Impactos da pobreza na educação
Os impactos da pobreza na educação escolar
“Ele não conseguia aprender… a fome era maior que a curiosidade, que o desejo pelo novo” (Professora de uma escola pública no ES, em relato à especialização EPDS, sobre uma criança em situação de pobreza).
No Brasil, o direito à educação é algo recente e o acesso à escola pelas parcelas mais pobres e marginalizadas da população, incluindo os índios, os negros, os imigrantes e as mulheres, só começou a se concretizar nas últimas décadas do século XX. O tratamento dado à educação dos pobres deixou um legado que pode ser visto, nos dias de hoje, nos baixos índices de aprendizagem escolar dos alunos em condição de pobreza (IOSIF, 2007). Nesse contexto, a desigualdade social se traduz em desigualdade escolar.
Em uma sociedade onde a pobreza e desigualdade são muito evidentes, preocupa não só a injustiça social, mas também as consequências que essas desigualdades irão trazer aos indivíduos. Crianças nascidas nesse círculo de pobreza têm a maior probabilidade de se tornarem as unidades familiares pobres de amanhã. A condição de pobre faz com que essas crianças e jovens não frequentem adequadamente a escola, tenham necessidade de trabalhar e abandonem seus sonhos de um futuro melhor e mais humano.
O que causa maior preocupação em relação a essa situação é a possibilidade dessas crianças, ao se tornarem adultos, não conseguirem romper com o circulo vicioso da pobreza e desigualdade, que resulta na visão de caridade, com o envergonhamento do sujeito, e de juventude pobre como sinônimo de criminalidade. A pobreza não constitui uma identidade, mas uma condição, e não é uma condição natural, mas fruto amargo de complexas dinâmicas da sociedade, devendo ser enfrentada e superada. Por isso, ao tratar a pobreza, é preciso também tratar a desigualdade.
Nos currículos, a pobreza tem sido vista como carência, sendo a carência material resultado das carências de conhecimento, de competências, carências de valores, hábitos e moralidades. E, assim, a escola não tem assumido o seu papel de proporcionar o pleno conhecimento da realidade, inclusive, da condição social dos seus alunos, mostrando as condições históricas e sociais que resultaram na desigualdade social.
Embora a pobreza seja um fator social que tensiona profundamente o paradigma da universalidade e da democratização real do ensino básico, questionando, com contundência, as possibilidades da escola formal e homogênea no contexto do capitalismo, a relação entre educação escolar e situação de pobreza constitui-se um campo de reflexão ainda não consolidado no Brasil e em que se evidenciam diferentes tipos de articulação, destacando-se, sobretudo, as indicações que percebem a educação formal, por um lado, como condição indispensável para a ruptura do círculo da pobreza, e, por outro lado, como mecanismo de manutenção da ordem instituída (ASSIS; FERREIRA; YANNOULAS, 2012).
Compartilho do pensamento de que a educação escolar tem uma imensa responsabilidade no enfrentamento das condições que produzem e reproduzem a pobreza. Ela pode oferecer informações que motivam a reflexão, fortalecem valores de justiça e respeito pelos outros, aproximam vozes e experiências humanas e nos ajudam a conhecer e agir, promovendo e estimulando a ação de pessoas e grupos em favor da justiça e de valores que representam o bem comum.
Nesse contexto, a educação precisa ir além das salas de aula, superando a visão do pobre como apenas um número nas escolas, buscando-se novas práticas que valorizem os alunos e que os estimulem na aprendizagem e construção de novos conhecimentos, tendo a escola, por sua vez, o compromisso com a democratização do saber. A educação pode ser um importante elemento para compreensão e enfrentamento da pobreza, pode colaborar para que todos tenham iguais direitos de aprender, de conhecer e ser conhecido, de valorizar e ser valorizado, pois traz consigo a utopia de um mundo mais justo, de saberes que dialogam, de heranças que se repartem, firma um compromisso, a luta e a esperança.
O caminho a ser trilhado no processo de efetivação do direito à educação de qualidade para todos os cidadãos brasileiros, independente da classe social a que pertencem, é longo e árduo. Ainda que houvesse uma perspectiva promissora com a promulgação da Lei 13.005/14 (Plano Nacional de Educação), que amplia os investimentos em educação para 10% do PIB, até 2024, o quadro geral que condiciona as políticas atuais, neste ano de 2017, aponta para limitações sérias no presente e num futuro próximo.
Em decorrência do processo de escolarização pública no Brasil, o desafio de assegurar educação de qualidade para todos precisa estar articulado com o processo de enfrentamento à desigualdade social e a busca de uma sociedade mais justa. Contudo, reafirma-se a necessidade de romper com a visão da pobreza somente pelo viés educacional, que mascara toda a sua complexidade como questão social, política e econômica. Nessa perspectiva, questiona-se a representação moralizante e reducionista sobre pobreza e desigualdade social, pois os pobres não são assim constituídos por escolha, e evita-se responsabilizar a escola pela solução do problema produzido em contextos sociais, políticos e econômicos, para além do ambiente escolar.
ASSIS, S.; FERREIRA, K.; YANNOULAS, S. Educação e pobreza: limiares de um campo em (re)definição. Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro, v. 17, n. 50, p. 329-351, maio/ago. 2012.
IOSIF, Ranilce Mascarenhas Guimarães. A qualidade da educação na escola pública e o comportamento da cidadania global emancipada: implicações para a situação da pobreza e desigualdade no Brasil. 2007. 310 f. Tese (Doutorado em Política Social)— Universidade de Brasília, Brasília, 2007.
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