, pedindo intervenção militar. Manifestações bovinamente toleradas pelas autoridades constituídas, dado a conivência de um governo com claras motivações golpistas e autoritárias, o qual, só não levou adiante seus planos de açambarcamento do processo eleitoral, graças ao apoio internacional da eleição de Lula, especialmente dos EUA, cujo governante foi um dos primeiros a reconhecer o resultado e parabenizar o presidente eleito.

Gostaria, no entanto, de me deter sobre o caráter dessas manifestações, cujo traço principal, a meu ver, é o de revelar a imaturidade política das pessoas que as promovem, eis que, de regra, são pessoas que estão indo pela primeira vez para as ruas protestar. Pessoas que, em geral, não se manifestavam sobre assuntos políticos, senão incidentalmente para criticar um ou outro político envolvido em algum escândalo de corrupção, tão ao gosto das manchetes dos jornais, mas que não tinham uma ligação mais orgânica com a política, como um fazer que se constrói na democracia, através do diálogo, da formação de consensos, dos embates de ideias e dos naturais avanços e recuos das suas pautas na arena do debate público. São pessoas que, de repente, vislumbraram a possibilidade de um país sem corrupção e encontraram na figura, primeiro, de um juiz, e, depois, na de um capitão, os caras que encarnavam esse ideal e que iam livrar o país dessa chaga. Um através do ativismo jurídico, não importa a que custo, o outro através da negação da velha política (ainda que o que iria se colocar no lugar nunca esteve muito claro, embora a gente sempre soubesse quais as intenções de Bolsonaro desde o início, qual seja, a de governar o país como um autocrata, sem as amarras do judiciário, nem a inevitável negociação que todo governante tem que estabelecer com o Congresso Nacional, goste disso ou não). E foi com base nessa ideia, de um país livre de corrupção, que essas pessoas aderiram cegamente, primeiro, aos desmandos da lava-jato, que em muitos casos, especialmente envolvendo a classe política, atropelou todos os procedimentos judiciais do devido processo legal, da presunção de inocência, da condução coercitiva, da prisão preventiva e outros baluartes do estado democrático de direito e, depois, a Bolsonaro, o cara que era “contra tudo isso que tá aí”, como o cara antipolítica que ia instaurar o reino da incorruptibilidade no país, ainda que a custa de nomear um Procurador-Geral amigo, das interferências na Polícia Federal e dos decretos de sigilo de 100 anos sobre todos os atos e fatos que possam comprometê-lo.

Não é à-toa, pois, que, quando esse cara perde a eleição, as pessoas não entendam como alguém possa ter sido contra esse projeto, contra o cara que é contra a corrupção e se enfureçam.

Essa fúria, contudo, revela a imaturidade política dessas pessoas que se negam a aceitar que não há solução mágica para o problema da corrupção no país, nem em qualquer lugar do mundo, senão através de um lento e transparente processo de aperfeiçoamento das instituições e dos mecanismos de combate aos desvios de conduta. Desvios que atingem não apenas os agentes do Estado, mas também e, quiçá, sobretudo, os agentes do mercado que os promovem. Não será, afinal, corrompendo o processo que irá se combater a corrupção, como o fez a Lava Jato, pondo a perder um processo que começou bem, em seu propósito inicial e teve alguns bons resultados, mas que acabou se perdendo ao longo do caminho pela instrumentalização política que a oposição fez da operação, com a conivência de significativa parcela do judiciário e da mídia nacional.

Instrumentalização que levaria ao impeachment por razões exclusivamente políticas, assim como a injusta e ilegal prisão de um ex-presidente. Quando essa instrumentalização foi desmascarada pela revelação do envolvimento dos seus próceres – com destaque para Aécio Neves, Michel Temer e Eduardo Cunha -, a população desencantada atirou-se aos braços do primeiro demagogo que apareceu, arrotando sua imbroxável conduta.

Foi nesse caldo que as pessoas que hoje vão às ruas, em desespero pela derrota de Bolsonaro, foram cozinhadas, a ponto de considera-lo o último bastião de resistência contra o sistema que a mídia, sobretudo, ensinou-as a abominar nos últimos 8 anos. Essa mesma mídia que, nas eloquentes e significativas palavras de Willian Bonner, quando da primeira entrevista do ex-presidente Lula ao Jornal Nacional, após a sua reabilitação jurídica pelo STF e política pela opinião pública, logo na abertura da entrevista, declara em alto em bom som que ele, Lula, não devia mais nada à justiça, numa espécie de mea culpa da maior representante da mídia televisiva nacional pelas atrocidades que cometeu contra o ex-presidente, ao amplificar os desmandos e as ilegalidades da Lava Jato.

Naturalmente que há um processo de decantação de tudo o que aconteceu nos últimos anos, especialmente após as manifestações de junho de 2013 e como estas foram instrumentalizadas pela oposição contra um governo popular. Instrumentalização que ganhou volume e poder de fogo incomensuráveis a partir das apurações da Lava Jato, com adesão da mídia nacional a uma pauta golpista e antipovo, cujos resultados aí estão: milhares de mortes desnecessárias na pandemia, a volta do país ao mapa da fome, a entrega das riquezas nacionais, especialmente da Petrobrás, à rapina privada nacional e internacional, às custas do povo que paga por uma energia cada vez mais cara, a volta da inflação, o desmonte dos programas sociais, a destruição da Amazônia, enfim, um cenário de terra arrasada que só, muitos anos de sucessivos governos democráticos poderá restabelecer.

Contudo, o projeto derrotado, de destruição do país, não poderá voltar ao poder. Para isso, esperamos contar com uma mídia e uma oposição – naturalmente não com a oposição que se elegeu na carona desse projeto, mas da oposição democrática tradicional - que tenha aprendido a lição: a política não é uma arena onde vale tudo pela busca do poder. Há consensos e acordos mínimos que precisam ser respeitados e um deles, se não o principal é o respeito, não apenas às leis e a Constituição, mas ao espírito das leis e da Magna Carta Brasileira, especialmente quando esta, em seu art. 3º, estabelece quais são aos princípios que deverão nortear os rumos da República do Brasil declarando:

Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:

I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;

II - garantir o desenvolvimento nacional;

III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;

IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

Basta que o governo eleito se comprometa com a consecução desses objetivos e efetivamente trabalhe por eles, como já deu mostras disso no passado, para podermos considerar que retomamos o rumo certo da história.

 

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